Início » A “guerra” das mães solteiras

A “guerra” das mães solteiras

O estatuto das mulheres em Macau tem vindo a melhorar, mas muitas mães solteiras continuam a enfrentar desafios financeiros e legais que as colocam numa situação de vulnerabilidade, descrevendo a luta diária pela sobrevivência e bem-estar dos filhos como uma “guerra”. Amanhã comemora-se o Dia Internacional da Mulher

Carol Law

Em 2019, o Instituto de Ação Social (IAS) lançou o Plano dos Objetivos do Desenvolvimento das Mulheres de Macau (2019-2025), primeiro documento estratégico focado nos direitos das mulheres. Estabelece 21 objetivos políticos e 79 medidas de curto, médio e longo prazo, distribuídas por oito áreas prioritárias para promover um ambiente mais equitativo e inclusivo para todas as mulheres. Com reforço do empoderamento feminino, especialmente entre grupos mais vulneráveis, espera-se que as mulheres alcancem melhores condições de desenvolvimento pessoal e profissional, com participação mais ativa na sociedade e maior autonomia.

A deputada Wong Kit Cheng reconhece que a participação das mulheres no mercado de trabalho regista um crescimento contínuo, ultrapassando os homens, em número, desde 2017. No novo Governo, 33,3% dos principais cargos oficiais são ocupados por mulheres. Pela primeira vez, o Tribunal de Última Instância é presidido por uma mulher, elevando a representatividade feminina nos mais altos níveis de decisão locais. O mesmo verifica-se no Conselho Executivo, permitindo uma participação mais ativa na formulação de políticas públicas. Nos últimos anos, o Governo tem adotado medidas que reforçam os direitos das mulheres, incluindo a revisão da lei que alarga a licença de maternidade para 70 dias.

Contudo, aponta Wong, permanecem desafios com impacto ainda mais acentuado em grupos vulneráveis, tais como o das mães solteiras e mulheres com deficiência. Explica ao PLATAFORMA que muitas mães solteiras enfrentam sozinhas a responsabilidade de sustentar e cuidar dos filhos. Com pouco tempo disponível, muitas aceitam empregos com baixos requisitos profissionais e horários flexíveis, geralmente precários e mal remunerados: “Além disso, algumas mulheres divorciadas enfrentam pressão financeira acrescida, já que os ex-companheiros deixam de pagar ou recusam-se a cumprir com as suas obrigações, sujeitando-as a um desgaste contínuo, não só do ponto de vista financeiro, mas também emocional e social”.

Vítimas de violência doméstica descrevem ao PLATAFORMA dificuldades e frustrações ao reclamarem a pensão de alimentos. Uma das entrevistadas relata que, devido à falta de apoio, algumas mães sentem dificuldades na relação com os filhos, após deixarem o abrigo. Processos legais, dificuldades financeiras, assédio, ou fuga às responsabilidades por parte dos ex-companheiros, tornam a pressão esmagadora. Algumas voltam mesmo a cair no ciclo da violência doméstica.

Summer Ip, presidente da Associação de Mútuo Auxílio das Vítimas de Violência Doméstica, afirma que encontrar assistentes sociais e psicólogos que compreendam as vítimas “é como ganhar o Mark Six”. A investigadora Cecília Ho, que acompanha casos de violência doméstica, lamenta ainda que os vários serviços de apoio a famílias monoparentais estejam dispersos e o cuidado infantil seja insuficiente. Defende por isso a integração de serviços para reduzir a pressão e facilitar a conciliação entre vida familiar e profissional.

As situações familiares são diversas e, muitas vezes, imprevisíveis, afirma Cecília Ho, que defende um apoio sistemático e centrado nas necessidades individuais: “Não pode acontecer que, devido a questões particulares, cada mãe tenha de ‘ir à guerra’ para obter o que precisa, enquanto outras, na mesma situação, ficam sem apoio”. Nos próximos objetivos para o desenvolvimento das mulheres, defende a inclusão de medidas para grupos que ainda não abrangidos.

Próximos desafios

Os direitos das mulheres são um indicador essencial do desenvolvimento. Por isso, defende Wong, enquanto cidade internacional Macau deve definir novos objetivos, acelerando o progresso social e a igualdade de género. As próximas metas do plano do IAS devem incluir o fortalecimento dos direitos das mulheres, aumentando a sua representatividade nos órgãos legislativos e de decisão, além de incentivar a sua presença em setores historicamente dominados por homens; tais como ciência, tecnologia e engenharia.

Criar de um fundo especial de apoio a mulheres divorciadas, ou com deficiência, potenciar opções de emprego, formação profissional e acompanhamento psicológico, melhorar o sistema de bem-estar social e os direitos laborais, implementar medidas que promovam a conciliação entre vida familiar e profissional… são metas defendidas pela deputada. Wong sugere ainda um mecanismo de recolha e avaliação de dados, com publicação regular de relatórios, permitindo supervisão social e ajustamento de políticas.

Por fim, sublinha a importância de se promover o mainstreaming de género, estratégia que integra a perspetiva de género em todas as políticas públicas, programas e ações governamentais, garantindo que a igualdade entre homens e mulheres seja considerada desde a fase de planeamento até à implementação e avaliação das medidas. Em 2023, as autoridades testaram a Checklist de Mainstreaming de Género, mas apenas dez departamentos participaram nessa fase experimental. Wong defende que o Governo acelere a implementação desta ferramenta, em todos os departamentos públicos, assegurando a sua plena aplicação nas políticas públicas, estendendo-as ao sector privado. Para isso, remata, é essencial reforçar a consciencialização e o envolvimento da sociedade, promovendo campanhas de informação e educação sobre igualdade de género.

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!