Há poucos casos de violação de direitos de autor nos tribunais do território. Realçando que a atual legislação é bastante completa, o advogado Carlos Simões — especialista em propriedade intelectual — aponta falhas na implementação. E defende que, se houver mais iniciativa privada a promover a cobrança dos direitos de autor, facilmente se passa para uma cultura de cumprimento.
A legislação que protege os direitos de autor é completa, mas o território é pequeno e com a China Continental ao lado, os casos que ocorrem em Macau, acabam por não ser expressivos. Para o causídico Carlos Simões, a questão passa mais por falhas na implementação da lei.
No página da Internet da Direção dos Serviços de Economia (DSE), define-se a propriedade intelectual como a proteção do “fruto da inteligência”, para que “os titulares dela usufruam diretamente e adquiram direitos exclusivos do fruto do trabalho criativo e, ao mesmo tempo, assegurando concorrência equitativa e legal”. No caso específico dos direitos de autor, garante-se a proteção de “quaisquer peças que resultem da criatividade humana, como as obras literárias, artísticas, cinematográficas, musicais e dramáticas, software para computadores, as fotografias, escultura, cerâmica e arquitectura”. Independentemente da divulgação, um autor goza automaticamente de proteção, assim que a obra é finalizada.
Em declarações ao jornal PLATAFORMA, o advogado Carlos Simões refere que o atual Regime de Direito de Autor e Direitos conexos — aprovado pelo Decreto-Lei 43/99/M e alterado pela Lei 5/2012 — é “suficiente” e “não há nada incompleto ou que “tenha de ser melhorado”, apontando, porém, “um problema de implementação”.
Essa falha nota-se ainda mais no caso específico dos direitos de autor, com o causídico a apontar várias “falhas na implementação da sua proteção, sobretudo, na sua cobrança”.
As sociedades de autor
Ainda assim, o advogado começa a ver sinais de mudança. Há poucas sociedades de autores registadas localmente na Direção dos Serviços de Economia, mas uma das mais recentes começa a obter resultados. “Tanto quanto sei, já tem conseguido convencer alguns operadores [de jogo] locais a pagar os royalties [pela utilização de músicas]”, diz, referindo-se à Associação dos Compositores, Autores e Editores de Macau (MACA). “É mais o trabalho dela que tenho vindo a detetar — aqui em Macau o que interessa é criar um precedente, e, a partir do momento, em que há uma operadora ou uma sociedade dos direitos de autor e que começa a pagar, os outros em princípio irão acompanhar e fazer o mesmo, até que estamos perante sociedades listadas em bolsa [operadoras de jogo], com grandes departamentos jurídicos, que é suposto estarem a cumprir a legislação em todas as suas vertentes”, realça.
Assim, na opinião do advogado, a “tendência natural” será a de que, “com o tempo”, se comecem a pagar os direitos de autor devidos. “Tudo depende da existência de uma entidade privada que promova a proteção dos direitos de autor através dos royalties; se não houver uma entidade privada que dinamize isso, nem o Governo pode começar a atuar para acompanhar, nem os tribunais ou a Direção dos Serviços de Alfândega”, esclarece.
A MACA surgiu em 2009, pela mão do presidente Yan Ung Kuoc Iang e de outros compositores locais. Na sua página oficial da Internet, a MACA refere que, assim que um compositor se torna associado, todos os direitos de atuação presentes e futuros são assegurados. “Trata-se do direito de atuar em público e o direito a comunicar o trabalho ao público. A MACA administra os direitos em nome do compositor”, lê-se. “Isso significa que a MACA trata das licenças para a atuação e comunicação da música e da letra, além de monitorizar o uso da música no âmbito destes acordos e distribuir os royalties pelos autores, quando o seu trabalho é utilizado.”
