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Macau: Capitalismo em jogo

Nelson MouraNelson Moura

No seu novo livro ‘Betting on Macau: Casino Capitalism and China’s Consumer Revolution’, o professor Timothy A. Simpson explora o papel de Macau e da sua indústria do jogo na história do capitalismo na China e no mundo

De 2001 a 2022, Timothy Simpson percorre o processo que se iniciou no primeiro concurso público de concessão de jogos – que terminou nas atuais seis concessões – até ao concurso que decorre neste preciso momento, e que determinará os próximos dez anos do setor – e seus principais ‘jogadores’. Durante esse período surgiram resorts integrados ao longo do Cotai, e o número de turistas explodiu em paralelo com o crescimento surpreendente do consumo na China continental.

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Desde que chegou a Macau, em 2001, Timothy Simpson tem acompanhado de perto o desenvolvimento meteórico da cidade na sequência do processo de liberalização do jogo, processo iniciado no mesmo ano da sua chegada.

Estas múltiplas mudanças levaram-no a publicar um livro de investigação centrado nesta explosão económica, agora que abraça a carreira docente como professor assistente da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Macau.

O livro intitulado “Betting on Macau: Casino Capitalism and China’s Consumer Revolution” (Apostar em Macau: Capitalismo de Casinos e a Revolução do Consumo na China), será publicado pela University of Minnesota Press, em abril de 2023, com Simpson a realizar uma palestra pública na Universidade de São José para discutir as principais causas e efeitos desta revolução económica na RAEM.

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“Moro em Macau desde 2001; por isso tive a oportunidade de observar em primeira mão a transformação pós-transferência de Macau no mercado de jogo mais lucrativo da história mundial”, salienta ao PLATAFORMA.

Escrevi vários artigos académicos que analisam tudo, desde os resorts de casino integrados, cafés locais, ‘filas de corda de veludo’, promoções pop-up de conhaque e máquinas de jogos eletrónicos. O meu objetivo tem sido compreender este período contemporâneo de Macau em relação à própria transição económica da China”.

EXPOENTE DO CAPITALISMO

Muito se poderia escrever sobre uma evolução que levou a um crescimento de 10 milhões de visitantes, em 2001, para um recorde de 39 milhões, em 2019, com as receitas da indústria a crescerem de cerca de US$25 milhões para US$41 mil milhões, nesse mesmo período.

Na sua obra, Simpson faz uma análise considerando não apenas os números e figuras da revolução do mercado do jogo local, mas também o contexto histórico e o papel que a cidade desempenhou na própria dinâmica do capitalismo. “Exploro Macau centrando a cidade em dois contextos geohistóricos.

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Primeiro, dentro dos 500 anos de História do capitalismo global. Como porto comercial que liga a Europa e a China, Macau desempenhou um papel crucial nas próprias origens do sistema capitalista global, antes de desaparecer na obscuridade histórica, por vários séculos”.

O investigador salienta ainda que, no momento da transferência de soberania, em 1999, Macau era o último território europeu remanescente na Ásia, com uma “economia moribunda e um ambiente letárgico”.

Contudo, nas duas décadas seguintes, a RAEM transmutou-se no centro máximo da indústria do jogo mundial e, por um breve período, num dos territórios mais ricos do mundo.

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“O ressurgimento económico contemporâneo de Macau foi um produto direto da sua posição numa nova era do capitalismo, caracterizada pela transformação da China pós-Mao, que tornou o país a maior sociedade de consumo do mundo,” aponta.

“Por isso, compreender hoje Macau exige situar a cidade nesse contexto. No entanto, o foco do meu livro é o período pós-transferência de soberania. Exploro os resorts de casino de luxo, as multidões de turistas e os jogos de bacará, que dominaram a cidade nos últimos anos”.

CISNE NEGRO

A publicação deste livro surge numa conjuntura negativa – fenómeno “Cisne Negro” para a cidade – após restrições pandémicas e uma maior fiscalização por parte das autoridades chinesas, que mergulharam as receitas da indústria do jogo e do turismo para mínimos históricos.

O mercado de casinos de Macau terminou 2020 com o menor nível de receitas na indústria do jogo, em 14 anos, arrecadando um total de 7,56 mil milhões de dólares. Apesar de uma ligeira recuperação, em 2021, o reforço das restrições de movimento e o confinamento da cidade leva a outra queda em 2022.

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No entanto, e deixando de lado os recentes infortúnios pandémicos, Simpson explica como a transição económica da China afetou intimamente Macau – e vice-versa – com foco em três fatores principais: a área da Grande Baía, o resort integrado e as máquinas de bacará eletrónico.

A palestra organizada pelo Centro de Pesquisa Xavier para Memória e Identidade da USJ irá também explorar o “sistema nativo” de capitalismo do jogo e a função da cidade numa era emergente do “sino-capitalismo”.

DISPOSITIVO – FOUCAULT

“Com base no ‘conceito de dispositivo’, de Michel Foucault, foco-me na megacidade, no resort integrado e na máquina de bacará, de modo a compreender o papel pedagógico de Macau na produção de cidadãos-consumidores para a economia moderna chinesa”, explica Simpson.

O primeiro conceito explorado envolve a “megacidade da Grande Baía”, que o historiador descreve como “maior espaço urbano do mundo e “o motor da transição socialista de mercado da China – e da economia de casinos em Macau”.

O segundo conceito, resort casino integrado, é uma “forma arquitetónica encontrada em casinos de todo o mundo, mas que foi adaptada ao contexto local de Macau”. Em terceiro aparece a máquina eletrónica local de bacará, o “jogo rei” na RAEM.

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Jogo de cartas italiano tradicional, o bacará foi introduzido nos casinos locais pela Sociedade de Turismo e Diversos de Macau (STDM), a concessionária de Stanley Ho que monopolizou a indústria nos 40 anos antes da sua liberalização.

De longe o jogo mais popular para os clientes dos casinos de Macau, chegou a representar 85 por cento da receita bruta do jogo local, seja em mesas de jogo ou máquinas eletrónicas projetadas especificamente para satisfazer o apostador chinês.

Em finais de setembro deste ano, o número de mesas de jogo no mercado de Macau era de 5.974; com um total de 12.387 máquinas ‘slot machine’.

Só entre julho e setembro deste ano o bacará de massas gerou 3.44 mil milhões MOP, com o bacará VIP a gerar 1.16 mil milhões MOP.

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“A máquina eletrónica local de bacará foi concebida para atrair os jogadores chineses, com o objetivo de eliminar o problema da “volatilidade”, que caracteriza tanto o jogo em si, como toda a economia baseada no bacará local. Analisando estes dispositivos podemos compreender melhor a Macau contemporânea”, conclui Simpson.

Timothy Smith foi um dos fundadores do Departamento de Comunicação da Universidade de Macau (2004-2008). Completou uma licenciatura em jornalismo pela Auburn University, um mestrado em Retórica pela Universidade do Arkansas e um doutoramento em Comunicação e Estudos Culturais pela Universidade da Florida do Sul.

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A maioria da sua pesquisa centra-se em cidades asiáticas; arquiteturas e ambientes de consumo; turismo chinês e práticas de consumo; formas materiais e imateriais de jogos de azar; e abordagens etnográficas da vida quotidiana.

Em 2015 coautorou o livro ‘Macao Macau’ e em 2017 a publicação ‘Tourist Utopias: Offshore Islands, Enclave Spaces, and Mobile Imaginaries’.

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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