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MACAU ATRÁS DA CHINA NO USO DE TECNOLOGIA TRADUÇÃO

 

Bill Gao, tradutor natural da província chinesa de Shandong, mudou-se há cinco anos para Macau, onde abriu uma das raras empresas locais que oferecem serviços de tradução assistida por computador. Em entrevista ao Plataforma Macau, o diretor-geral da Boss Translation constata que Macau está dez anos atrasado em relação à China quanto ao uso de tecnologias pelos tradutores e alerta que elas poderão ajudar a suprir as carências locais destes quadros.

 

PLATAFORMA MACAU – Quando e porquê foi criada a empresa Boss Translation?

BILL GAO – A empresa foi criada em 2011 por mim e por um sócio. Oferecemos serviços de tradução tradicional, incluindo chinês, português, inglês e russo, e também oferecemos serviços de tradução assistida por computador (CAT, na sigla inglesa), nomeadamente consultadoria e ferramentas próprias de gestão de terminologia e de memória, que podem ser personalizadas para os clientes. Neste âmbito, temos quatro produtos pagos, nomeadamente bases de dados para a tradução chinês-português, incluindo na área do Direito, bem como uma base de dados de nomes cantonense-pinyin e outra de termos chinês-inglês-português, que até agora disponibiliza termos na área das tecnologias de informação e planeamos alargar esta base a termos legais.

O nosso produto “Assistente Chinês-Português” (CPA, na sigla inglesa) tem tido muito sucesso e já temos muitos clientes do Governo. Os serviços de tradução de português representam cerca de 60% do nosso negócio.

 

P.M. – O que é exatamente o CPA?

B.G. – É uma base de dados de notícias, informações divulgadas ao público pelo Governo e discursos oficiais em chinês e português. É como um motor de pesquisa bilingue. Por exemplo, se um tradutor precisa de encontrar um termo que o chefe do Executivo tenha referido há alguns anos, com este sistema consegue localizar o termo e frases em chinês e português em que tenha sido utilizado. Para a área do Direito, temos uma base de dados própria com leis, despachos, contratos e sentenças dos três tribunais. A Administração é o nosso principal cliente.

 

P.M. – E também têm empresas como clientes?

B.G. – Para já não. No que se refere a traduções chinês-português, os tradutores trabalham na sua maioria para o Governo ou para os órgãos de comunicação social e escritórios de advogados. Estamos a tentar promover mais os nossos serviços junto dos escritórios de advogados, porque temos um produto direcionado para a área legal.

 

P.M. – Grande parte dos vossos serviços são oferecidos na Internet?

B.G. – Sim, mas a tradução tradicional ainda representa 80 a 90% do nosso negócio. Quando decidimos montar esta empresa, planeámos apostar nestas duas vertentes, mas para estabilizar o negócio precisamos primeiro de apostar na tradução tradicional enquanto construímos as bases de dados, desenvolvemos o nosso programa e promovemos os serviços de tradução assistida por computador, que, no futuro, poderão ser a nossa principal fonte de receitas.

 

P.M. – Qual é a importância da tecnologia para os serviços de tradução?

B.G. – É muito importante. Eu sou tradutor há mais de dez anos e no desempenho desta atividade deparei-me com as limitações da tradução tradicional, pois não é possível memorizar muitos termos, não conseguimos ser um dicionário. Portanto, quando estamos a fazer traduções técnicas, deparamo-nos com muitos termos e um ano depois de fazermos certa tradução já não nos conseguimos lembrar de certos termos técnicos e isso pode causar problemas neste trabalho. Por isso comecei a pensar em soluções e encontrei os serviços de tradução assistida por computador.

A utilização de tecnologias de informação na tradução é o destino da tradução, porque se refere à transferência de informação de uma língua para outra, então são necessárias ferramentas para gerir os recursos de tradução, os termos, as frases. Com as novas tecnologias, a informação pode ser gerida, armazenada, pesquisada, indexada em bases de dados. Portanto, os tradutores necessitam de usar ferramentas de tecnologias de informação para gerir a sua informação.

 

MACAU POUCO TECNOLÓGICA

P.M. – Como vê a situação na China no que se refere à utilização de tecnologias na área da tradução?

B.G. – Hoje na China, os tradutores valorizam muito as tecnologias de tradução, mas não era assim. Há dez anos a situação na China era como a atual situação em Macau, na altura as pessoas não prestavam muita atenção às ferramentas de tradução assistida por computador, porque não se apercebiam da sua importância. Estas ferramentas podem aumentar a eficiência e consistência do trabalho e ajudar os tradutores a trabalhar em conjunto.

 

P.M. – Porque está Macau atrasada neste campo?

