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Startups: o mercado não mora aqui

Empresários, Governo e académicos concordam que é difícil criar uma startup em Macau e sobreviver só com o mercado local. Ainda assim, ressalvam, o território pode ser um bom sítio para começar.

A falta de recursos humanos, o tamanho da cidade, a população reduzida e a ausência de um ambiente de empreendedorismo são alguns dos obstáculos para criar e desenvolver uma startup em Macau. As falhas foram apontadas por empresários que estiveram na 1ª edição da Macau International Start-Up Week, que deverá voltar no próximo ano. Apesar das limitações, acreditam que há futuro se Macau se souber posicionar e aproveitar as mais-valias. 

“Não é possível sobreviver só em Macau, mas as startups, por definição, devem pensar global. A pergunta é se Macau é um bom sítio para começar e testar. E pode vir a ser.” A opinião é de Manuel Correia da Silva, à frente do festival This Is My City, e em processo de criação de uma nova startup também relacionada com eventos e cultura. 

O designer, que também fundou a linha de roupa Lines Lab, considera que criar uma startup aqui não difere muito de outros sítios. A diferença, diz, é que em Macau persistem lacunas que já foram superadas noutros territórios. “Não há uma cultura associada às startups e aquilo a que se chama ecossistema. Macau tem bons incentivos por parte do Governo para empresas de jovens, mas não para as que implicam uma cultura de empreendedorismo como a que preconiza a Web Summit, em Portugal, e Sillicon Valley. Ainda não chegou cá, mas estão a dar-se os primeiros passos”, refere Manuel Correia da Silva, que assumiu a curadoria dos oradores que estiveram na Start-up Week. 

“Macau ainda está atrasado”, concorda Lo Tak Chong, diretor da MacExpo Exhibition Co. Ltd que organizou a Start-Up Week, em conjunto com o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), os Serviços de Economia e outras associações locais. Depois de eventos mais modestos, Lo Tak Chong explica que este ano a organização decidiu dar um passo mais ambicioso com a Start-Up Week, que contou com a presença de quatro mil visitantes nos três dias de exposição, no Venetian. Chong diz que o evento deverá repetir-se no próximo ano, com a participação de mais oradores de Hong Kong, Taiwan, Shenzhen depois do feedback dos participantes que insistiram que Macau deve funcionar como plataforma e dar mais atenção à região Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. O empresário defende que tem de se “promover as startups em Macau e fazer com que a cidade se familiarize com o modelo de negócio”, caracterizado pelos baixos custos, grande capacidade de crescimento em pouco tempo e ideias inovadoras.

Já o empresário Michael Ho acrescenta a falta de recursos humanos à lista de problemas que impedem que haja um ambiente de empreendedorismo. “É muito difícil encontrar pessoas para trabalhar e qualificadas”, aponta o designer  à frente da empresa de design criativo e conteúdos interactivos, GDC Technology de Macau, que arrancou o ano passado em parceria com a GDC China. 

O diretor do departamento de apoio ao investidor do IPIM, Agostinho Vong, concorda que Macau é um mercado “limitado”, mas ressalva que os benefícios podem acabar por compensar as limitações do território. “Se nos comparamos com a China continental, temos algumas vantagens como impostos reduzidos, um mercado livre, e a ausência de limitações ao nível de entrada e saída de pessoas”, enumera.

A juntar, acrescenta o responsável do Governo, está ainda a relação próxima com o Continente, países de língua portuguesa e, agora, com os territórios abrangidos pela política ‘Uma Faixa, Uma Rota’. “Todos os mercados em crescimento, como o da Malásia, Indonésia, Myanmar e Laos, já oferecem vantagens que as empresas locais podem aproveitar. Macau pode não ser um grande mercado, mas pode ser um intermediário para quem está a começar”, defende. 

Saber crescer

A primeira edição da Start-up Week contou com a participação de 60 oradores de Macau, do Continente e de Hong Kong. Investidores, empresários, académicos e membros do Executivo estiveram nas palestras e exposição, que teve lugar no Venetian, para debater sobre o modelo de negócio que começa agora a dar os primeiros passos no território.

Alexandre Lobo, a representar a Escola de Gestão da Universidade de São José, salienta o papel “fundamental” das universidades para que se crie uma clima de empreendedorismo sustentado. 

O professor de Gestão alerta que a taxa de mortalidade de uma startup é ainda mais elevada do que a de uma pequena e média empresa, e que, por isso, a formação, garantida pelas entidades de ensino, é determinante para que se superem as dificuldades.

Para o académico, os jovens empresários locais têm de saber aproveitar as áreas em que a região se destaca.“Macau tem de saber posicionar-se. A economia local está focada nos serviços. Só a área do turismo está sedenta de novas ideias e precisa disso para sobreviver. E aqui já há uma gama de possibilidades enorme”, realça. 

Ao potencial do setor que é um dos motores da economia local, Lobo acrescenta o potencial da cidade como polo de ligação com zonas estratégicas. O professor recorda que Macau, por orientação e insistência do Governo central, está cada vez mais focada em ser uma ponte entre os países de língua portuguesa e o Continente. “O que também abre possibilidades enormes”, reforça. 

