Boas notícias – ou talvez não. Há cerca de uma semana, multiplicaram-se as manchetes sobre uma alegada nova política na China que exigiria diplomas universitários ou certificações profissionais aos influenciadores para falarem sobre temas como finanças, saúde ou direito. A história parece convincente, mas perde solidez quando procuramos a fonte. Nenhum texto legal confirmado, nenhuma comunicação oficial, apenas uma sucessão de notícias que se citam umas às outras.
O episódio é um manual condensado do que hoje se entende por desinformação. Uma notícia “plausível”, amplificada por múltiplas plataformas, ganha vida própria – e já ninguém distingue se é verdade, quase verdade, apenas verosímil ou o seu contrário.
A questão é séria. A desinformação destrói confiança pública, distorce decisões políticas e compromete a saúde coletiva. Basta lembrar o poder que alguns influenciadores tiveram durante a pandemia para espalhar teorias absurdas ou tratamentos perigosos. É justo exigir responsabilidade a quem fala para milhões. Mas transformar esse combate num requisito de “credenciais académicas” é outro equívoco – perigoso e preguiçoso.
A literacia mediática deve ser vista como uma forma de defesa coletiva: sem cidadãos capazes de identificar
a desinformação, nenhuma sociedade está a salvo dela
A informação não se qualifica apenas com diplomas. Há jornalistas sem títulos universitários que fazem um trabalho de rigor exemplar, e há doutorados que espalham falsidades com convicção. O conhecimento técnico é indispensável, mas não pode ser o único critério.
Compreendo a tentação de criar regras que obriguem os criadores de conteúdo a provar competência. Mas quem define o que é “competência”? E quem decide o que é “tema sensível”? Ao tentar combater a desinformação com critérios administrativos, corremos o risco de institucionalizar o silêncio – e substituir a dúvida pelo medo.
Precisamos, todos, de uma nova educação para o século digital – não apenas técnica, mas crítica. É urgente ensinar a reconhecer sinais de manipulação, a distinguir fonte de eco, a verificar antes de partilhar. A literacia mediática deve ser vista como uma forma de defesa coletiva: sem cidadãos capazes de identificar a desinformação, nenhuma sociedade está a salvo dela.
Não defendo a impunidade digital. É urgente responsabilizar quem lucra com o engano e criar mecanismos transparentes de verificação de conteúdos falsos. Mas o combate à desinformação precisa de inteligência e ética, não de certificados.
Talvez o maior desafio seja esse: reaprender a duvidar do que lemos, do que partilhamos, até do que acreditamos saber.
*Editor-chefe do PLATAFORMA