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Salários mínimos

Grupos de defesa dos trabalhadores domésticos denunciam condições desumanas para contestar a decisão do Governo de os excluir da nova proposta de salário mínimo. Governo reitera que são “especiais”. Não os trabalhadores, mas os empregadores e as famílias que os empregam. É assim que o Executivo volta a justificar uma posição que a Organização Mundial do Trabalho considera “uma falácia”.  

A nova lei relativa ao salário mínimo entrou em vigor no domingo, a 1 de setembro. As empregadas domésticas voltam a estar excluídas. Em resposta ao PLATAFORMA, o Governo diz que foram tidos em consideração vários fatores para excluir o grupo, como a especificidade do trabalho e a necessidade de se integrarem na vida familiar. “Por outro lado, estes empregadores são diferentes porque não têm fins lucrativos como objetivo”, justifica a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL). 

Um argumento que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) considerou uma “falácia”. “De uma forma geral, os empregados domésticos são contratados para que os empregadores tenham tempo para fazer o que bem entenderem, trabalhar ou outra coisa qualquer. De certo modo, é evidente que é uma forma de lucrar: se contratamos alguém para tomar conta dos nossos filhos para ir trabalhar ou ao mercado, estamos de facto a lucrar com base nesta pessoa, portanto isso não pode ser argumento.”

Ao PLATAFORMA, a DSAL justifica a decisão ainda com o facto de a maioria dos empregadores de trabalhadores domésticos trabalhar e ter a encargo familiares. “Se o regime do salário mínimo for aplicado aos trabalhadores domésticos, poderá causar grande pressão económica sobre estas famílias, ou até obrigar um dos membros da família a deixar de trabalhar e a ficar em casa para cuidar de crianças ou idosos, afetando a taxa de atividade dos cidadãos da RAEM.” 

O organismo remata com a promessa de “continuar” a assegurar os níveis salariais dos trabalhadores domésticos não residentes, “a fim de proteger os seus direitos e interesses”.

Baixo nível

A nova lei prevê que o salário mínimo seja de 6.656 patacas mensais, 1.536 por semana, 256 por dia ou 32 por hora. Segundo os dados dos Serviços de Estatística e Censos, o salário médio do trabalhador doméstico é de 4.100 patacas. Um valor desfasado da realidade. “A maioria das empregadas domésticas que conheço apenas ganha entre três mil, e três mil e quinhentas patacas. Há algumas que nem chegam a receber 2500”, denuncia Nedie Taberdo, presidente da Greens Philippines Migrant Workers Union. À pergunta se 4100 seria suficiente, Taberdo não hesita: “Não”, responde. E completa: “O salário para uma empregada doméstica devia ser de cinco mil patacas mensais mais um subsídio de renda de mil patacas”. 

A cônsul das Filipinas, Lilybeth Deapera, tem outra visão. Em junho, na cerimónia que assinalou a proclamação da independência do país em Macau, a responsável referiu não acreditar que a comunidade filipina enfrente realmente dificuldades, ainda que tenha reconhecido que o elevado custo de vida é um dos desafios dos imigrantes filipinos. A diplomata justificou ainda os baixos salários com as “forças do mercado” e com o que os empregadores estão dispostos a pagar.

O deputado Chan Chak Mo, que lidera a 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa que analisou a proposta na especialidade, também considera que os baixos salários são uma falsa questão. Em julho, aquando da aprovação do diploma na generalidade, assumiu que quatro mil patacas seria insuficiente no seu caso porque chega a pagar dez mil por uma refeição. Mas para uma empregada doméstica chegaria. “O mais certo é que [em Macau] não tenha de pagar pela comida, alojamento, talvez gaste um bocadinho no dia de folga e pronto”, dizia. 

Taberdo consente que as 4100 patacas seriam suficientes se os empregadores garantissem de facto as condições. “O motivo pelo qual muitas destas pessoas vivem mal não é porque enviam tudo para as famílias. Há muitos que têm de pagar a comida e um espaço para dormir, que custa no mínimo mil patacas sem contas, mais o que pagam de telemóvel e passe. Com essas 4100 patacas não conseguem sequer poupar e ter vida social”, lamenta. 

