Início » LGBTQ: falta-lhe espaço

LGBTQ: falta-lhe espaço

Catarina Brites Soares

Sociedade civil mobiliza-se face à ausência de oferta  para a comunidade. O Macau LGBTQ+ Social Club quer organizar pelo menos dois eventos por mês a pensar numa minoria que continua desprotegida e ostracizada.

“POSE” foi o primeiro espetáculo de Drag Queen em Macau, segundo o organizador Macau LGBTQ+ Social Club. O acontecimento, que teve lugar há duas semanas, não passou despercebido numa terra vazia de eventos e espaços dedicados à comunidade.

Sobre se há preconceito, o presidente da Arco-Íris, a única associação local que promove a inclusão social da comunidade LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgénero), opta por responder com o exemplo do artista local Terence Chi Iong Chui – conhecido por Siufay -, que assumiu ser homossexual. “Não houve grande controvérsia. Pode ser um indício de que as gerações mais jovens são ou estão a tornar-se mais abertas.”

Um estudo do departamento de Sociologia da Universidade de Macau, divulgado no mês passado, indicava que 16,5 por cento dos alunos que frequentam o ensino superior no território se identificam como homossexuais, bissexuais ou outros. Um resultado inesperado para a equipa que não antecipava uma percentagem tão elevada.

Anthony Lam ressalva no entanto que o status quo permanece. “Impera a mentalidade que privilega a paz e a harmornia, o que faz do debate sobre estes temas pouco prioritário”, refere.

“É lamentável que, na última década, não tenha havido progressos ou melhorias de mentalidade e de legislação no que respeita à proteção destas minorias”, lamenta Cecilia Ho, que lecciona Estudos de Género, no curso de Serviço Social, do Instituto Politécnico de Macau.

A maioria dos residentes, acrescenta a docente, desconhecem, estão mal-informados e não contactam com indivíduos LGBT+. “Como se pode esperar que não haja preconceito ou descriminação? É uma comunidade invisível”.

Num inquérito realizado no ano passado pela Arco-Íris verificou-se que 14 por cento dos membros LGBT+ tinha considerado cometer suicídio e 22 por cento dos 994 inquiridos tinham sido alvo de violência doméstica. 

O grupo insistiu que se deve incluir casais do mesmo sexo na lei de Prevenção e Combate à Violência Doméstica. O Instituto de Acção Social respondeu que há um conflito legal entre o Código Civil e Código Penal. A lacuna na lei, aprovada em 2016, tem merecido críticas por não abranger casais do mesmo sexo. 

Este ano, a associação voltou à carga. Desta feita, junto do Comité dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), pedindo que se mexesse no sentido de perceber o que pretende fazer o Governo para garantir a igualdade na proteção legal para vítimas de violência doméstica, sem discriminação com base na orientação sexual.

Cecilia Ho lembra que casais do mesmo sexo estão abrangidos pela Lei em Taiwan, Portugal e Hong Kong, onde existe também um organismo independente para lidar com a casos de descriminação contra a comunidade, o Equal Opportunities Committee.

A professora diz ser urgente criar em Macau um ambiente de afirmação dos LGBT, essencial para que se sintam confortáveis e livres para socializar sem receio de violência ou assédio.

Para isso, continua, é crucial formar serviços e profissionais sobre  questões familiares e de género/orientação sexual; e haver uma reforma legal que promova a igualdade. “Pode começar-se por permitir aos indivíduos transexuais a atualização do registo de género nos documentos de identificação.”

Lá fora

“Apesar de o Governo dizer que está a estudar o assunto, não estou à espera de alterações à lei, especialmente neste atípico 2020”, realça Lam.

Esta foi outra das reivindicações na missiva enviada à ONU, na qual o grupo alertava que para os cidadãos homossexuais, lésbicas e bissexuais, a protecção legal contra a discriminação em Macau se limita aos aspectos de procura de emprego e tratamento pelos agentes do Comissariado Contra a Corrupção.

