Foram 1.947 quilogramas de cocaína apreendidos pela Polícia Judiciária (PJ) da Guiné-Bissau no âmbito da operação “Navarra”, a maior da história do país. Agora, a semanas das eleições presidenciais, os atores políticos apontam o dedo, responsabilizando-se mutuamente pelo regresso em força do narcotráfico ao país.
Até ao momento, foram detidas dez pessoas e apreendidos material e equipamento que inclui viaturas de luxo, lanchas, edifícios e telefones satélites.
A diretora da PJ guineense, Filomena Mendes, considerou que a rede desmantelada era extremamente perigosa e operava no país desde 2012. Mais uma operação de sucesso da PJ da Guiné-Bissau, que se seguiu a outra realizada em março, na véspera das eleições legislativas, e que culminou com a apreensão de quase 800 quilogramas de cocaína.
Terra fácil para as organizações do crime organizado utilizarem para os negócios ilícitos, a Guiné-Bissau tem sido vítima das fragilidades e da alegada ganância dos dirigentes. A PJ não tem dúvidas que as duas grandes apreensões estão relacionadas, pertencem à mesma rede, que poderá ter, segundo fontes judiciais, ligações à Al-Qaida do Magrebe Islâmico.
Mas, uma polícia bem preparada, embora parca em recursos, iniciou uma limpeza ao que o primeiro-ministro guineense, Aristides Gomes, considerou como um “santuário” para o crime organizado.
“Isto significa que a Polícia Judiciária está a fazer um bom trabalho. A verdade é que agora temos uma polícia ativa, atuante, com extremas dificuldades de trabalho, mas que estão a conseguir resultados desejáveis”, a opinião é da nova ministra da Justiça da Guiné-Bissau, Rute Monteiro.
As duas últimas apreensões são para Rute Monteiro um “alerta para os traficantes”, que deixa uma promessa: “Não vamos pactuar com este tipo de comportamento. Isto significa que o Estado da Guiné-Bissau, o Governo da Guiné-Bissau está mais atento, mais atuante e os resultados estão à vista”.
Mas, para a ministra da Justiça, o problema, neste momento, é reforçar a capacidade da Polícia Judiciária, e garantir que o Ministério Público e os tribunais fazem o seu trabalho. “Aquilo que lhes tem sido proporcionado em termos de orçamento não é suficiente para o trabalho que estão a executar. Estamos todos conscientes disso, estamos em funções há dois meses e em dois meses, é a realidade, não conseguimos disponibilizar à Polícia Judiciária tudo o que necessitam para trabalhar”, salientou.
Outro problema, segundo Rute Monteiro, é que “não basta apanhar o traficante e apreender a droga”, é preciso que a Justiça seja feita. “Nós temos muitas fragilidades a nível do nosso sistema, temos detenções que são feitas e depois a medida de coação aplicada não é adequada às situações, temos evasões, temos situações muito pouco desejáveis e o esforço da PJ dilui-se completamente”, sublinhou.
Sob ameaça
Num relatório divulgado há precisamente um ano, o Conselho de Segurança da ONU manifestava preocupação com o tráfico de droga e o crime organizado na Guiné-Bissau, e pediu mais apoio da comunidade internacional, mas a instabilidade política crónica no país tem afastado os parceiros.
Aliás, a apreensão das quase duas toneladas de cocaína provocou um aumento da tensão política no país, já em pré-campanha para as eleições presidenciais de 24 de novembro, com os principais partidos políticos a acusarem-se mutuamente.
Se os principais partidos da oposição acusam o atual primeiro-ministro e o Governo do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), vencedor das legislativas de março, de serem responsáveis pela presença do tráfico de droga e crime organizado no país, o Executivo e o partido histórico afirmam serem os únicos que fazem face ao problema.
O Partido de Renovação Social (PRS), terceira força mais votada na Guiné-Bissau, foi mais longe e pediu mesmo para ser feita uma queixa-crime contra o primeiro-ministro por facilitar o narcotráfico.
A resposta não se fez esperar com Aristides Gomes a dizer que ele e o seu Governo são “indiferentes a tentativas de intimidação” e que não vai recuar na luta contra os narcotraficantes. A crispação entre os políticos guineenses fez também aumentar os rumores que circulam pela cidade de Bissau sobre o envolvimento de diversas personalidades.
Nos cafés e nas redes sociais, a cocaína apreendida, com um valor superior a 30 milhões de euros (cerca de 267 milhões de patacas), alimenta debates acesos durante horas entre os que querem saber de quem era a droga, se o dinheiro serviria para financiar alguma campanha eleitoral para as presidenciais e os que acreditam haver mais droga no país, contrapondo aos que juram que a droga queimada era farinha e nada mais.
A apimentar as conversas estão também as “fake news” espalhadas pelas redes sociais, onde os interesses políticos se sobrepõem ao interesse nacional, num país considerado um dos mais pobres do mundo.
Dominada pela corrupção, sem equipamentos e recursos humanos para controlar uma área marítima que inclui cerca de 80 ilhas (arquipélago dos Bijagós), a Guiné-Bissau é há vários anos o paraíso para o crime organizado. Mas, o aviso foi feito a semana passada. A Guiné-Bissau poderá vir a perder o apoio e colaboração das instituições financeiras internacionais por suspeita de branqueamento de capitais.
Segundo o presidente da Célula Nacional de Tratamento de Informações Financeiras guineense, Justino Sá, o país já consta na “lista negra” do Grupo Intergovernamental de Ação Contra o Branqueamento de Dinheiro na África Ocidental (Giaba).
Justino Sá disse que o Giaba está “cansado” com a forma como as suspeitas de branqueamento de capitais tem sido tratada na Guiné-Bissau, onde nunca ninguém foi julgado ou condenado.
Isabel Marisa Serafim 13.09.2019