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“A consciencialização da sustentabilidade em Macau continua a ser baixa”

Martim FialhoMartim Fialho

O 928 Challenge arranca em outubro e foca-se em instruir empresas e startups sobre o ambiente empresarial da China e dos países lusófonos, através da criação de negócios orientados para a sustentabilidade. Ao PLATAFORMA, José Alves e Marco Rizzolio, coordenadores do evento, destacam as novidades desta edição, bem como o desenvolvimento sustentável de Macau e o papel da Grande Baía no projeto

No ano passado, referiram ao PLATAFORMA que ainda há pouca consciencialização em Macau no que toca à sustentabilidade. Qual a razão por detrás deste fenómeno? O projeto al tera essa mentalidade?
José Alves – O nível de consciencialização em relação ao conceito de sustentabilidade continua a ser baixo, mas há um crescimento que é notório. Isto tem muito que ver com valores culturais, sociais e económicos. Ao nível da educação, as instituições de Macau estão a fazer um bom trabalho e, de uma forma geral, todas estão a colocar ênfase pe
rante a necessidade de uma sociedade e economia sustentável. Há, no entanto, muito por fazer, nomeadamente ao nível da economia e nos hábitos de consumo para a redução dos fatores que podem ter maior impacto, como por exemplo na indústria de construção, reciclagem, e desperdício alimentar.

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Marco Rizzolio – Tem havido um avanço considerável na divulgação e implementação dos indicadores SDG (Sustainable Development Goals) a nível global. Um exemplo disso é a duplicação dos indicadores a serem reportados desde a sua implementação em 2015. Em Macau, concordo que ainda há pouca consciencialização no que concerne a sustentabilidade, sendo que muitas das iniciativas têm surgido espontaneamente pela mão dos cidadãos. Há uma vontade de fazer mais da parte do Governo, mas as ações ainda são tímidas. A partir do momento que temos diretivas específicas e claras sobre sustentabilidade, as empresas terão a obrigatoriedade de as aplicar. Um exemplo muito simples está relacionado com a rede de transportes em Macau, onde ainda há muitos autocarros, táxis, e scooters movidos por hidrocarbonetos, quando existem cidades vizinhas como Shenzhen onde grande parte dos veículos são elétricos há já alguns anos. O 928 Challenge pretende também ajudar modestamente na consciencialização das pessoas em criar mais negócios sustentáveis.

928 challenge Macau
Os dezassete objetivos de desenvolvimento sustentável (SDGs)

Salientaram também a importância da Área da Grande Baía para o projeto. Qual será o papel desempenhado por Hengqin e o que se pode esperar desta zona em termos do seu potencial como hub para empresas?
J.A. – Hengqin é importante em termos de ser um espaço mais generoso do que Macau e ter acesso mais rápido a redes de negócio no Interior da China, mas precisa de oferecer incentivos financeiros mais competitivos em comparação com outras cidades da Grande Baía. Se isso não acontecer, será sempre um hub secundário.

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M.R. – Hengqin pode ajudar na diversificação de Macau. Além do jogo e turismo, existem outros clusters económicos com interesse para Macau que já foram identificados pelo Governo Central, como a Medicina Tradicional Chinesa e Fintech, e que se estão a desenvolver em Hengqin. Mas antes de falarmos de diversificação de uma forma demasiado generalista, como frequentemente se fala em Macau, é necessário compreendermos que este é um processo a longo prazo, talvez décadas. Podemos aprender com outras regiões vizinhas que conseguiram fazer este tipo de transformação económica com sucesso. Por exemplo, cidades como Singapura, Shenzhen e o Dubai começaram praticamente do nada e gradualmente construíram clusters com cada vez maior valor acrescentado. Para isto acontecer, é fundamental a implementação de uma estratégia que envolva a colaboração entre governos, universidades e empresas.

Em termos de aposta na tecnologia, o que é que Macau pode fazer para melhorar?
J.A. – Macau precisa de apostar nos setores já existentes e que são caraterizados pela grande utilização de tecnologia e conhecimento especializado, nomeadamente o setor da saúde e educação. Macau já tem várias infraestruturas e instituições nestes dois setores e precisa de elevar ambos para níveis com maior valor acrescentado. Para compreendermos a que nível estamos hoje na saúde, devemos começar por lembrar que ainda há muitos residentes, normalmente aqueles com maior poder económico, que regularmente ou em situações de emergência, procuram serviços de saúde em Hong Kong ou Banguecoque. Deve-se investir num sistema de saúde que dê confiança a todos. É necessária legislação ao nível dos países mais avançados e incentivos para atrair empresas nesta área. Pode demorar décadas, mas é possível desde que haja visão e vontade. Para o setor da educação, nomeadamente o ensino superior, Macau precisa de aumentar os apoios às universidades para que todas possam desenvolver competências em áreas avançadas de ciência e tecnologia que estejam alinhadas com as necessidades da população e empresas da GBA. Mais importante do que tudo, a saúde e a educação precisam de especialistas. Para os termos, só existem duas opções: desenvolver os talentos que cá estão e/ou trazer talentos de fora. Na minha opinião, a segunda opção é mais rápida e eficaz, pois mesmo para o desenvolvimento de talentos são necessários especialistas não locais. Para isto acontecer, precisamos de uma política de imigra ção mais aberta e que ofereça condições competitivas aos especialistas de fora. Sem isto acontecer, Macau continuará sempre na mediana da Grande Baía.

