Início Atualidade “Extremamente importante para a preservação da cultura macaense”

“Extremamente importante para a preservação da cultura macaense”

Guilherme Rego

Uma comunidade que se preocupa com a preservação cultural, vê na internacionalização da sua gastronomia uma forma de salvaguardar esse futuro. É nesse âmbito que projetos como as “Receitas Caseiras Macaenses pelo Mundo” ganham relevo, dando a conhecer uma cozinha que teima em ‘sair de casa’

Uma cidade que se quer afirmar como Centro Mundial de Turismo e Lazer, aproveitando o leque variado de oferta gastronómica para esse efeito, vira-se para a culinária local e promove uma das suas marcas distintivas. Macau pertence à Rede de Cidades Criativas da UNESCO, e é nesse âmbito que, no Dia da Gastronomia Sustentável, a Direcção dos Serviços de Turismo celebra a gastronomia macaense – e a sua sustentabilidade.

A comunidade macaense estende-se muito além daqueles que residem em Macau, pois há muito que se vem espalhando pelos quatro cantos do mundo. Nesse contexto, o projeto “Receitas Caseiras Macaenses pelo Mundo” tem por missão documentar receitas, estórias… e perceber como esta gastronomia se adapta e reinventa no estrangeiro.
A diáspora macaense contactada pelo PLATAFORMA tem dificuldades em manter essa originalidade. Seja em Honolulu, Hawai, ou no Rio de Janeiro, Brasil, a oferta alimentar não permite que as receitas mantenham a sua tradição mais pura. Faz-se o que se pode, confessa quem mais saudades tem das receitas aprendidas em família. Mas isso não representa necessariamente um problema. Aliás, pode até ser uma oportunidade, no sentido em que as receitas ganham outra dimensão. Miguel de Senna Fernandes, presidente da Associação dos Macaenses, confessa ao nosso jornal ter sido vítima disso mesmo durante os seus tempos de estudante em Lisboa: “Até fazer um arroz xau-xau era difícil”, recorda entre risos. No entanto, vinca, o importante “é tentar reproduzir ao máximo” as receitas originais.

A recente inclusão da comida macaense na Lista do Património Cultural Imaterial Nacional veio dar um novo ímpeto a esta gastronomia: “É uma herança cultural e intangível de Macau”, salienta a diretora do Instituto Cultural, Deland Leong Wai Man, lembrando que é também uma manifestação clara do “intercâmbio cultural entre o ocidente e o oriente”. A culinária macaense “agora ganhou estatuto oficial”, exalta Miguel de Senna Fernandes. E “isto significa que há uma maior atenção a nível institucional para uma gastronomia que já existia há séculos”, remata.

Leia mais sobre o assunto em: “Fazer da Culinária um ponto de atração para quem nos visita”

Fome de Internacionalização

Para preservar a memória cultural e para garantir a sustentabilidade da culinária macaense, garantindo que essa herança possa ser transmitida aos mais novos, uma das soluções identificadas passa pela sua internacionalização. Contudo, há que resolver o “mistério” que envolve esta gastronomia. Quem o diz é Diamantina do Rosário Coimbra, vice-presidente do Instituto de Formação Turística de Macau.

A sua componente caseira torna difícil a oferta em restaurantes. Essa lacuna pode levar a uma crise de identidade, em que “portugueses pensem que a comida macaense é chinesa, e que os chineses pensem que a comida macaense é portuguesa”. Para colmatar isso, Diamantina Coimbra acredita ser necessário compilar as “reais receitas macaenses” – trabalho que já está a ser desenvolvido pelo Instituto Cultural e pela DST.

Numa segunda fase, recomenda a homegeneização das receitas e, por último, espera que haja uma reflexão sobre como comercializar a gastronomia macaense. Neste capítulo final, sublinha a importância de se pensar na apresentação dos pratos depois de confecionados, para os tornar mais apelativos. A transição de uma culinária caseira para um projeto comercial, explica Diamantina Coimbra, exige alteração de processos.

“Todas as grandes cozinhas começaram em casa”, frisa Miguel de Senna Fernandes, acrescentando que “teve de haver uma evolução” das receitas até que atingissem um público maior. “A comida macaense terá de passar pelo mesmo”, reitera. “O público vai ter se habituar à ideia de que comer minchi é uma coisa absolutamente normal. Aí sim, outros voos virão. Sei que muitos hóteis querem incluir comida macaense nos seus menus, mas a verdade é que não sabem o que é esta gastronomia. Ainda há muita atividade e divulgação a fazer”, reconhece. Por isso mesmo a vice-presidente do Instituto de Formação Turística de Macau considera que “a cozinha macaense não é algo que seja fácil de ensinar pela simples contratação de chefes de renome”. Considera, portanto, ser imperativo arranjar novas formas de dar a conhecer esta culinária: “Acho importante atuar o mais rápido possível e envolver o maior número de pessoas”.

Nessa linha de pensamento, Diamantina Coimbra enaltece a relevância do projeto “Receitas Caseiras Macaenses pelo Mundo”, projeto “extremamente importante para a preservação da cultura macaense”. Opinião, essa, também partilhada pela diretora do Instituto Cultural de Macau, Deland Leong Wai Man, preocupada em garantir que a gastronomia macaense seja “herdada de forma sustentável”. Já Miguel Senna Fernandes elogia “um projeto enorme e que faz muito sentido, especialmente neste nosso período de desenvolvimento”, reconhecendo que “as autoridades, como a DST, por exemplo, arregaraçaram as mangas e estão a fazer um trabalho notável. Diria até hercúleo”. No entanto, para conseguir internacionalizar a culinária macaense, aceita que “terá de perder alguns dos seus traços, sem nunca abdicar das referências originais”.

Sustentável por Natureza

No conceito mais abrangente de sustentabilidade, Miguel Senna Fernandes, afirma que “a ideia de aproveitar o que resta sempre esteve ligada aos macaenses”. É uma característica indissociável dos pratos locais que, historicamente, “eram de grande porte e não eram para se acabar no próprio dia”, lembra.

“Há sempre restos e estes aproveitam-se para fazer outra coisa”. Aponta como exemplo o “Diabo”, prato macaense famoso pelo facto de aproveitar as sobras de uma época festiva. No Natal, a mesa macaense torna-se “uma das mais ricas do mundo”, garante. “Confeciona-se muita coisa, come-se muito, mas também se deixa muito. Como é pecado desperdiçar, as famílias guardam tudo e reaproveita-se para um momento posterior.

Com o tempo, e graças a experimentações, inventou-se este prato”, explica. “Julgo que todas estas gastronomias caseiras por si só já são sustentáveis, porque dão uma nova finalidade aos restos. Esse fator alinha-se com os critérios que a UNESCO defende como um princípio da sustentabilidade: não gastar muito, poupar energia, entre outros… Utiliza-se o velho, recria-se e temos uma coisa nova”, conclui.

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!