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Do outro lado do espelho

Nelson SilvaNelson Silva*

Dezembro é sempre aquela altura do ano em que procuramos a companhia da família, dos amigos, de todos aqueles que de alguma forma são importantes na nossa vida. É um mês que, se nos deixarmos imbuir do espírito natalício, passamos de forma diferente.

Estamos mais cientes dos problemas com os quais os nossos vizinhos se debatem, estamos mais ligados às pessoas da nossa comunidade e sentimo-nos completos por sentirmos essa ligação. É também o mês em que sentimos que somos capazes de fazer a diferença. Por essa razão, o nosso espírito de solidariedade e beneficência vem ao de cima, e as associações que diariamente, dia e noite, fazem esse trabalho de ajuda a quem mais precisa ficam com um impressionante número de voluntários durante o mês de dezembro, apesar de logo após o ano novo muitos desses voluntários acabarem por nunca mais voltar, talvez até ao próximo dezembro.

No entanto, este ano temos visto algo que nos deve preocupar. O número de pessoas que de repente passou a depender de ajuda alheia subiu de forma impressionante. Pessoas com emprego, que são cada vez mais a ter de pedir auxílio a estas associações por não terem como alimentar-se ou às suas famílias. Esta nova situação de vulnerabilidade é algo que ainda não está a ser levada com a devida seriedade, quer pelas entidades competentes, quer pela própria sociedade. A premissa sempre foi a de que quem trabalha terá sustento. No entanto, com o impacto da pandemia na economia portuguesa, essa premissa está tristemente errada. Hoje em dia a realidade é muito diferente porque, apesar dos aumentos do salário mínimo nacional, o aumento dos preços das matérias-primas fez tudo à nossa volta encarecer. E se Portugal já tinha uma média salarial muito baixa em relação à média europeia, a verdade é que o nosso salário mínimo teria de dobrar para conseguir um mero equilíbrio entre o custo de vida e os rendimentos auferidos.

Essa é a nossa nova realidade: quem tem emprego não tem garantia de sustento. Porque não se fala disto? Porque nos custa olhar para a realidade nos olhos e admitir o problema?

O nosso sentido de negação é algo que nos cega e existe para nos proteger. Porém, quanto mais negarmos a realidade, quanto mais acharmos que não é um problema nosso para resolver, mais tarde o iremos fazer. E, entretanto, milhares e milhares de pessoas ficam nas ruas da amargura a terem de trabalhar dois, três, quatro empregos para poderem suportar a família. E, entretanto, a situação alastra. Normalizamos os salários baixos e o poder de compra geral tem um decréscimo acentuado que faz com que menos dinheiro circule na economia, o que fará com que a classe média tenha uma queda que levará o país para mais uma situação de crise de instabilidade financeira. Podemos achar que as nossas decisões ou ações não podem mudar o percurso macro da situação, mas não poderíamos estar mais enganados.

Os próximos anos vão ser de vital importância para o nosso país do ponto de vista humanitário, económico, tecnológico, climático e energético. E a decisão que conjuntamente faremos ao eleger o próximo Governo fará toda a diferença para encararmos com esperança o futuro ou, por outro lado, para abandonarmos a ideia de ter um futuro. O próximo Governo tem de estar preparado para ouvir e trabalhar lado a lado com a oposição, de forma a existir uma governação transversal para o bem comum. Esta nova realidade, que já afeta milhares de famílias em Portugal, não pode continuar a ser varrida para debaixo do tapete. Tem de ser encarada de frente, com soluções ambiciosas e com o fortalecimento do tecido empresarial em Portugal, de combate à evasão fiscal, à corrupção, com tolerância zero para crimes de exploração laboral e tráfico de seres humanos. Só assim conseguiremos encarar o problema de frente, só assim conseguiremos recuperar e progredir. E neste início de 2022, tendo já dezembro ficado para trás, peço apenas uma única coisa: que o espírito de comunidade não se extinga e que no final de janeiro se vote em consciência e com consciência.

*Deputado português do PAN

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