Início Opinião Maria José Grosso – REVISITAR O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM MACAU

Maria José Grosso – REVISITAR O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM MACAU

 

INTRODUÇÃO

O tema o ensino da língua portuguesa tem uma longa tradição em Macau, foram muitos os que durante anos escreveram sobre o ensino  do português nesta cidade; alguns textos, de maior ou menor profundidade, falavam da falta de material contextualizado, dos métodos ou estratégias inadequadas, do facto de ser reduzido o número dos que falavam português neste contexto chinês. Os que chegavam pela primeira vez a Macau queriam resolver o problema, sugeriam novas técnicas, propunham novos materiais; passados alguns meses, tal como acontece com outros aspetos da educação e também da vida, tudo era reduzido ao silêncio e as sugestões originais caíam também na rotina.

Retomo este tema, ou antes revisito-o, no sentido original de visitar, alguém que visitou um parente doente, e que este se sente melhor só porque lhe disseram que está com melhor aspeto. A língua portuguesa também parece estar com bom aspeto.. mas continua doente.

Retomar o tema parece-me pertinente numa época em que há indícios incentivadores para a aprendizagem da língua portuguesa e também o registo da intenção política1 para o desenvolvimento do ensino desta língua, não só na RAEM, em que se cruzam fatores económicos e políticos promotores da difusão duma Língua, mas também na China Continental, onde o número das instituições que ensina a língua portuguesa cresceu significativamente (mais de seis vezes).

A divulgação  da língua portuguesa, e o seu consequente ensino-aprendizagem, têm em si potenciais inimagináveis que não se centram só nos aspetos linguísticos e culturais de ensino ou de investigação, mas movem toda uma máquina complexa económica de elaboração compra e venda de manuais, de materiais de avaliação e certificação, de materiais em suportes vários, de formação de professores, de dicionários, de glossários, etc. Uma roda gigante que nunca pára de girar e que se tenta adequar às diferentes variáveis contextuais. As chamadas línguas internacionais como o inglês (e o francês) conhecem bem a força desse movimento e desse saber fazer.

A rapidez convulsiva económica, social e política a que todos estamos sujeitos deixa-nos pouco espaço para a reflexão sobre o papel das línguas na comunicação ou sobre a sua influência no modo de agir e de estar no mundo do outro, é  nesta base que, embora conheça os “perigos” dum tema repetitivo, quis compartilhar com os leitores estas linhas.

Como suporte para a temática, além da oficialidade da língua portuguesa, relembro que no âmbito da sua cooperação com os Países de Língua Portuguesa, o governo da China em 2010 sublinhou, juntamente com os outros países que fazem parte do Fórum Macau2, “a importância da língua portuguesa como instrumento de integração entre os países do Fórum Macau; foi neste contexto que se comprometeram a estudar mecanismos específicos para a promoção do ensino da língua portuguesa, e a estimularem as universidades e institutos superiores dos países participantes a fomentarem o ensino da língua portuguesa entre si” (Fórum para a cooperação económica e comercial entre a China e os países de Língua.)3.

Ainda neste âmbito, temos também o desejo da RAEM  querer “continuar a apostar em bons cursos e bons professores, para dar vazão aos milhares de estudantes chineses com interesse na língua portuguesa”.4

 

DOS OBJECTIVOS À ATUAÇÃO

Com o crescimento demográfico e económico de Macau, o que tem menos resultados imediatos é geralmente secundarizado, no entanto, as metas a atingir, no âmbito do planeamento estratégico duma outra língua devem ser pensadas a longo ou médio prazo, pois os efeitos embora surjam anos mais tarde,  permanecem e podem influenciar várias gerações.

