Para alguns grupos artísticos de Macau, desenvolver a marca na China continental ainda não é visto como um benefício claro. Há mais oportunidades, é certo, mas muitas vezes os problemas inerentes a essa expansão só se resolvem “atirando dinheiro”, e nem sempre isso é uma possibilidade, considera Ben Ieong. Em 2024, o produtor local recebeu seis convites do interior, mas teve de recusar três por questões financeiras e logísticas.
“Se contratarmos pessoas locais, teremos custos adicionais com viagens e alojamento”, explica Jacky Li, outro residente da indústria. A opção passa por assumir o máximo de encargos no Continente, contratando um segundo elenco só para espetáculos do lado de lá da fronteira, ou enviando apenas membros essenciais da produção. Porém, essa decisão implica, por norma, registar uma segunda empresa, ou colaborar com grupos artísticos sediados na região – mais custos e menos receitas. “Se for para lucrar, é normal criar uma empresa”, diz Tam Chi Chun, membro do Conselho Consultivo de Desenvolvimento Cultural, mas Ao Ieong Pui San, produtora independente, alerta para encargos administrativos que “não são bem compreendidos” em Macau.
Se contratarmos pessoas locais, teremos custos adicionais com viagens e alojamento [para o Continente]
Atuar na China Continental requer métodos de aprovação morosos. Embora cidades com indústrias de artes performativas mais desenvolvidas tenham processos administrativos mais simples, o quadro regulamentar continua a ser um desafio, atenta Ao Ieong. No entanto, foi também indicado que já aconteceu uma companhia local só receber autorização para venda legal de bilhetes “dois dias antes do espetáculo”. “Sempre que se vai a uma cidade diferente tens de solicitar um novo pedido de aprovação. Só em grandes cidades, como Pequim, Guangzhou ou Shenzhen o processo é mais rápido”, aponta. Nesse sentido, Ao Ieong Pui San recomenda formações e workshops para ajudar a indústria local a compreender as políticas, regulamentos e questões fiscais do mercado continental.
Intervenção do Governo
O setor em Macau carece de experiência, e isso torna mais complicada a conquista de um mercado de dimensão continental, mesmo perante a abundância de espaços e até de procura. Mais difícil se torna quando muitos produtores no interior da China estão dispostos a trabalhar por valores incomportáveis para os locais ou mesmo de forma gratuita para ganhar visibilidade. Essa circunstância torna os planos de apoio do Governo de Macau ainda mais importantes, mas a inflexibilidade dos mesmos não estão adequados às viscissitudes do mundo artístico.
[É necessário] formações e workshops para ajudar a indústria local a compreender as políticas, regulamentos e questões fiscais do mercado continental
Ao Ieong Pui San, produtora local
Atualmente, existe uma forma de obter financiamento para atuações na China continental: candidatura ao Plano de Apoio Financeiro para a Promoção de Marcas – Exposições e Espetáculos Culturais. Este estipula que o espetáculo deve realizar-se fora de Macau, ter pelo menos três apresentações num espaço público com 100 ou mais lugares, ser comercializado – com venda de bilhetes ao público -, e permitir ao candidato receber uma parte proporcional das receitas de bilheteira. O valor máximo concedido é de 50% das despesas orçamentadas, até um limite de 800 mil patacas, sendo que só aceita 10 candidaturas (orçamento total de 8 milhões de patacas).
Contudo, o Plano estabelece que o valor do subsídio será ajustado para baixo caso as despesas efetivas sejam inferiores às despesas orçamentais; as receitas forem inferiores a 80% do estimado; e o número de bilhetes vendidos for inferior a 50% do total de lugares disponíveis. “No caso de várias reduções, as percentagens de redução não serão sobrepostas, das quais, a percentagem máxima será utilizada como a redução final”, pode ler-se nos critérios. Não obstante, constitui um risco significativo para os grupos de teatro, que têm de instruir o processo com vários meses de antecedência, estando dependente de terceiros e de algumas variáveis difíceis de quantificar no momento.
No ano passado, o Plano de Apoio Financeiro para a Promoção de Marcas – Exposições e Espetáculos Culturais teve candidaturas entre 4 de junho e 31 de julho. Estes prazos variam de ano para ano, dificultando a sua adequação às necessidades dos grupos. “Às vezes, após uma reportagem nos media, surge um convite para atuar num festival de artes quatro meses depois”, atenta Tam Chi Chun. Contudo, os artistas podem já estar ocupados e, mesmo que estejam disponíveis, enfrentam custos adicionais ou já não vão a tempo de subscrever o projeto ao subsídio.
Sempre que se vai a uma cidade diferente é preciso solicitar um novo pedido de aprovação. Só em grandes cidades, como Pequim, Guangzhou ou Shenzhen o processo é mais rápido
Ben Ieong, produtor local
Tam Chi Chun conclui: “Entrar no mercado da China Continental é uma competição. O subsídio é apenas um bilhete de entrada, não basta tê-lo para atuar lá”. Jacky Li considera que, para já, não se vai aventurar no Continente, pedindo um “um canal de comunicação direta” com o Governo local, para que se mitiguem as dificuldades dos grupos artísticos.
Hengqin como meio termo?
Desde janeiro de 2025, Hengqin lançou subsídios para apoiar atividades culturais de Macau na Zona de Cooperação Aprofundada. Projetos culturais financiados pelo Governo de Macau nos últimos três anos podem receber um subsídio equivalente.
Contudo, há dúvidas sobre a adequação do novo Complexo Cultural e de Artes de Hengqin para espetáculos ao vivo. Tam Chi Chun reconhece o potencial do espaço, mas Ben Ieong alerta: “Há limitações nas condições do local, e nem todos os géneros podem atuar lá”.
Jacky Li sugere que, em vez de tentar replicar grandes teatros, em Hengqin pode-se seguir um modelo alternativo. “Como Zhuhai já tem dois grandes teatros, Hengqin poderia adotar um conceito semelhante ao Festival Fringe, promovendo atuações inovadoras em palcos informais para atrair públicos e aumentar as infraestruturas de apoio, em vez de apenas importar espetáculos de Macau.”