O secretário para a Economia deixou esta semana claro que a prioridade do governo é a renegociação das (sub)concessões de jogo. É antes avaliá-las, perceber como atuaram, certamente à luz das cláusulas contratuais que assinaram, mas provavelmente também em relação às expectativas que terão ou não cumprido quanto aos modelos de desenvolvimento da indústria com os quais se comprometeram quando lhes foram atribuídas licenças. O curto e médio prazo mostrará as distâncias entre este discurso musculado de Estado e o poder real da oligarquia económica dominante. O que é inequívoco é que essa caixa de Pandora está aberta; senão como ameaça, pelo menos como aviso.
Talvez se perceba agora melhor porque as operadoras, apesar de condições de mercado duvidosas e da quebra das expectativas de crescimento, se lançam de cabeça em vultuosos investimentos no COTAI. Como também se entendem melhor as declarações de Pereira Coutinho, deputado insuspeito de ter interesses diretos na indústria, mas que esta semana assumiu-se como a voz que clama pela proteção dos interesses da indústria, desvalorizando outras linhas de ação política como a diversificação económica, a integração regional ou o projeto lusófono chinês. Macau é só jogo. Não se pode fugir a essa realidade. Mas essa é precisamente a verdade que a China quer alterar. Aparentemente, com recurso a um discurso musculado por parte dos novos secretários que, pelo menos em público, tratam o poder fático com tolerância zero.
Há quem defenda que o problema está nos perigos mono-indústria, segundo a tese de que Macau pode falir caso haja um problema estrutural e prolongado nas receitas do jogo. Sendo teoricamente válida, essa perspetiva tem contudo perna curta. Nos anos de 1990, o monopólio de Stanley Ho, longe de atingir os resultados brutos do jogo liberalizado, garantia a Macau um nível de vida médio muito acima do que se vivia em qualquer país da região, como na maior parte das nações europeias.
A questão é mais complexa. Há uma missão política em relação à qual uns preferem fechar os olhos, estando outros a querer que lhes entre pelos olhos dentro. A China, no seu projeto de reconversão interno, mas também no seu movimento de afirmação internacional, procura modelos de sucesso “vendáveis”. Taiwan está longe de uma reunificação aceitável em ambos os lados do Estreito; Hong Kong empunha guarda-chuvas amarelos, pedindo proteção da China em vez de negociação; e Macau, que até parece capaz de desempenhar esse papel, peca pela imagem de ser a aldeia dos casinos. Como se pode esperar que Pequim aponte um exemplo de virtude e de desenvolvimento acorrentado a uma indústria que é proibida na China e da qual desconfiam todos os organismos internacionais que zelam pela transparência dos movimentos de capitais.
Quer isso dizer que a diversificação económica e a internacionalização da economia de Macau devem ser feitas contra os casinos? Claro que não! Mas também não é isso que mostra a história recente. A indústria foi liberalizada, as fronteiras abertas aos vistos individuais, os junkets foram legalizados, os casinos satélites da SJM publicamente assumidos… Ao mesmo tempo, as vozes que vinham do norte clamavam contra a mono-indústria. Algo não bate certo quando se lança o fantasma de uma diversificação económica contra os casinos. O problema é que esses interesses são tão altos que sugam tudo, cegam toda a gente e ninguém ouve que há outras coisas a fazer. E o grande tigre ruge agora mais alto… Porque ninguém aceita falinhas mansas. O que se sente é a voz da autoridade, porque a da magistratura de influência não conseguiu fazer-se ouvir. Se os casinos forem cúmplices da mudança – e não forças de bloqueio – verão que todos ganham mais com isso.
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