Desta pequena e rica cidade, que floresce e se enraíza no rio das Pérolas, esperam-se resultados frutíferos da cooperação económica, comercial e cultural entre a China e os Países de Língua Portuguesa (atualmente emergem como parceiros comerciais de peso o Brasil e Angola), estando implícito a aprendizagem da língua e da cultura portuguesa e consequentemente um ensino mais efetivo, com resultados visíveis. Objetivar a divulgação da língua portuguesa fortalecerá o estabelecimento de relações interculturais e de cooperação a todos os níveis, contudo, a sustentabilidade desta ação só pode ser alicerçada em princípios coerentes de planeamento linguístico, próximos do potencial público aprendente duma língua estrangeira.

Em todas as instituições onde se desenvolve o ensino-aprendizagem da língua portuguesa, a reflexão necessária parte de questões como:

Quais os objetivos que devem ser atingidos com o ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa?

Qual o nível de proficiência da Língua Portuguesa em Macau? Que nível deve ser atingido?

A oralidade e a escrita devem ser igualmente desenvolvidas ?

Qual o tempo de ensino-aprendizagem previsto para se atingir por exemplo o nível A25, nível elementar,  do Quadro Europeu comum de Referência?

O  tempo lectivo, previsto nas instituições, é razoável para despertar o interesse do aluno para a aprendizagem desta língua e cultura?

Como manter a língua que se aprende num contexto onde o lugar de imersão linguística se reduz à sala de aula ?

São muitas as questões a ser colocadas.

Repensar o ensino das Línguas requer o conhecimento das diferentes realidades educativas a fim de se darem respostas concretas; a ausência dum plano global conduz à exaustão das pessoas envolvidas no processo e à estagnação do próprio saber, pior do que isso favorece monolinguismos, hegemonia duma língua, tendo a longo prazo como consequência o desaparecimento das línguas e dos valores de poder que elas representam.

Neste sentido, o ensino das línguas ( e designadamente do português) pode ser encarado pluridisciplinarmente, contribuindo preferencialmente para isso o trabalho dos professores de português e de todos os agentes de ensino, sendo especialmente importante no ensino superior, em Macau, os grupos de reflexão constituídos por professores de diferentes áreas e outros profissionais  como os jornalistas.

É interligando os vários fatores que influenciam diretamente a língua portuguesa  e repensando toda esta problemática que podemos chegar à análise e compreensão das situações onde e como se aprende e ensina o português, gerando estratégias mais adequadas às situações que ocorrem.

Como noutros contextos, a comunicação em língua portuguesa é privilegiada sobretudo no domínio educativo, no espaço da sala de aula6; este é um microcosmo que, pelo ensinante, pelos manuais e pelos materiais pedagógicos,  simula situações “autênticas” do uso da língua portuguesa em contextos artificiais, tentando preparar o aprendente para interagir linguisticamente em domínios fora do espaço educativo, em qualquer sector da vida social em que se use o português, dentro e fora de Macau.

Ora a autêntica comunicação  é imprevisível  e esta imprevisibilidade dificilmente se realiza com falantes ou textos forjados, não só pela distância geográfica dos países que falam português, mas também pelo facto de o número de falantes de português que vive em Macau ou visita a cidade não ser significativo.

Assim as oportunidades para o aprendente realizar ações comunicativas de forma autêntica são reduzidas, se bem que, como já foi dito, possam estabelecer contacto, em português, com outros falantes que têm a língua portuguesa como língua estrangeira, como língua segunda ou como língua materna, especialmente na variante português do Brasil (PB).

 

RECURSOS E EXPECTATIVAS

Queremos acreditar que a ideia generalizada do grande público (e de alguns decisores políticos) de que qualquer um está vocacionado para ensinar a sua própria língua estará erradicada. Durante décadas, esta ideia esteve na base dos múltiplos problemas, sendo um deles a ausência ou o ténue estatuto que os professores de português têm.

Das tarefas mais complexas do professor que ensina a sua língua (ou a língua que ensina) a outros falantes é ter de se posicionar como falante/ linguista e pedagogo perante a sua própria língua, tornando-a como objeto de estudo e explicitando a gramática implícita descrevendo o funcionamento da sua própria língua, analisável através da atuação linguística ( «performance») dos falantes. Há a necessidade de formação científica, não só no que diz respeito à estrutura, funcionamento e níveis da língua a ensinar, mas também a nível do conhecimento geral do ensino-aprendizagem das línguas como estrangeiras, designadamente descrição e avaliação.