Nesse ponto, a China continental está à frente de Macau, onde já existe a possibilidade, salienta Anthony Lam. O ativista evita mais comparações com o Continente por não estar informado sobre o que se passa hoje. Conta que antes amigos lhe diziam que havia cada vez mais aceitação. 

As notícias que chegam do lado de lá mostram que essa já não será a tendência. Em agosto, o ShanghaiPRIDE, o grupo LGBT mais antigo da China continental, decidiu suspender todas as atividades “para proteger a segurança dos envolvidos” dada a pressão crescente dos últimos anos. Conteúdos online, filmes e discussões sobre a homossexualidade têm sido banidos. Também foi proibida a venda de artigos com a bandeira gay. A homossexualidade deixou de ser crime em 1997 e foi considerada uma doença mental até 2001. Taiwan é o único território na Ásia que reconhece o direito ao casamento para os homossexuais. “Há muitos casos, escondidos, de violência doméstica contra jovens, crianças homossexuais e transgénero por causa da mentalidade tradicional na China continental”, alerta Cecilia Ho. 

Em 2013, o deputado José Pereira Coutinho apresentou um projeto de lei para a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo. A iniciativa foi chumbada com um  voto a favor, o do próprio.

Há muitos equívocos na cabeça das pessoas, lamenta Lam. “A educação sexual é recente. Ainda vai demorar até que haja aceitação “, sublinha o líder da ONG Arco-Íris.

Cecilia Ho questiona: “Como é que vai mudar, se nas aulas de educação sexual não se abordam temas como o desejo sexual e proteção em relações homossexuais?”

Mudar o cenário

Macau contrasta com a a maioria dos locais a que Jimmy Chung está habituado. Nasceu e cresceu no Canadá, viveu em Paris e mais recentemente em Hong Kong, onde existem bairros e negócios centrados nas minorias. 

Foi por notar a falta na região que o designer criou o Macau LGBTQ+ Social Club , quando se mudou em dezembro para escapar à instabilidade política em Hong Kong. A associação sem fins lucrativos arrancou com cinco membros, hoje tem mais de 200. O objetivo é manter a frequência de dois eventos por mês. “Queremos consciencializar e contribuir para que a população a perceba a comunidade, e criar ambientes em que se sinta segura”, explica o presidente do clube, aberto a toda a gente apesar do enfoque nas minorias. “Só não aceitamos intolerantes”, vinca.

O café Urban Tribe também foi palco de outro show de Drag Queen, no mesmo dia do POSE. Foi  o primeiro que acolheu direccionado à comunidade. O proprietário Rui Carreiro assume ter ficado surpreendido com a adesão dos locais e de diferentes gerações. “A comunidade portuguesa é que é o Adamastor, muito mais conservadora que a local. São os falsos moralistas”, condena.

A viver em Macau há 12 anos, garante nunca ter sentido preconceito a não ser dos compatriotas. Mas acredita ter uma perceção mais favorável por sempre ter trabalhado no mundo das artes, por norma mais liberal. 

Por onde andou, garante que a orientação sexual nunca foi tema. Na região, só passou a ser quando saiu da equipa do “Dancing Water” e começou a ter mais contacto com a comunidade portuguesa. “Muito conservadora, e não é só nos temas sexuais e de género. Sinto-o sobretudo nos que aqui estão há 30 ou 40 anos. Ainda pensam que isto é uma colónia. Tenho dois negócios e vejo pela maneira como tratam as pessoas”, reprova.

Rui Carreiro não considera Macau uma cidade preconceituosa, e sublinha que a reserva é sinal de respeito. “Não é preciso andar com uma t-shirt a dizer o que sou ou que haja manifestações públicas de afeto. Há um respeito mútuo. Tudo o que é exagero cai mal”. 

A ausência de bares e espaços, acrescenta, é política. “Não se pode, ponto. Mas as pessoas conseguem ter uma vida normal e sem problemas.”

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!