O espetáculo “Made by Beauty” [Feito pela Beleza], que integrava o cartaz do Festival Fringe, teve a sua primeira sessão a 23 de janeiro, mas foi cancelado logo a seguir. O Instituto Cultural de Macau (IC), responsável pelo Festival, afirmou através da sua presidente, Leong Wai Man, que o conteúdo não estava de acordo com o que tinha sido apresentado na fase de candidatura pela companhia de teatro Miss Bondy’s Utopia.
Essa versão, porém, é contestada por Sarah Sun, produtora de peça de teatro. Ao PLATAFORMA, revela que no dia anterior ao primeiro espetáculo foram obrigados a uma série de alterações por parte do IC.
“Disseram que as drag queens não podiam usar meias cor de pele e pediram-nos para as trocar por pretas. Um dos figurinos tinha dois dragões, e foi-nos pedido para trocar porque os dragões não podiam ser sexualizados, entre outros comentários. Queríamos respeitar os nossos artistas, por isso todas as decisões foram tomadas com cuidado.”
Durante o espetáculo, no dia 23, funcionários do IC também estiveram a “supervisionar” a atuação, tirando fotos e vídeos, algo que, segundo Sun, “perturbou” o público. A companhia já tinha apresentado a mesma peça em Shenzhen no ano passado, sem qualquer interferência ou polémica gerada.
“Tudo no guião era igual”, e até havia endereços “menos provocantes” para a atuação em Macau. “Quando submetemos a candidatura mencionámos que o nosso espetáculo é realizado por drag queens e é sobre pessoas a discutir o conceito de beleza”, diz ao PLATAFORMA.
“No folheto do Festival Fringe, o nosso espetáculos estava indicado como adequado para o público a partir de 18 anos, e foi mencionado que conteria nudez e linguagem explícita e ofensiva para alguns espetadores”, salienta.
Possível abrigo
Jason Chao, um dos fundadores da Associação Arco-Íris de Macau, um grupo de defesa dos direitos da comunidade LGBTQ+, diz ao nosso jornal que é difícil perceber as razões do IC para cancelarem a peça. Até porque se o motivo foi o tema LGBTQ+, então nem sequer deveria ter sido aprovada pelo IC.
Chao defende que a comunidade deve realizar atividades de “pequena escala”, como o Festival Internacional de Cinema “Queer”, para obter um apoio social mais amplo. Organizado em fevereiro do ano passado, o Festival Internacional de Cinema “Queer”, foi o primeiro festival de cinema em Macau dedicado à comunidade LGBTQ+.
“Tanto quanto sei, algumas concessionárias, que estão contratualmente obrigadas a diversificar a economia de Macau (…) convidaram ‘influencers’ assumidamente homossexuais de Hong Kong para realizar eventos em 2023. Este é um bom sinal”, destaca.
“Existe um enorme mercado para as concessionárias de jogos de azar introduzirem mais elementos LGBTQ+ nas suas atividades de entretenimento.”
Espetáculo não parou
Quando a sua inclusão no Fringe chegou ao fim, a companhia de teatro organizou dois espetáculos no café Bookand, no dia 24 e 25 de janeiro. O IC proíbe as equipas de produção de reexibirem um espetáculo do Festival Fringe em Macau durante três meses.
Por essa razão, o grupo criou uma peça diferente para apresentar no Bookand. “Na verdade, os pedidos de alterações do IC no dia 22 e 23 já me tinham alertado, e tendo em conta a possibilidade de cancelamento, um plano de contingência de mudança para um café tinha começado a formar-se na minha mente”, diz Sun.
Segundo a produtora, a primeira atuação no café atraiu 46 pessoas na primeira noite e 85 na segunda. “Com esta pequena ação, podemos lembrar a todos dos riscos que podemos enfrentar. O que gostaria de salientar é que mesmo sem financiamento do IC, podemos encontrar maneiras de lucrar, o que é muito importante. Não devemos desistir de ganhar dinheiro por conta própria”, ressalva.