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“Macau tem de se desalgemar”

Edmund Loi, economista e membro do Conselho para o Desenvolvimento Económico de Macau, entende que a cidade estará a ir contra os princípios económicos se colocar em causa a competitividade no setor do jogo para tentar diversificar a economia. “O que Macau precisa de pensar é em formas de largar as respetivas restrições no fluxo de pessoas, produtos, capital e informação”, defende em entrevista em Plataforma.

– No “Plano de Desenvolvimento da Área da Grande Baía” publicado no ano passado pelo Governo central, não é mencionada a indústria do jogo, a principal fonte de rendimento de Macau. Como economista, como interpreta?

Edmundo Loi – Na minha opinião, o plano para a Grande Baía, em primeiro lugar, procura integrar Hong Kong e Macau no desenvolvimento do Continente, porém, procura também que as cidades continentais desenvolvam reformas através de cooperação com as duas regiões. Após 40 anos de reforma e abertura, tanto os modelos de investimento como os de administração chegaram a um entrave. Se o Continente quiser continuar a abertura, terá de garantir que o ambiente comercial está em linha com o de Hong Kong e Macau. Por isso, por um lado precisamos de promover a integração de Hong Kong e Macau, mas por outro lado é preciso alterar alguns dos regulamentos do Continente e torná-los mais direcionados para o mercado. 

Claro que para Hong Kong e Macau, que já têm zona de comércio livre, o maior obstáculo será alterar o respetivo modelo económico. 

O atual desenvolvimento de Macau, segundo a evolução dos últimos 20 anos, demonstra resultados económicos positivos, porém estão a criar dividendos para os próximos 20 anos, incluindo terrenos e recursos humanos. Se os terrenos e recursos humanos do Continente não forem usados, talvez não haja possibilidade de maior expansão. Não existe espaço para mais mudança e reforma com os atuais recursos disponíveis. Desta forma, a única solução é a cooperação regional. 

– Pode explicar mais em detalhe?

E. L. – Estes recursos não podem ser alterados. Se Macau quiser diversificar a indústria, não pode cortar um pedaço do território e importar mão-de-obra para o fazer. A única solução são regiões como Hengqin e Zhuhai. 

Assim sendo, em relação à pergunta anterior, primeiramente talvez não tenha sido mencionado por questões morais, em segundo lugar, o principal objetivo é melhorar a sustentabilidade do desenvolvimento económico de Hong Kong e Macau, e enquanto a economia destas regiões continua a crescer, o Continente poderá encontrar o próprio espaço de transformação. 

– O Governo tem promovido a diversificação da economia de Macau. Como pensa que a região poderá fazê-lo sem ter os tais recursos?

E. L. – Neste momento tudo depende do Governo. Acredito que essa diversificação terá de ser avaliada pelo mercado. O Governo está a fazer sair muito capital, como na promoção e desenvolvimento de medicina chinesa. Em termos de equilíbrio entre saída e entrada de capital, a situação não é favorável. Por isso, talvez o mais vantajoso para Macau seja a diversificação das indústrias, mantendo uma ligação ao jogo. 

Por exemplo, se Macau quiser desenvolver-se na área da tecnologia de informação, o primeiro passo a tomar será alterar alguns dos regulamentos. Pergunto: tem o Governo algum incentivo em promover esta reforma, incluindo alterações aos sistemas de registo empresarial e de financiamento de empresas listadas? Não se pode criar uma empresa inovadora com tantas restrições regulamentares. O Governo terá primeiro de ganhar coragem para fazer as alterações necessárias. 

Todavia, mais uma vez, é impressionante como um local tão pequeno como Macau tem a indústria de jogo mais importante do mundo. Apenas algumas indústrias na China conseguiram tal feito. Estaremos a ir contra os princípios económicos se pusermos em causa a nossa competitividade nesta área para tentar diversificar. 

– O que pensa do termo “integração” na Área da Grande Baía?

E. L. – Penso que temos de mudar a nossa ideia de “integração”. Acredito que o conceito da Grande Baía em si não é, nem separado, nem integrado. O sucesso de Macau é um dos objetivos de desenvolvimento da região. O problema da cidade não é esta integração, mas sim no facto de, primeiro, ter de se desalgemar. O que Macau precisa de pensar é em formas de largar as respetivas restrições no fluxo de pessoas, produtos, capital e informação. 

A vantagem de Macau é o nível de liberdade superior ao Continente – é preciso encontrar um equilíbrio nesta liberdade, ou seja, mantendo uma ligação com o Continente e com o mundo internacional, só assim estará a cidade a tirar completo partido da sua posição. Se a cidade se isolar, não atraindo empresas do Continente, não estará a cumprir a função como plataforma. Atualmente o processo de registo empresarial em Macau é extremamente complicado. 

– Quais são, para si, as razões que levam a que as vantagens de Macau não sejam completamente exploradas?

E. L. – O problema é que a visão do Governo e a capacidade das empresas são diferentes, além disso os regulamentos de Macau não promovem um crescimento com base em inovação. 

Estamos numa situação relativamente fechada segundo o princípio “Um País, Dois Sistemas”, onde as vantagens deste conceito ainda não foram completamente exploradas. É preciso facilitar a entrada de empresas do Continente em Macau. Competição é a força para a mudança, e a indústria do jogo é um exemplo disso mesmo. Se de repente um grupo de empresas entrar em Macau, todo o ecossistema empresarial da cidade mudará. A questão é: será que Macau terá coragem para tal? 

Wendi Song 24.01.2020

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