Mas há mais, na opinião de Alexandre Lobo. “As empresas locais têm de começar a pensar na integração na região da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, que também é uma área estratégica do Governo. Tem mercados enormes que precisam de novas ideias que as empresas locais podem explorar, como Zhuhai e Cantão.”

Agostinho Vong diz que o Executivo tem claro o percurso que Macau deve seguir. O responsável do IPIM explica que mais do que atrair “muitos investidores estrangeiros” para criarem negócios em Macau, o objetivo é captar esse investimento para que os locais tenham mais oportunidades. “Não é realista que uma cidade tão pequena tenha a ambição de criar um ambiente enorme de empreendedorismo”, defende.

Aprender sem copiar

O facto de estar agora a começar pode funcionar a favor de Macau que, concordam empresários e académicos, deve aprender com o que foi feito no resto do mundo e fintar os erros cometidos por mercados mais maduros. “Macau já tem de partir na dianteira e implementar as melhores práticas internacionais”, defende o professor Alexandre Lobo. 

Chong Tak Lo, também diretor da Associação Comercial de Macau, concorda e dá como exemplo o modelo local de incubadoras. Atualmente, há duas: a Incubadora Tecnológica de Macau – criada em 2001, e que conta com o apoio do Governo e de empresas privadas -, e o Centro de Incubação de Negócios para Jovens de Macau, agora com espaço próprio e sob gestão da empresa pública Parafuturo, depois de ter passado cerca de dois anos na sede do IPIM. “Não se podem limitar a ser um espaço físico gratuito. Têm de ajudar a desenvolver o negócio. Muitos empresários têm boas ideias, mas não têm contactos. As incubadoras em Macau têm de fazer essa ligação a outras incubadoras e partes do mundo”, critica o também membro do Conselho para as Indústrias Culturais.

Já Manuel Correia da Silva diz que Macau “pode aprender, mas não pode copiar” os modelos estrangeiros, sob pena de falhar. O criativo realça que o território tem de analisar os mercados vizinhos, como o de Hong Kong e de Shenzhen “onde já há muita coisa a acontecer”, e evitar oferecer o mesmo. A diferença, continua, pode estar mais uma vez na proximidade aos países de língua portuguesa. “Temos uma relação com países como Portugal, a dar algumas cartas com a Web Summit, e o Brasil, que tem um ecossistema interessante. Também se fala do potencial de novas economias como Timor, onde faltam muitas coisas. Temos de ser inteligentes na forma como nos podemos posicionar. Cabe à comunidade de empreendedores ser capaz de encontrar oportunidades, soluções e ter as competências para vingar”, afirma.

Alexandre Lobo defende que “não é num mês que se cria um ambiente de empreendedorismo”, mas realça que Macau tem características que podem ajudar, como a “legislação favorável” em matéria de impostos e de contratação de recursos humanos. “Isso tudo facilita o processo de criação de um ambiente empreendedor”, explica.

Para o presidente da Associação Portuguesa de Business Angels, João Trigo da Rosa, a Start-up Week é um bom prenúncio e compara-a à Semana Global do Empreendedorismo, lançada há 10 anos em Portugal. O também fundador da empresa de consultadoria e investimento Toplever sublinha que a iniciativa foi “muito importante” para agregar empreendedores, empresários, universidades e o Governo em Portugal. “A Start-up Week compara-se a essa nossa iniciativa, em que se procurou juntar os vários protagonistas do ecossistema e experiências internacionais”, refere Trigo da Rosa, convidado do evento.

Hoje, Portugal é palco da Web Summit, uma das cimeiras mais importantes na área do empreendedorismo e tecnologia, e uma referência internacional no panorama das startups.

Tudo começou com a crise económica que atingiu o país e que “obrigou as pessoas a procurarem alternativas” de vida. As políticas ajudaram. Os estímulos fiscais, os vistos para estrangeiros que queiram radicar-se em Portugal, o fundo de investimento de 200 milhões de euros que pode ser aproveitado por investidores nacionais e estrangeiros que queiram investir em Portugal – “trazendo capital estrangeiro, mas sobretudo know how”- foram medidas que criaram condições para a explosão de startups em Portugal. Apesar do papel do Executivo, João Trigo da Rosa insiste: “O grande drive foi a sociedade civil. Houve um conjunto de jovens que mudou a mentalidade e que começou a ser muito mais empreendedor do que era a geração anterior”, recorda. 

Apesar do mercado português ter outra escala e já se encontrar num ponto mais avançado, o também professor entende que o país e Macau se podem ajudar mutuamente. “A relação entre os players é muito importante. A maior ajuda que podem dar é estabelecendo uma rede entre as startups dos dois territórios”, afirma Trigo da Rosa.

O empresário Michael Ho subscreve. “O apoio do Governo é muito importante. A relação com outros mercados é muito mais importante do que o dinheiro que nos podem dar”, realça. 

Sou Hei Lam

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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