Não se pode deixar de dar “mérito” a um arquiteto que tenha desenhado com mestria um edifício que, ao longo dos tempos, se mostra capaz de suster embates da natureza e de outro tipo.
A malha de betão injetada no congresso da Frelimo em Pemba continua a ser decisiva para o panorama político moçambicano.
Findas as hostilidades político-militares recentes e realizadas as eleições gerais de 2014, Moçambique continua mergulhado na indecisão, no que se refere à sua estabilidade e a consensos mínimos que garantam a sua governabilidade.
O país está definitivamente subordinado aos estatutos de um partido que teima em ser o único.
Após o que parece terem sido negociações complexas para a distribuição de pastas ministeriais de um Governo que não é reconhecido pelo principal partido da oposição, o PR homologado pelo CC anuncia um Governo meia-meia.
AEG [Armando Guebuza] tem garantida uma continuidade e presença que retira espaço de manobra ao PR. As pastas principais que sustentarão segurança nos negócios de um ex-PR que nunca deixou de ter os negócios como centro de sua acção estão em mãos de confiança.
Tendo os pelouros principais assegurados, o ex-comissário deve estar apostado em forçar ou estender a tese dos factos consumados, através de um exercício de desgaste da oposição, ou (porque não?) de confrontação directa definitiva.
O que a comunicação social tem oferecido em termos de análise alinha com a tese dos factos consumados, ou, como se costuma dizer, “os cães ladram e a caravana vai passando”.
Tomar posse e anunciar o Governo faz parte de um jogo baseado na crença de que os oponentes acabarão por aceitar aquilo que foi homologado e que até foi reconhecido por um apreciável número de Governos regionais e internacionais.
Joaquim Chissano ensaiou com sucesso essa estratégia, e nas hostes da Frelimo a convicção é de que continua válida.
Independentemente do que possa acontecer nos tempos mais próximos, tanto para a direita como para a esquerda, é de crer que a falta de consensos entre os principais partidos políticos traga uma atmosfera de instabilidade e uma certa dose de ingovernabilidade no país.
O parlamento não pode funcionar pela metade, embora exista quórum para a tomada de decisões.
Verifica-se uma falta de flexibilidade política fundamental para uma gestão eficiente e salutar de uma crise que já se anunciava mesmo antes da realização das eleições legislativas, provinciais e presidenciais.
A rigidez de quem se amarra na Constituição e num emaranhado jurídico-legal joga contra a democracia e a paz no país.
Se não há dúvidas de que as eleições foram sofríveis e suspeitas e que mesmo segmentos afetos ao partido que sempre governou Moçambique independente têm suspeitas quanto à legitimidade dos resultados, o que não aparece ou é apresentado para os moçambicanos são posicionamentos inequívocos de defesa de um debate maduro e sereno em torno das reivindicações e propostas dos que não reconhecem os resultados eleitorais.
É motivo para se dizer que a sociedade civil e as suas organizações se mostram e apresentam “amarradas” ao partido Frelimo na sua maioria.
Compatriotas, convenhamos que a táctica da “asfixia” de quem se mostra discordante está surtindo os seus efeitos.
Um aspeto de suma importância que está passando despercebido é que a maioria parlamentar homologada dá azo para que a equipa governamental escolhida pelo executivo de Maputo tome posse sem passar pelo crivo do parlamento. Numa situação em que o parlamento tivesse força factual, veríamos decerto alguns ministros escolhidos sendo questionados e impedidos de tomar posse, tal é o nível de suspeição que existe sobre eles.
Se a fórmula de preenchimento dos cargos ministeriais por FJN [Filipe Nyussi] denota um jogo de cintura complexo, também mostra que a decisão final e o centro real do poder passaram para a “Pereira do Lago”[sede da Frelimo, em Maputo].
Aqui não se trata de compromissos entre alas, mas de imposição de figuras que sossegam quem efectivamente manda.
Posto isto, e tendo em conta a história recente do país, é de crer que teremos novidades.
Se a Renamo anuncia Conselho Nacional alargado aos seus deputados eleitos para a vila de Caia e o seu líder mantém o discurso de que aguarda sinais de vontade de dialogar por parte de FJN, aos moçambicanos resta esperar.
Haverá uma tomada de decisões consentâneas com o acordo recentemente assinado de cessão das hostilidades militares?
Teremos um extremar de posições e uma inflexibilidade abrindo portas para o renovar das hostilidades?
Ou teremos compatriotas exibindo uma postura de Estado e patriótica, aproximando-se e discutindo um acordo mínimo que garanta uma transição pacífica do poder?
Que os políticos sejam frios e defensores da moçambicanidade, antes de olharem para supostos benefícios de uma ou outra estratégia.
Há que ver com olhos de ver que o Consenso de Washington subjuga economicamente. O Consenso de Lisboa traz neocolonialismo. O Consenso de Pequim traz neocolonialismo e a guerra aberta.
Navegar e contornar esses consensos é o bico-de-obra de responsabilidade exclusiva dos moçambicanos.
Prevenir um exacerbar de posições e promover desenvolvimentos pacificadores está nas mãos dos moçambicanos e dos seus políticos.
Ultrapassar a distribuição de “tachos” e promover a separação dos poderes democráticos pode ser feito sem consultoria externa ou a convocação de “conselhos dos sábios”, pois não há quem não saiba o que emperra o entendimento entre irmãos, neste país que alguns teimam que seja de todos os seus filhos.
De fora pode vir uma “ajuda” mediática, mas também pode ser fonte de “ajudas” perigosas, como no passado aconteceu. Não queremos “armas baratas” nem intervenção de aliados naturais, que disso não têm nem são.
Antes que chegue “solidariedade” de supostos “camaradas”, sejamos nós, moçambicanos, a criar aquele espaço essencial de diálogo, que afinal existe.
*Canal de Moçambique