Os Estados Unidos classificaram oficialmente a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) como um “adversário estrangeiro”, ao mesmo nível de países como Rússia, Cuba e Venezuela. O memorando norte-americano, intitulado “Política de Investimento ‘America First’”, assinado por Donald Trump, delineia preocupações sobre investidores oriundos do que definiu como páises hostis, com especial destaque para a República Popular da China e as suas regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau, que acusa de direcionar investimentos estratégicos em empresas e ativos dos EUA para adquirir tecnologias avançadas e propriedade intelectual.
“Estes esforços são realizados mediante vários meios, muitas vezes envolvendo empresas parceiras ou fundos em países terceiros. As ações da China representam riscos significativos para a segurança nacional dos EUA, uma vez que têm como alvo setores críticos como a tecnologia, o fornecimento de alimentos e as infraestruturas”, alega o documento publicado pela Casa Branca.
Jogo estratégico
Parte de um crescente número de medidas económicas hostis dirigidas à China desde a tomada de posse da nova Administração Trump, o documento surpreendeu analistas e economistas pela inclusão de Macau como um “adversário estrangeiro”, dado o estatuto da região como zona alfandegária autónoma e o seu papel estratégico no setor do jogo. Atualmente, três das concessionárias do jogo em Macau têm ligações aos Estados Unidos, nomeadamente a MGM, Wynn e Sands China. A Melco Resorts & Entertainment Limited, apesar de ter sede em Hong Kong, está também cotada na NASDAQ, uma das bolsas de valores mais importantes dos Estados Unidos.
Não faz muito sentido descrever Macau como um adversário estrangeiro. É um território que acolhe algumas grandes empresas americanas no setor mais estratégico – o jogo
José Sales Marques, economista
José Sales Marques, economista, considera “extraordinária” a decisão e questiona a lógica por detrás da mesma: “Não faz muito sentido descrever Macau como um adversário estrangeiro. É um território que acolhe algumas grandes empresas americanas no setor mais estratégico – o jogo. Estes investimentos são win-win para todos.”
Por outro lado, refere que “a definição das entidades visadas por estas normas muitas vezes não é clara”, dando um exemplo concreto: “Se uma empresa associada a um desses gigantes do jogo americanos em Macau eventualmente decidir investir num desses setores nos Estados Unidos, será classificada como adversário estrangeiro?”
Para o economista, esta classificação para Macau e Hong Kong surge num contexto de crescentes tensões entre os EUA e a China, e reflete uma estratégia de segurança nacional que liga segurança económica à proteção de tecnologia crítica. Um “protecionismo puro e simples”, disfarçado de preocupações de segurança nacional, reflete, vendo medidas semelhantes a serem adotadas pela União Europeia. Contudo, Sales Marques considera que não há registo de investimentos significativos de Macau nos Estados Unidos, o que levanta dúvidas sobre o impacto prático desta medida.
Tarifas nas apostas
Andrew Lawrence, consultor especializado em assuntos da Grande China, alerta que embora a indústria do jogo não seja particularmente sensível a essas restrições, “a imposição de tarifas mais elevadas vai inevitavelmente afetar a base de clientes de Macau”.
O consultor destaca também que o foco desta política está em “enfraquecer o fluxo de propriedade intelectual e investimento nas empresas de tecnologia chinesas”, o que pode colocar “o dólar de Hong Kong sob extrema pressão”.
Um representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China já veio a público criticar a medida dos Estados Unidos, alertando que esta irá prejudicar a confiança das empresas chinesas em investir na América e afetará o ambiente empresarial americano. A China também afirmou que os EUA acabarão por prejudicar os seus próprios interesses económicos e pediu que parassem de interferir no desenvolvimento chinês, prometendo tomar medidas para proteger os seus direitos.“Instamos os EUA a parar de minar os direitos legítimos de desenvolvimento da China. Tomaremos as medidas necessárias para salvaguardar resolutamente os nossos direitos e interesses legítimos.”