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Autonomia que sirva

Guilherme Rego*

A Casa Branca resolveu classificar Macau como “adversário estrangeiro”, barrando investimento local nas áreas estratégicas norte-americanas. É sabido que o dinheiro dos casinos em Macau alimentou campanhas políticas nos EUA, nomeadamente a primeira de Trump, mas também isso terminou depois da guerra comercial que montou contra a China.

Esta constante inclusão de Macau nos entraves comerciais evidencia o pouco que pode fazer para ser excluído de posicionamentos anti-China. Perfila-nos cada vez mais East, e cada vez menos West. E isso é um problema, mas não só para Macau. Em Pequim desenhou-se uma autonomia que permitisse navegar nesta realidade sem naufragar. Mas a perceção internacional olha hoje para Macau e Hong Kong como olha para a Grande Baía, ou para a China no seu todo. É tudo o mesmo, independentemente do letreiro de autonomia. Sendo assim, o princípio “Um País, Dois Sistemas” corre o risco de só funcionar para dentro, pois não tem capacidade para se distanciar do país a que pertence, e a quem meio mundo quer travar a ascensão. Verdade seja dita, esse distanciamento também não tem interesse para Macau ou para a China. Mas então como é que se faz com que o sistema sirva?

Se Macau só pode espreitar as portas previamente abertas por Pequim, e se esses mercados preferem lidar diretamente com a região onde vão fazer o investimento – que no melhor das hipóteses é a Grande Baía, mas não Macau -, a questão coloca-se novamente, cada vez com maior grau de urgência. Qual é o papel que Macau pode cativar?

Primeiro, tem que montar uma Zona de Cooperação em Hengqin que espelha vários dos desígnios locais, nomeadamente a ponte sino-lusófona. Mais, devido à dimensão e governança partilhada com Guangdong, tem capacidade para dinamizar uma série de áreas que Macau não consegue. Há sérios problemas em potenciar uma identidade e relevância, quer no plano nacional, quer internacional. E não ajuda a cidade investir na formação de talentos estrangeiros e chineses, para depois não os deixar ficar, ou destratar profissionais estrangeiros qualificados nas condições de residência e trabalho. Sempre podem ir para Hengqin. A Zona de Cooperação só beneficia Macau se Macau proteger esse interesse, não acontece por fruto do acaso. Basta olhar para o impacto que a facilitação do fluxo de pessoas e mercadorias na Grande Baía está a ter na economia local.

Enquanto ponto de convergência cultural, económica e legal, podemos fazer muito melhor para aumentar o índice de confiança, e para sermos, de facto, uma cidade apelativa ao investimento e ao emprego. E isso só pelas mãos de uma liderança que perceba como usar a autonomia para competir no plano nacional. Preocupa que no cerne da governança local muitas vezes se veja a necessidade de Pequim intervir para que a RAEM acompanhe a velocidade continental. Dá a sensação de que estamos à deriva, à espera de coordenadas. Acabamos por acentuar a perceção internacional de que nada acontece sem a Mãe Pátria. A autonomia, hoje, não pode ser apenas o orgulho de que a nível local se trata das coisas de forma diferente. Assim que se olha para fora desse espetro reduzido, deparamo-nos com um futuro onde somos meros recetores das ambições que nos incutem e das que nos condicionam.

*Diretor-Executivo do PLATAFORMA

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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