“Entre Harris e Trump – uma política convencional e um homem de negócios -, Harris seria, à partida, a candidata mais aceitável [para Pequim], mas a questão é que a China atravessa um período de abrandamento económico, o que fragiliza a posição do Presidente chinês, Xi Jinping”, afirmou Chee Meng Tan, professor de economia empresarial no ‘campus’ da Universidade de Nottingham na Malásia e especialista em política externa chinesa.
Observando que Trump é mais suscetível de impor um custo económico à China, o académico ressalvou que a postura isolacionista do republicano favorece Pequim a nível geopolítico, particularmente na questão de Taiwan.
Durante o seu primeiro mandato (2017-2021), Donald Trump iniciou uma prolongada guerra comercial contra o país asiático, que ameaça intensificar, caso vença as eleições esta semana.
Os democratas optaram por uma estratégia de reduzir as dependências no comércio com a China, mas sem abdicar de manter laços comerciais com o país asiático. “Neste cenário, Pequim pode preferir uma presidência de Harris, uma vez que ela dá margem para negociação”, vincou o académico.
No entanto, a posição de Trump face a Taiwan é “mais do agrado” do Partido Comunista Chinês, que considera a reunificação da ilha, que opera como entidade política soberana desde o final da guerra civil chinesa, em 1949, uma fonte crucial de prestígio e legitimidade.
Trump acusa Taipé de “roubar” a indústria de semicondutores dos EUA e defende que o território deve pagar a Washington pela sua defesa.
Se [Xi Jinping] não conseguir lidar adequadamente com a crise económica, a próxima coisa com que poderá ter de lidar é com Taiwan”, observou Chee Meng Tan, apontando que o líder chinês mais poderoso desde Mao Zedong, o fundador da República Popular, tem atualmente a sua legitimidade “fragilizada”.
“Não creio que vá invadir Taiwan, mas vai ter de mostrar progressos na aproximação do território à China”, vincou. “Como negociador que é, Trump poderá fazer um acordo com Pequim que ponha em causa a segurança de Taiwan”, explicou.
Já Kamala Harris alinha-se com a visão mais “ideológica” e intervencionista da política externa norte-americana, em que os Estados Unidos assumem o papel de superpotência responsável pela gestão dos assuntos internacionais, dentro de um sistema de alianças e parcerias.
A China critica há muito o que considera a hegemonia e a interferência dos Estados Unidos nos seus assuntos internos. O país ambiciona romper com a influência do poder norte-americano na sua periferia, afirmando-se como potência dominante no leste da Ásia.
Vista de Pequim, Taiwan é uma barreira à projeção do seu poder na região, devido à localização geoestratégica entre o mar do Sul da China e o mar do Leste da China, no centro da chamada “primeira cadeia de ilhas”.
Para os Estados Unidos, o maior aliado e fornecedor de armamento ao território, a ‘queda’ de Taiwan abalaria a credibilidade do seu sistema de alianças na Ásia Pacífico, ditando o fim do domínio geoestratégico norte-americano na região.
A ilha tornou-se assim na principal fonte de fricção entre Pequim e Washington. Sob a presidência de Harris, o apoio norte-americano a Taiwan e restantes aliados dos EUA na Ásia deve manter-se ou reforçar-se.
“Julgo que o que a China quer é o que Xi Jinping precisa, essencialmente, porque muito do que se passa na sociedade chinesa gira à sua volta”, descreveu Chee Meng Tan.
“Se as exportações forem uma parte importante do relançamento da economia chinesa, Harris faz mais sentido para Pequim”, disse. “Mas se Xi precisar mesmo de Taiwan para legitimar o seu poder, talvez acabe por preferir Trump”, notou.
Plataforma com Lusa