Os Censos 2021 revelam que mais de 80 por cento da população é fluente em cantonês, menos 3,8 por cento que em 2011. O número de residentes fluentes em português também diminuiu para os 2,3 por cento. Sulu Sou, ex-deputado da Assembleia Legislativa, e Agnes Lam, diretora do Centro de Estudos de Macau, falaram com o PLATAFORMA sobre o declínio de ambas as línguas, oferecendo soluções para que haja entusiasmo dos estudantes pelas mesmas
Sulu Sou, antigo deputado da Assembleia Legislativa, escreveu uma interpelação à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude onde salientou que antes da transferência da soberania “verificava-se um aumento anual da população que utilizava o cantonês como língua usada maioritariamente em casa”.
Porém, após a transferência, “o respetivo número começou a descer”. Essa preocupação é agora comprovada com a publicação dos Censos 2021: os falantes nativos de cantonês diminuíram 2,3 pontos percentuais face a 2011, ano em que se realizou o último recenseamento em Macau.
O também membro da Associação Novo Macau questionou as autoridades sobre a melhor maneira de investir recursos para elevar a qualidade dos docentes de cantonês e aumentar os cursos desta língua.
“De que medidas concretas dispõe o Governo para evitar a continuidade do agravamento da tendência de cada vez mais alunos não dominarem o cantonês?”, indagava.
Na altura, a resposta da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEDJ) reiterava o facto de “o aumento da população imigrada provocar uma mudança na proporção da língua corrente”. De facto, o número de residentes em 2021 diminuiu para 83,4 por cento – uma queda de 4,4 -, visto que a sua dimensão não acompanhou o crescimento do número de trabalhadores e estudantes estrangeiros, que aumentaram 51,9 e 279,7 por cento, respetivamente.
“Contudo, em 2016, a população em geral que usava o cantonês aumentou para 57.351 pessoas, em relação a 2011. Dos residentes, em geral, com idades compreendidas entre os três e os 19 anos, que estão a frequentar o ensino básico, 87 por cento tem como língua corrente o cantonês. Isto é superior a 80,1 da média dos residentes em geral”, lê-se na resposta da DSEDJ.
Em declarações ao PLATAFORMA, Sulu Sou afirma que os dados dos Censos 2021 não mostram alterações significativas, mas verifica-se “uma tendência negativa”, apesar de se ter registado um aumento ligeiro do domínio da língua em crianças entre os três e os 15 anos – idade escolar.
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“O problema é não vermos nenhuma medida específica a ser implementada pelo Executivo para a promoção do ensino de cantonês”, salienta Sulu Sou, acrescentando que este fator, juntamente com o elevado número de imigrantes a viver e trabalhar em Macau, levou a que várias escolas optassem pelo mandarim como principal língua de ensino.
“Estas circunstâncias, em conjunto com os vários fatores em jogo, criaram a situação atual”, sublinha.
O mandarim é dominado por 45 por cento da população, tendo registado um crescimento de 3,6 nos últimos 11 anos. Também em ascensão se encontra o inglês, falado por 22,7 por cento, com um aumento de 1,6 cento face a 2011.
O antigo deputado considera o declínio do cantonês moderado, mas não quer ignorar a possibilidade de a situação vir a agravar-se no futuro. Daí achar essencial a implementação de ações concretas por parte do Governo onde se “possibilite que os alunos aprendam tanto o cantonês como o mandarim e se tornem proficientes ainda numa outra língua, sendo esta o português ou o inglês”.
“Macau deve garantir ensino do português”
A população fluente em português registou uma queda de 0,1 por cento, sendo que a proporção de residentes acima dos 30 anos e com algum domínio da língua portuguesa cresceu. Já a população que usa o português diariamente sofreu uma queda de 0,59 por cento, tendo reduzido também o número de pessoas com algum domínio da língua, entre os 30 e 50 anos.
Agnes Lam, diretora do Centro de Estudos de Macau na Universidade de Macau, opina que a proficiência linguística da população acima dos 30 anos reflete principalmente o ensino posterior à transferência da soberania.
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Atualmente, no que diz respeito à população entre os três e os 29 anos, registou-se um crescimento na proficiência do idioma, algo relacionado com a promoção de Macau enquanto ponto de contacto entre a China e os países lusófonos desde a transferência. “Acho que esse é o fator mais óbvio e direto”, comenta.
“Na verdade, o número de candidaturas ao Departamento de Língua Portuguesa da Universidade de Macau tem crescido ao longo dos últimos 11 anos, assim como o número de estudantes a escolher o português como principal área de estudo. Este resultado prova o efeito da política de promoção da plataforma”, esclarece.
Como tal, a também deputada acredita que com esta atual política de apostar em Macau como elo de ligação à Lusofonia, a proporção de residentes falantes da língua portuguesa também continuará a crescer.
Além disto, a mesma refere que a população jovem “está disposta a aprender e compreender a utilidade de Macau no futuro”.
“Os mais velhos podem ter tido alguns conhecimentos nesta área, mas podem já não fazer uso dos mesmos porque não os aplicam na sua área de trabalho, mas existem muitas possibilidades”, sublinha.
Agnes Lam acredita ainda ser positivo continuar a promover o ensino da língua portuguesa nas escolas primárias e secundárias, revelando também que é uma característica “muito forte da cidade”.
A docente da Universidade de Macau enaltece a importância do português no ensino básico e secundário, dando conta que tal garante que Macau “é uma cidade diversa”.
“As universidades estão a depender da promoção de Macau enquanto plataforma, por isso é também importante que a população esteja consciente das oportunidades futuras de carreira existentes na área”, especifica.
Por outro lado, os Censos revelaram ainda uma subida de 1,6 por cento na proporção de residentes com proficiência em inglês ao longo dos últimos 11 anos. O académico Keith Morrison publicou um artigo em março de 2021 onde salienta que o nível de língua inglesa entre os estudantes de Macau varia bastante, estando longe do ideal. Apesar disto, o uso do inglês enquanto língua corrente (3,6 por cento) aumentou 1,3 por cento, comparado com os dados de 2011, sendo que algumas universidades utilizam o inglês como língua de ensino.
Agnes Lam admite que o nível de proficiência dos alunos universitários está claramente polarizado e acredita que, caso Macau queira ser um centro urbano internacional, o nível de inglês da população terá de melhorar.
“Até ao momento Macau nunca reconheceu a devida importância à proficiência em inglês, mas acredito que é algo positivo”, refere, explicando ainda que, “atualmente, fala-se na não contratação de tanta mão de obra estrangeira, mas os hotéis continuam a precisar de falantes de inglês”, explica.
“O facto de não possuirmos uma proporção suficiente da população fluente nesta língua era e continua a ser um problema. É importante reforçar o ensino da língua inglesa”, concretiza.