Comemorámos no passado dia 8 de março um Dia Internacional da Mulher particularmente importante, se tivermos em conta os imensos perigos que a crise económica e social provocada pela pandemia comportam para o desígnio da igualdade.
Quem já estava em situação de maior vulnerabilidade foi também mais atingido por toda a situação que vivemos e, se é hoje óbvio que as mulheres foram as mais prejudicadas, também há especificidades desta crise em concreto que atingem de forma muito particular as mulheres.
Mas não basta constatar e lamentar. É urgente encarar as raízes do fenómeno, para as combater. Porque foram as mulheres mais afetadas no nosso país (como em tantos outros) e, entre elas, as mulheres trabalhadoras de menores rendimentos?
As causas estão a montante da crise sanitária.
Desde logo, uma organização do trabalho e da economia assente em baixos salários, precariedade e exploração. A fragilidade dos vínculos (e a inexistência de vínculos com a verdadeira entidade patronal, no caso das prestações de serviço) tiveram como primeiríssimo reflexo desta pandemia despedimentos em massa. Assim, ficaram milhares de mulheres desempregadas ou viram os seus rendimentos decrescer abruptamente com a entrada em regimes de lay-off com pagamento parcial dos salários. E se é certo que estes problemas não são um exclusivo das trabalhadoras, têm um impacto incalculável. Foram centenas as denúncias de situações de autêntico aproveitamento da epidemia para atropelar direitos, o que é possível porque existe falta de cumprimento e fiscalização das normas laborais.
A generalização do teletrabalho, por outro lado, encerra o perigo de inverter um percurso histórico de “saída de casa” das mulheres. Mesmo considerada uma solução face à realidade existente, a verdade é que os trabalhadores sentem a fronteira entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar cada vez mais esbatida e verifica-se uma maior desregulação e intensidade nos horários e ritmos de trabalho. Também ficaram em casa mais mulheres a dar assistência à família porque os seus salários eram também mais baixos.
As mulheres representaram mais de 80% do total de beneficiários do apoio excecional às famílias dirigido a pais que precisam de ficar em casa para cuidar de crianças menores de 12 anos em virtude do encerramento das escolas.
Toda esta nova realidade social e laboral contribuiu para uma (ainda maior!) concentração do trabalho doméstico nas mulheres, a que acresce a frustração com a incapacidade de acompanhar os filhos e dependentes simultaneamente.
Se o rosto da pandemia é de mulher, como a ONU tem destacado, também as mãos que lhe fazem frente são femininas. São elas a esmagadora maioria nos cuidados em geral, num universo geralmente maltratado e desvalorizado embora imprescindível, basta pensar nas condições dos trabalhadores dos lares e IPSS. A “linha da frente”, quer no que toca à saúde ou a outros serviços essenciais, é composta maioritariamente por mulheres se tivermos em conta que, por exemplo, em Portugal, ao nível da enfermagem são 84% mulheres enfermeiras, de acordo com o último balanço do Ministério da Saúde. O mesmo se aplica à grande distribuição e comércio.
Mas são também vítimas privilegiadas da situação que atravessamos porque existem milhares de micro e pequenas empresárias e sabemos que foram estas empresas mais pequenas a sentir o maior embate das medidas de confinamento.
É em todo este “caldo” que se cozinha um dos maiores flagelos da nossa sociedade: a violência doméstica. De facto, se o teletrabalho ou o confinamento são dramáticos para a generalidade da população, para as mulheres que vivem com o agressor, é a iminência da agressão constante, é o aumentar das tensões e a sensação de insegurança.
Apesar dos esforços desenvolvidos para chegar a estas mulheres é incontornável o impacto que as crises económicas têm na autonomia das mulheres e no seu estatuto que tanto condiciona as violências mas também os estereótipos e preconceitos.
Neste contexto, uma especial atenção é necessária à exploração na prostituição porque a pobreza, o desespero e a falta de oportunidades são a antecâmara da entrada no sistema prostitucional.
O tempo é de olhar para as raízes dos problemas com um objectivo bem claro: resolver, combater, encontrar soluções. Por isso este Dia Internacional da Mulher serviu também para reafirmar, através de imensas ações entre as quais as concentrações no Porto e em Lisboa promovidas pelo MDM, a necessidade de políticas novas.
Celebrar a luta das mulheres e valorizar a sua condição passa hoje por um combate à instabilidade no trabalho, pela valorização das profissões e dos salários, por serviços públicos robustos que desonerem as mulheres aos nível dos cuidados não remunerados em que se enquadram redes publicas de creches e lares, a multiplicação de estruturas de apoio às mulheres vítimas dos vários tipos de violência.
*Felizmente o PCP conseguiu garantir o pagamento de 100% do salário no regime de lay-off quando foi discutido o Orçamento do Estado para 2021.
*Deputada do Partido Comunista Português (PCP)