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Em defesa da produção nacional e da autosuficiência alimentar

João DiasJoão Dias*

Portugal encontra-se numa situação absolutamente contraditória e simultaneamente inaceitável podemos mesmo afirmar inadmissível! O nosso país tem condições para produzir muito mais e a diversos níveis, contudo a degradação do aparelho produtivo da agricultura, das pescas e da indústria, faz hoje de Portugal um país muito longe da auto-suficiência, importando um terço das suas necessidades agroalimentares, sendo persistentemente deficitário em numerosas produções e, nalguns casos importantes, como o dos cereais ou da carne de bovino, a maioria do consumo é importada do estrangeiro. Um exemplo que ilustra a contradição em que o país se encontra é o facto da nossa Zona Económica Exclusiva ser das maiores do mundo, contudo temos um saldo, no que respeita à balança comercial de pescado, negativo em mais de mil milhões de euros! Ou seja, temos Mar, temos Pesca, temos Povo que é dos maiores consumidores per capita de peixe, no entanto importamos cerca de 80% do que precisamos. As causas são bem conhecidas, o quase desaparecimento das frotas que operavam em águas distantes, as dificuldades acrescidas da frota de cerco, a vulnerabilidade da pequena pesca, a diminuição do emprego e dos rendimentos dos pescadores são fatores decisivos que nos conduzem à redução acentuada do pescado capturado, ao aumento da dependência externa de um país com elevado consumo de peixe e, para maior absurdo, de fortíssima tradição pesqueira e marítima. 

Mas a contradição estende-se também à Agricultura, o país depara-se com grandes e importantes bloqueios e condicionalismos. Somos capazes de produzir as melhores carnes de bovino, da mirandesa à alentejana, mas importamos mais de 180 Milhões de euros em carne, a nossa dieta tem nos cereais um elemento fundamental, mas o trigo que produzimos dá apenas para os primeiros 12 dias do ano e o milho para 4 meses, produzimos do melhor arroz carolino, mas vemos entrar no País mais de cem mil toneladas de arroz. E mais, um país que produz Azeite da melhor qualidade, de forma sustentável, transformou-se num grande produtor de azeite industrial, em modo superintensivo, esgotando as terras onde é produzido, pondo em causa a saúde das populações envolventes e explorando mão-de-obra quase escrava. E com tudo isto, espante-se, regateiam os apoios à pequena agricultura e à pequena pesca, mas atribuem centenas de milhar de euros a proprietários rurais sem a obrigação de produzir um grama sequer de alimentos. O diagnóstico há muito que está feito, os escassos rendimentos dos pequenos e médios agricultores, agravados pelas políticas nacionais e europeias absolutamente discriminatórias, a fraquíssima produtividade do trabalho agrícola e o tremendo envelhecimento dos agricultores nacionais, condenam as pequenas explorações agrícolas ao processo da sua extinção. Mas a agricultura capitalista que se lhe tem substituído, também está ameaçada pela desregulamentação do comércio intra e extracomunitário, desenvolve-se em condições de sustentabilidade social e ambiental que talvez não tenham mostrado ainda os seus limites, mas que desacreditam a sua capacidade de anular, ou reduzir significativamente, o défice externo agrícola e de responder às necessidades alimentares da população. 

Agora, muitos que valorizam a Produção Nacional são os mesmos que a entregaram aos interesses das grandes potências agrícolas da união europeia!

Não deixa de ser caricato que, só quando o aprofundamento da atual situação extraordinária que atualmente atravessamos, ficaram expostos os brutais desequilíbrios e que só agora alguns tenham descoberto os défices produtivos, os défices da balança de bens e serviços. Os mesmos que foram e são responsáveis pelas políticas que conduziram o país ao descalabro em que se encontra. Agora, muitos que valorizam a Produção Nacional são os mesmos que a entregaram aos interesses das grandes potências agrícolas da união europeia! São os mesmos que agora, descobriram a importância dos mercados locais, e dos circuitos curtos de comercialização, são os mesmos que os mandaram encerrar o pequeno comércio para dar espaço à grande distribuição e entregaram o mercado Nacional nas mãos do mercado dito competitivo e selvagem da União Europeia! E continuamos a assistir a juras de amor eterno por parte da grande distribuição à produção nacional, a verdade é que, não há pequeno ou médio agricultor que não tenha queixas da ditadura da Grande Distribuição. Uma ditadura que leva a que milhares de toneladas de alimentos produzidos pela nossa agricultura não tenham escoamento. A comprová-lo, basta entrar num grande supermercado para ver a laranja, não do Algarve, mas de Espanha, o borrego, não do Alentejo, mas da Nova Zelândia, a batata doce, não do Litoral Alentejano, mas dos EUA, as uvas, não do Douro, mas do Chile. 

Entendemos que a Soberania Alimentar é o Direito que cada Povo, o Nosso Povo tem de produzir o que entende e o que precisa para a sua Alimentação. Para nós a alimentação é um bem essencial para todos, por isso mesmo tem de estar entre as prioridades da acção governativa. Quando nos obrigam a comprar no estrangeiro aquilo que podemos produzir em Portugal, ou quando nos obrigam a produzir não o que queremos ou precisamos, mas aquilo que outros querem, está em causa a Soberania Nacional! 

É inegável o impacto do surto epidémico na vida económica e social do País, por isso defendemos que é necessária uma resposta, quer no plano da prevenção da saúde pública, quer no plano clínico. Mas, simultaneamente é preciso responder às exigências para enfrentar as suas consequências ao nível da actividade económica, da redução da produção e dos problemas sociais a elas associados, agravados pelo aproveitamento dos Grandes Grupos económicos para, a pretexto da epidemia, aumentar a exploração, liquidar direitos, garantir os seus lucros. O que se exige é outro caminho e outra política, uma política patriótica e de esquerda como a que o PCP defende que valorize a produção Nacional designadamente a pequena e média agricultura e as pescas, uma política que garanta o escoamento dos produtos agrícolas e do pescado com preços justos à produção e com garantias, uma política que garanta que os apoios são entregues em primeiro lugar para a agricultura familiar, que dinamize os mercados de proximidade, que fiscalize a grande distribuição, que reforce o investimento do estado nas estruturas de produção. Há, também um caminho de dinamização da indústria, de promoção do emprego, de valorização dos serviços públicos e da justa distribuição dos rendimentos que é preciso fazer. 

A realidade atual, conjugada com a grave situação epidémica da Covid 19, só veio tornar ainda mais evidente o papel central que a Produção Nacional representa. Precisamos de uma produção Nacional diversificada, equilibrada, articulada e tecnologicamente avançada, para substituir importações, assegurar as necessidades de abastecimento interno e aumentar as exportações. Aumentar a produção Nacional significa criar emprego com direitos, substituir importações por produtos produzidos cá, aumentar as exportações e combater o despovoamento. Alcançar a soberania alimentar, certamente que não conseguiremos ser capazes de produzir tudo o que precisamos, mas é a condição básica de sermos nós, o Povo Português, quem decide, mas para isso é preciso estar liberto de imposições que nos impedem de garantir e concretizar as opções soberanas adequadas ao desenvolvimento do nosso País! 

*Deputado do Partido Comunista Português (PCP) – Portugal

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