Jus Jus Romlah, do Peduli Indonesian Migrant Workers Concern Group, também admite que 4100 patacas chegariam para viver se não houvesse outras despesas. Mas até para as ficam em casa dos patrões os custos são muitas vezes elevados. “Algumas têm de dormir com as crianças que cuidam, o que as impede de descansar; outras dormem na arrecadação, no corredor ou mesmo na casa de banho. Apesar de tudo, estas situações não são muito frequentes porque elas se recusam a aceitar, mas lamentavelmente são logo despedidas porque não obedecem”, desabafa Jus Jus Romlah. 

Uma vez que a lei e o contrato não preveem as garantias, continua, os empregadores não sentem a obrigação de lhes assegurar dormida, comida e seguro de saúde. “Às vezes, não lhes dão jantar nem comida nos feriados. E 500 patacas de subsídio de residência é obviamente muito baixo. Com isso nem uma cama se consegue alugar”, afirma.

Fish Ip, coordenadora regional para a Ásia da Federação Internacional de Trabalhadores Domésticos (IDWF, na sigla inglesa), começa por deixar claro que muitas empregadas domésticas ganham menos que 4100 patacas e o que pagam às agências de emprego pode chegar a um montante que ronda os salários de três a sete meses. “O ‘tudo’ a que o sr. Chan se refere é relativo. O Governo não definiu parâmetros que permitam avaliar até que ponto esse ‘tudo’ corresponde a um nível decente”, critica. “Alguns empregadores dão-lhes pouquíssima comida e o subsídio de residência que recebem não é certamente suficiente para pagarem alojamento”. 

A vida complicou-se

Nadie Taberdo alerta que a situação dos empregados domésticos está a piorar já que, diz, os salários não acompanham o aumento do custo de vida. “Além da alimentação, contas, alojamento, remessas (que variam conforme as necessidades da família), alguns ainda estão a pagar as dívidas que contraíram por virem para aqui, às agências de emprego e o seguro de saúde”. Ainda assim, Taberdo afirma que continua a haver muita emigração filipina para Macau pela proximidade ao país. 

Poderem procurar trabalho com visto de turista é outro dos motivos que traz muitos à região. “É benéfico para ambas as partes. São menores os custos associados à emigração e permite aos empregadores conhecer os trabalhadores pessoalmente, o que pode reduzir muito o risco de incompatibilidade”, alerta Fish Ip. Uma situação que vai mudar. A lei que vai regulamentar o funcionamento das agências de emprego, em discussão na especialidade, vai impedir que as empregadas domésticas possam vir para Macau como turistas e tenham sempre de se submeter às agências. 

A responsável da IDWF defende que o Governo tem a obrigação de assegurar a dignidade de todos, e garantir um trabalho estável e rendimento, protecção social e serviços sociais. “Há uma tendência de o Governo proteger as necessidades da população em prejuízo dos trabalhadores não residentes. Também vivem em Macau e, como qualquer outra pessoal, obviamente que têm de gastar dinheiro em necessidades básicas e outras coisas”, sublinha. 

Por norma, recorda Ip, os trabalhadores domésticos são mulheres de países pobres, numa posição frágil e, portanto, alvos fáceis de descriminação. “O Governo tem a responsabilidade de garantir que ninguém é descriminado. Apesar de as últimas alterações que o próprio Executivo fez serem elas discriminatórias”, condena. 

Questionada sobre se sente que o Governo filipino e as instituições que representam o país em Macau defendem a comunidade, Nadie Taberdo não hesita: “Um grande não”, escreve em capitulares. E explica: “Se estivéssemos bem defendidos pelo nosso Consulado não perderia tempo com uma petição contra a cônsul”. 

A “falta de sensibilidade” da cônsul-geral das Filipinas em Macau, Lilybeth R. Deapera, levou as empregadas domésticas a mover uma petição para enviar ao presidente filipino Rodrigo Duterte, exigindo a demissão da diplomata. Nadie Taberdo recusou-se a revelar quantas assinaturas foram reunidas e se a petição foi entregue. (Ver entrevista principal) .

Catarina Brites Soares 06.09.2019

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