B.G. – Eu terminei recentemente um mestrado sobre a aceitação da tradução assistida por computador (CAT) em Macau e, com base nesta pesquisa, concluí que os tradutores ainda não se aperceberam da importância desta tecnologia.

As ferramentas CAT trazem vantagens competitivas, porque permitem poupar tempo e elevar a eficiência do trabalho de tradução, mas com base na minha pesquisa constatei que os tradutores locais não precisam de vantagens competitivas porque têm facilidade em encontrar emprego. Por outro lado, os tradutores do Governo recebem um salário fixo e normalmente não se preocupam muito com a eficiência, só se tiverem um superior mais exigente.

Outra das conclusões a que cheguei é que os tradutores em Macau ainda não perceberam que a repetição de certos aspetos nas traduções deve ser consistente e que certos termos utilizados em certa tradução podem ser utilizados noutra e isto decorre da sua formação. Em Macau temos apenas a Universidade de Macau e o Instituto Politécnico de Macau a formar tradutores e a maior parte dos professores não estão cientes nem passam esta ideia aos alunos. Com base nestes resultados, concluí que os tradutores locais estão pouco cientes da utilidade das tecnologias no seu trabalho.

 

EFICIÊNCIA SERÁ EXIGÊNCIA

P.M. – E como vê o futuro quanto ao uso de tecnologias pelos tradutores em Macau?

B.G. – A maior parte dos tradutores locais considera que a tradução assistida por computador é algo difícil de usar, isto pode estar relacionado com o facto de não se interessarem muito por tecnologias e de talvez não terem muita facilidade no uso de computadores, então têm a ideia de que para usar este tipo de tecnologia têm de aprender a lidar com novos softwares e que isso é difícil. Mas estes softwares estão a desenvolver-se no sentido de serem mais fáceis de manejar. No futuro, acredito que as ferramentas CAT serão cada vez mais simples e, por isso, a sua utilização irá aumentar. Também as exigências de eficiência serão cada vez maiores. Acho que os departamentos do Governo vão dar mais importância à eficiência e isso vai exigir mais dos serviços de tradução e estes vão melhorar com a experiência.

 

P.M. – A fraca utilização de tecnologias pelos tradutores está relacionada com a sua formação?

B.G. – Sim, em Macau as universidades ainda não estão muito abertas à aceitação de novas ideias, especialmente no âmbito da CAT, têm receio de dar um passo em frente no uso das tecnologias.

Já na China, há muita concorrência e isso leva os tradutores e as universidades a recorrerem às novas tecnologias para aumentar a sua competitividade, por isso, hoje muitas universidades têm já cursos de CAT. A Universidade de Pequim foi a primeira a abrir um mestrado destes, em 2007, e depois outras no país seguiram o seu exemplo.

 

P.M. – E há muitas empresas na China a desenvolver softwares nesta área?

B.G. – Nem por isso, porque a maioria não tem experiência em tecnologias de informação, por isso, normalmente recorrem às ferramentas CAT já existentes na Europa e América.

 

P.M. – A Boss Translation desenvolveu o seu próprio software. Porque decidiram fazê-lo?

B.G. – Apesar de haver ferramentas já maduras na Europa e EUA, elas não têm bases de dados e, por isso, estamos focados sobretudo em bases de dados de termos chinês-português, porque também não há muitas na China, e estamos ainda a oferecer um motor de busca bilingue, tudo disponível na Internet.

 

P.M. – E ponderam expandir os vossos serviços para a China e lusofonia?

B.G. – Não, porque a procura de serviços chinês-português deverá continuar a aumentar aqui com o desenvolvimento económico, por parte do Governo e casinos, porque vamos ter cada vez mais gente a trabalhar em Macau e temos presentes no território pelo menos quatro línguas – chinês tradicional, simplificado, inglês e português. E penso que, mesmo depois de 2049, o português deverá sobreviver em Macau, nomeadamente porque o sistema legal português ainda não conseguiu ser bem convertido para chinês.

Julgo que Macau deve afirmar-se como um centro para formação de tradutores chinês-português, porque para se ser bom tradutor é preciso haver um ambiente propício para tal e Macau tem televisão, rádio, jornais, muita coisa em português. Mas também é preciso que um tradutor tenha um bom nível de chinês e julgo que o nível de chinês da maioria dos residentes de Macau ainda não é muito bom, o que afeta a tradução.

Hoje temos falta de tradutores em Macau e uma das formas de resolver isto é precisamente através da tecnologia, porque com ela pode-se trabalhar em qualquer lado, podemos ter tradutores a fazer trabalhos para Macau, mesmo estando em Lisboa, no Brasil, em Pequim, em qualquer parte do mundo.

 

Patrícia Neves

 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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