A iniciativa privada
Ainda que no caso das obras musicais já haja casos bem sucedidos em tribunal, através da ação da MACA, Carlos Simões refere que noutro tipo de trabalhos criativos que se enquadrem nos chamados direitos de autor, pouco se vê. “Qualquer entidade pública que seja responsável por isso só irá atuar depois de uma queixa ou de uma participação ou de uma iniciativa particular; se não há uma sociedade de autores com um enfoque especial na cinematografia, em programas de computador ou no que for, então é natural que nessa área não se vejam resultados”, diz, realçando que “isso não significa que a legislação não sirva, mas que não há uma iniciativa particular suficientemente forte nessa área.”
Havendo pouca iniciativa privada no âmbito da cobrança dos direitos de autor, o causídico refere que isso estará ligado aos meios e à cultura local. “Aqui sempre houve uma cultura de incumprimento… Se ninguém paga, por que se vão despender recursos atrás de um pagamento e de uma cobrança que não vai ser feita?” Além disso, tratando-se Macau de uma cidade pequena, “não justifica um grande investimento nessa área”.
As “novas violações”
Com o advento da Internet, novos problemas se põem na gestão dos direitos de autor. “Tenho conhecimento de, pelo menos, um caso de um website que era operado por um indivíduo de Macau, de um site onde se faziam downloads ilegais e ele foi investigado e acusado e há-de ser o julgamento para o ano. Foi obrigado a fechar o site”, diz.
E, ainda que o causídico apenas tenha conhecimento de um caso, não significa que o território não padeça deste problema. “O problema dos sites e da Internet é que a Internet é transversal, está em todo o lado, mas os servidores só estão registados numa jurisdição e, portanto, o problema que aqui se verifica em Macau não é de Macau. Se calhar, estão a fazer os downloads noutro lado”, diz, acrescentando que, do ponto de vista jurídico, “torna-se difícil chegar a eles [aos infratores] ou, não chegando, obter uma ordem local para bloquear esses sites”.
Assim, também no caso da Internet, “o problema é a falta de implementação”, porque, havendo mais casos e mais iniciativa privada, “maior é a fluidez, maior a rapidez com que esses casos vão ser decididos, maior o conhecimento dos agentes como dos operadores como das sociedades que usam direitos de autor e mais facilmente se promove uma cultura de cumprimento”. Por isso, para haver uma mudança, é importante que haja “mais sociedades de autor, mais processos e mais interpelações exigindo a cobrança dos direitos de autor”.
Pelo seu escritório de advogados têm passado poucos casos que envolvam a violação de direitos de autor na Internet, registando-se, porém, algumas situações ligadas a marcas e patentes. “Hoje em dia, já se usa a Internet para se vender muitos produtos contrafeitos — não necessariamente através do Taobao [um website Chinês direcionado às compras na Internet], mas pelo recurso às redes sociais”, revela. Porém, é difícil reagir, “dado o anonimato na Internet e também porque esse tipo de ofensas em Macau não reveste uma gravidade extrema, não sendo possível mobilizar um grande número de meios”. Normalmente, são “casos pequenos, que envolvem quantidades pequenas”, não sendo fácil “mobilizar um grande número de meios para os combater.”
No que toca à propriedade intelectual no geral, Carlos Simões alerta para a necessidade “de mais meios policiais agilizados”. Ainda que reconheça o mérito do trabalho das forças policiais, o causídico refere que foram formados na década 90, não estando a par da evolução tecnológica dos últimos 30 anos. “Os Serviços de Alfândega foram preparados para reagir a uma determinada ameaça, que, na altura, eram os cd-roms e os dvds que se vendiam no território, e talvez não estejam tão bem preparados para um tipo de ameaças diferentes”, diz. “As que têm mais relevância são as patentes do sistema do jogo, que são altamente técnicas. Sempre que precisamos de envolver uma força policial para combater uma violação de uma patente, vão ter de fazer uma apreciação técnica do que está a ser violado e não têm a capacidade de o fazer rapidamente”, esclarece.
Quanto a esse problema, para Carlos Simões, poderá ser resolvido “com mais investimento nas pessoas”, de forma a que estejam preparadas para o combate destas infrações.
Luciana Leitão