Macau nasceu como uma vila piscatória e, mesmo ao transformar-se num porto mercantil, muitos dos negócios que aí prosperaram, como o comércio do ouro, serviam essencialmente os homens do mar — que então representavam cerca de 75% da população — permitindo que a sua riqueza sobrevivesse às intempéries marítimas. A cidade, num gesto de pragmatismo comercial, soube sempre adaptar-se, criando indústrias complementares que sempre orbitaram em torno da atividade central.
Mais tarde, foi o jogo que redefiniu o destino económico de Macau – uma força tão avassaladora que acabou por adormecer qualquer outra indústria que não a servisse diretamente. A história repete-se: sempre que Macau se reinventa, fá-la ao comando de uma única locomotiva económica. Hoje, a tão aclamada diversificação, estruturada no modelo 1+4, não foge a essa lógica. Mas há uma diferença fundamental: desta vez, o plano assenta numa estratégia mais calculada, ancorada no potencial inexplorado do turismo e numa indústria do jogo que soube reinventar-se, mesmo perante a queda dos junkets. Não tem de começar de novo. A questão que se impõe agora é perceber de que modo se podem desenvolver as indústrias emergentes a partir dos despojos do turismo, sem incorrer no erro de as tornar meras extensões do setor.
Como analisamos nesta edição (páginas 10 e 11), para que a diversificação passe de experiência tímida a verdadeiro pilar da economia local, será necessário um investimento significativo – que equilibra ambição com consequências. E um dos investimentos mais importantes está na Educação. Mas essa missão tem de contabilizar que um ensino refém das necessidades laborais de Macau confina-o à indústria turística. E o turismo, por mais promissor que seja, será sempre vulnerável às dinâmicas do mercado continental — sujeitas a flutuações regulatórias, oscilações no poder de consumo ou até a crises globais imprevisíveis, como pandemias.
Há, no entanto, uma contradição evidente neste processo. Um modelo de crescimento desenhado à porta fechada entre Governo e concessionárias exclui, na prática, a participação das pequenas e médias empresas, muitas delas ricas em talento, mas carentes de meios. Simultaneamente, esta abordagem torna mais fácil ignorar a necessidade de atrair investimento estrangeiro para áreas genuinamente afastadas do turismo — as mesmas que foram identificadas como motores da diversificação.
Adicionalmente, as concessionárias, enquanto maiores empregadoras da cidade, estarão sempre sob pressão política para priorizar a contratação de residentes. Isso impõe um entrave a uma realidade incontornável: Macau precisa de talento estrangeiro qualificado, uma exigência partilhada por praticamente todos os setores que pretendem integrar o novo capítulo económico da cidade.
Como explicam os economistas entrevistados nesta edição, de todas as indústrias emergentes, apenas o setor financeiro evidencia sinais concretos de crescimento. Nos restantes, impõe-se uma reavaliação estratégica, evitando a insistência em soluções de eficácia duvidosa. Com as Linhas de Acção Governativa (LAG) a aproximarem-se, não se antevê para este ano uma mudança à altura da urgência — até porque o Orçamento é uma herança de outra Administração. No entanto, possíveis realocações de despesa pública poderão indiciar o tão necessário ‘shift’ na vontade política de romper com a inércia.
Macau sempre encontrou no espelho da sua história as referências para a sua evolução, mas a grande lição que ainda falta aprender é que um modelo económico sustentável não pode depender de reinvenções cíclicas. Porque uma cidade que está sempre a reinventar-se é, na verdade, uma cidade que nunca encontrou um verdadeiro caminho para a sustentabilidade.
*Diretor-Executivo do PLATAFORMA