Ligado ao ensino duma língua está o uso privilegiado dos múltiplos materiais sociais7 como forma de enfatizar a relação entre o indivíduo (como aprendente e ser social) e os diversos tipos de realidade, de modo que possa continuar a ser feita a sua formação pessoal e profissional .

Desta consciência emergirá certamente uma prática adequada do ensino/aprendizagem do português a aprendentes cuja língua materna é o chinês.

A formação dos professores é uma aposta positiva das diferentes instituições de Macau, mas que formação?

Dificilmente a formação produzirá efeitos se não respondermos às questões aqui colocadas, se não houver mudanças e a tomada de consciência pelo real poder e importância das línguas.

 

CONCLUSÕES E SUGESTÕES

A língua como algo vivo tem de ser trabalhada como tal, para isso tem de haver a par da pesquisa sobre o ensino e aprendizagem da Língua Estrangeira, uma maior prática, mais estudos aplicados.

Uma maior visibilidade das práticas pedagógicas com sucesso e Macau conta com alguns bons exemplos, designadamente com o público infantil.

A língua portuguesa está tão próxima de nós, dos que a falam ou ensinam que até nos esquecemos que ela é também um objeto de estudo científico, complexo com muitos  saberes implícitos que têm de ser descodificados constantemente por quem a ensina, a fala,  ou aprende, consequentemente, não pode figurar só como título ou tema sem conteúdo, tem de corresponder a ações concretas de ensino e de formação de futuros professores, tradutores, políticos, juristas e administradores que precisam desta língua nas suas respetivas profissões não só para fazer jus ao artigo 9 da Lei Básica da RAEM: “…sendo também o português língua oficial”8 mas, para entrar juntamente com as outras línguas numa maior comunicação e cooperação global.

1 “A importância da língua portuguesa e a formação de professores chineses no ensino do idioma foi um dos temas em destaque durante a visita à China do Presidente da República Portuguesa,. Acordos na área da promoção da língua portuguesa figuraram entre os 29 protocolos e memorandos de entendimento assinados entre governos, empresários e universidades dos dois países” Em: https://www.plataformamedia.com/seccoes/professores-precisam-se/ (acedido em 20.8.14)

2 O Fórum Macau é um mecanismo da cooperação de iniciativa oficial sem caráter político, que tem como tema chave a cooperação e o desenvolvimento económico e tem por objectivo reforçar a cooperação e o intercâmbio económico entre a República Popular da China e os Países de Língua Portuguesa, dinamizar o papel de Macau como plataforma de ligação a esses países e promover o desenvolvimento dos laços entre a República Popular da China, Macau e os Países de Língua Portuguesa.  Cf.http://www.forumchinaplp.org.mo/pt/aboutus.php(acedido 20.08.2014).

3 Cf.  Plano de Acção para a Cooperação Económica e Comercial da 3ª Conferência Ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa(2010-2013)inhttp://www.forumchinaplp.org.mo/pt/notice_gl.php  (acedido 20.08.2014).

4 In revista Macau, Junho 2013:8“Chefe do Executivo garante aposta no português”

5 Nível indispensável à obtenção da nacionalidade potuguesa , cf. Grosso (2007) http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Seminario_LPIntegracao/3_Maria_Jose_Grosso.pd

6 O ensino e a aprendizagem do Português no sistema escolar de Macau  sofreu um revés quando a DSEJ baixou uma norma para as escolas oficiais em que a língua perdeu o estatuto de língua obrigatória e passou a ser opcional. Para as escolas, nesta lei, o Português foi definida como língua segunda (decretos: 39/94/M, DL 46/97/M e DL 54/96/M).

7 Documentos que se encontram no dia a dia, como avisos, jornais, fotos, etc

8 http://bo.io.gov.mo/BO/i/1999/leibasica/index.asp (acedido 20.8.14)

 

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