M.R.- Macau pode ajudar na tecnologia. Um bom exemplo é a exposição BEYOND, que se realizou no ano passado e foi organizado pela Technode. Além dessa iniciativa, Macau poderia ser uma plataforma para a transferência de tecnologia de/e para a China. Por outro lado, temos países como Portugal ou o Brasil com ecossistemas de inovação a crescerem rapidamente.

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Porque é que foi feito este alargamento da competição a empresas? Será um incentivo subtil à diversificação económica da RAEM?
J.A. – A abertura às empresas é uma progressão natural do contacto que fizemos o ano passado com universidades da Lusofonia, nomeadamente em Portugal, Brasil e China, onde muitas universidades têm incubadoras académicas com startups compostas por equipas mistas de alunos e antigos alunos. Há muitas startups criadas por alunos que continuam a ter uma base e afiliação universitária para aproveitar vários tipos de apoio: laboratórios, mentoria, acesso a especialistas, redes de contactos, e até apoio financeiro das universidades. Por esta razão, decidimos criar uma categoria para startups. Pensamos que este ano vão aparecer muitos projetos no 928 através das incubadoras académicas. As startups vão trazer uma dimensão nova ao 928 e um grande impacto para Macau. Esperamos que ajudem a repensar o significado e as oportunidades da diversificação local.

José Alves

M.R. – As ideias de negócio vindas das universidades estão geralmente numa fase inicial, com a pesquisa do produto ou do mercado ainda por desenvolver. Ao contrário disto, as startups já têm um produto ou um serviço existente e disponível no mercado. Estas startups precisam de competições como o 928 para melhorar ideais e conceitos, ganhar
experiência, notoriedade, internacionalização e ter acesso a investidores.

Referiram à Lusa que a competição deste ano irá contar com a participação de 1.600 alunos, ao invés dos 800 da primeira edição. A que se deve este aumento de estudantes universitários?
J.A. – A estimativa é baseada na criação de uma nova categoria para startups. Mas se o número de universidades aumentar, pode ser ainda maior.

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M.R. – O nosso objetivo é dar a conhecer os ambientes de negócio em cada um dos PLP aos estudantes e jovens empreendedores chineses. E pretendemos fazer o mesmo no outro sentido: dar a conhecer a Grande Baía a todos os que estão nos países lusófonos. O conhecimento é fundamental para o desenvolvimento de relações comerciais.

– Que outras novidades terá esta edição?

J.A.- As maiores novidades vão surgir através da rede e parcerias que estamos a desenvolver, nomeadamente a escala do evento e os efeitos de rede que daí vão surgir.

M.R.- A Alibaba Cloud irá oferecer serviços gratuitos para as empresas vencedoras. Também fizemos parcerias com algumas câmaras de comércio que irão ajudar na fase pós-concurso com sessões de business matching com possíveis clientes ou investidores.

Marco Rizzolio

Recentemente têm-se desenvolvido plataformas digitais para incentivar portugueses a estudar na Ásia ou em Macau, e vice-versa. Poderão estas vir a ser um parceiro estratégico?

J.A.- Todas as plataformas que tiverem interesses na área do empreendedorismo serão naturalmente um parceiro estratégico para o 928 Challenge. Por sua vez, o 928 pode proporcionar potenciais mercados e abrir canais para essas plataformas. Como disse anteriormente, as parcerias vão gerar o efeito de rede, e este será talvez o maior fator surpresa, mas não podemos prever exatamente como acontecerá.  

M.R.- Sem dúvida. Contamos muito com essas novas plataformas. Não só com elas como todas as universidades onde se ensina Português na China (mais de 50 universidades neste momento).

Sentem que esta competição pode vir a melhorar os padrões de sustentabilidade dos países lusófonos?

J.A.- Temos que ver isto de duas perspetivas. Por um lado, os países lusófonos apresentam na generalidade bons níveis de sustentabilidade em termos de paisagem natural e recursos naturais, e isto serve como referência importante para a China. Por outro lado, a China é um caso de sucesso em termos de desenvolvimento económico e serve como referência aos países lusófonos para melhorarem sistemas de governança e redução de pobreza. Acima de tudo, o 928 vai permitir que todos os países aprendam mais sobre os dezassete objetivos de desenvolvimento sustentável (SDGs) e de que todos os objetivos são importantes quando estamos a criar uma comunidade global.

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M.R.- A maioria dos países de Língua Portuguesa são fortemente dependentes da exportação dos seus recursos naturais (exceto Portugal e Cabo Verde). Uma maneira de promover o crescimento desses países é apoiar a transformação de uma economia baseada em recursos para uma economia de valor agregado. Esses países precisam de produzir bens e serviços de valor agregado e subir nas cadeias globais de valor. A educação e o empreendedorismo inovador são o caminho a seguir para possibilitar essa transição, e também ajuda a pensar em negócios que não sejam baseados na extração de recursos naturais; mas sim negócios éticos que respeitem o ambiente e as pessoas.

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