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China olha para Macau como símbolo de afirmação mundial

As celebrações dos 20 anos da transferência da administração de Macau serão assinaladas por Portugal apenas com a presença do cônsul no território, mas Pequim continua a olhar para Lisboa como um aliado estratégico na construção de uma nova ordem mundial. 

O embaixador que liderou as negociações finais, no âmbito do Grupo de Ligação, e o último governador português do território olham para as relações atuais entre os dois países como um resultado do trabalho feito em 1999, com uma transferência pacífica, que respeitava os direitos locais, e as culturas chinesa e portuguesa. 

O processo de transição teve como elementos-chave a manutenção da língua e do sistema jurídico português, recorda Santana Carlos. “Como é habitual, aqueles assuntos mais complicados ficam, normalmente para o fim”, reconheceu, referindo-se à insistência da parte portuguesa para que o português e o mandarim ficassem ambos consagrados como línguas oficiais, por forma a assim vigorarem na Assembleia Legislativa, na administração e nos tribunais. 

“A China opunha-se à regulamentação oficial das duas línguas. Nós queríamos incluir esse ponto na agenda para começar a ser debatido e a China não tinha instruções e, portanto, dizia que não ou, pura e simplesmente – que é uma boa maneira que os chineses têm de manifestar uma opinião negativa – não respondia e o assunto ficava pendurado”, lembrou Santana Carlos.

Para Portugal, era importante “preservar a identidade e a singularidade” de Macau para que não fosse “absorvido de uma forma total e rápida” pela China. Portugal conseguiu também que não vigorasse a pena de morte em Macau, uma matéria que Rocha Vieira considerou como elemento essencial para a distinção entre o território e o resto do Continente. 

“Passados 20 anos, acho que é mais importante ver que há uma continuidade em relação àquilo que foi a política portuguesa” no território, que se postou sempre num “propósito de crescimento com dignidade e futuro”, disse Vasco Rocha Vieira, hoje com 80 anos.

“Nós entendemos que a transferência da administração portuguesa para a China não era o fechar de uma porta e acabava aí a nossa relação com Macau”, mas para isso era necessário deixar condições para que esse relacionamento continuasse.  “Deixámos boas condições do ponto de vista dos equipamentos e das estruturas do ambiente, e da identidade de Macau, que é um fator fundamental para a sobrevivência” do território. 

“Macau é uma situação perfeitamente original e única no mundo”, resultando do “entendimento entre culturas que se respeitam”, mas que não se anulam, considerou o general. 

No entanto, “a cultura portuguesa e cultura chinesa são muito diferentes” e essa “diferença pode ser assumida no aspeto de complementaridade”. Com “as liberdades e as garantias dos códigos legais de matriz portuguesa que nós deixamos”, está garantida a continuação da identidade do território. 

Nas negociações, Portugal deixou bem claro os direitos que gostaria que fossem garantidos aos cidadãos do território. Por isso, foi realizado um “grande trabalho e uma cooperação muito boa por parte da China” na área legal para salvaguardar os direitos, liberdades e garantias exigidos por Lisboa. 

Além disso, “o tribunal de última instância está em Macau” pelo que o sistema de recursos esgota-se na matriz de direito romano, com mais garantias de defesa dos cidadãos. “A diferença de escalas” entre Macau, Portugal e China “é favorável à complementaridade de interesses”. 

Apesar de Portugal ser hoje um pequeno país, era um império quando começou a relação diplomática com a China. Ao longo dos séculos “os portugueses e os chineses ganharam um laço de amizade muito forte”.

O caso da transição de Hong Kong, dois anos e meio antes de Macau, permitiu avaliar o comportamento da China mas não trouxe qualquer ensinamento prático ao lado português.  “Hong Kong e Macau são realidades completamente diferentes”, em termos de dimensão, autonomia, gestão e história, salientou Rocha Vieira. “O território administrado por Inglaterra nasceu de conflitos” entre os britânicos e os chineses enquanto Macau foi um “estabelecimento consentido” por Pequim.

E foi essa boa relação histórica que Macau representa que levou à criação do Fórum da Cooperação Económica e Comercial com os Países de Língua Portuguesa, uma estratégia de Pequim para entrar no mercado de língua portuguesa, em particular África. 

Tarde de mais

“Macau tem essa vocação histórica” que Portugal acentuou no processo de transição, explicou Rocha Vieira. Com a modernização do século XXI, a China tornou-se num país fortemente exportador, que precisa de conquistar novos mercados. E esse desígnio chinês “deveria ter sido mais acompanhado por Portugal” que “não se apercebeu a tempo” do peso diplomático para ajudar a China a ser um ‘player’ global. 

“A China está, progressivamente, a ter um papel mais importante no mundo, porque é uma potência em ascensão, com grande competitividade económica”, que aposta na inovação, investigação e tecnologias, assumindo-se como uma “potência global” na nova ordem económica mundial.

Perante este quadro, os “países que não são de craveira mundial têm que perceber essa disputa” entre as grandes potências, procurando aproveitar o seu posicionamento. Portugal “é talvez o país que conhece melhor a China” e “pode beneficiar desse conhecimento de um lado e do outro como nenhum outro”.

Por seu turno, para Santana Carlos, a China olha para Macau e a relação com Portugal como símbolos da sua afirmação mundial, mas sem ignorar o grande desígnio de Pequim: a unificação total do país. 

Por isso, Pequim não só pensa na estabilidade de Hong Kong e Macau, como essa estabilidade é “muito importante para aplicar o objetivo de ‘Um País, Dois Sistemas’ a Taiwan”. Hoje em dia, as manifestações em Hong Kong “acabam por dar força a Taipé”.

Já em Macau, “a opinião pública é muito mais pequena, a massa crítica é menos ativa”, disse o ex-responsável pelo Grupo de Ligação, frisando que Portugal conseguiu manter uma “relação de amizade e cooperação” com as autoridades chinesas diferente.

“No processo de Macau houve primeiro uma festa portuguesa antes da meia-noite, depois da cerimónia de transição, com as duas partes presentes ao mais alto nível seguida, finalmente, de uma festa chinesa”, recordou.

Em Hong Kong, contou, “nenhum representante da China foi à despedida britânica, nem nenhum representante do Reino Unido foi à festa chinesa, depois da transição”, ao contrário do que aconteceu em Macau. 

Exclusivo Lusa/Plataforma Macau

 

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