Numa altura em que a pandemia e a crise climática forçam grandes mudanças no modelo de desenvolvimento económico, o Brasil tem capacidade para ser um dos países vencedores. Quem o diz é António Bernardo, presidente da consultora internacional Roland Berger no Brasil, numa entrevista à Folha de S.Paulo.
“O Brasil deveria ser um dos primeiros a atingir a neutralidade de carbono”, começa por referir António Bernardo. Na Europa e na China o prazo definido é 2050, mas o presidente da Roland Berger acredita que o país sul-americano tem potencial para ser um dos primeiros a atingir o objetivo.
No entanto, os investidores “estão ainda céticos sobre o posicionamento do Brasil face a questões de mudanças climáticas e transição energética” e “também veem um sistema político pouco proactivo nestes aspetos”. António Bernardo assinala que este “é o principal desafio do Brasil para a descarbonização” e é preciso criar um consenso nacional em “três ou quatro grandes questões” para ganhar a confiança do mercado.

Uma das questões é que o Brasil “tem de crescer acima dos cinco por cento ao ano nas próximas duas décadas”, aumentando o PIB per capita, que se encontra “quase congelado” há muito tempo.
Existe também a preocupação com a desigualdade, sendo que se o país “não tiver uma classe média forte, será difícil ter um crescimento económico sustentável”. Para colmatar estas deficiências, António Bernardo entende que o Estado tem de assumir um “papel diferente”.
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Para o mesmo responsável, a transição energética e as mudanças climáticas “vão criar novos negócios, onde o Brasil pode ser um player global muito importante”, especialmente no hidrogénio verde.
Abdicar dos lucros em prol de um desenvolvimento mais justo é um dos grandes tópicos de discussão na transição para uma indústria mais sustentável. António Bernardo revelou ter sido confrontado com uma observação de um grupo de empresários, confessando-lhe que “esse modelo [de acumulação] está gasto e acabou. Se não se reduzir a desigualdade, se não for criada uma classe média mais forte e se não houver redistribuição da riqueza, o mercado não se vai desenvolver. Eu senti uma grande abertura, não só das empresas, mas até dos empresários a nível pessoal”, explicou à Folha de S.Paulo.

“Eu vejo uma visão estratégica moderna, com empresários que não só têm o objetivo de enriquecer, mas de contribuir para sociedade. Seria uma pena se o Brasil não conseguisse congregar essas vontades para ter um impacto ainda maior no sistema económico e social”, acrescenta.
Contudo, o movimento empresarial não se está a desenvolver na proporção e na velocidade adequada. “Há pequenos grupos pioneiros, mas é preciso uma dimensão maior. Acho que o embrião está lançado, agora é preciso ganhar corpo”, explica.
Na questão da neutralidade de carbono verifica-se um aumento expressivo nas taxas de desmatamento, algo que “é indispensável” contornar, segundo o presidente da Roland Berger. “Mesmo no agronegócio, as empresas já começam a demonstrar que querem atingir a sustentabilidade. Se não for assim, os produtos [que elas vendem] deixarão de ser aceites”, avisa.
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António Bernardo também menciona o conceito ESG (que mede as práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa), referindo que apenas uma minoria avançou para o modelo. “Ainda falta profundidade”, lamenta, enfatizando também que é preciso “analisar claramente toda a cadeia de valor e entender o que é preciso ser feito para melhorar”.
“Temos de alcançar o próximo nível, que é realmente mexer no modelo de negócio. As empresas com uma verdadeira orientação para a sustentabilidade terão melhor retorno no médio prazo. Os funcionários vão preferir trabalhar com estas e o próprio mercado de capitais vai dar mais apoio”, defende. Neste aspeto, sublinha que o sistema bancário “terá de analisar seus portefólios e ter coragem de não dar crédito ou aumentar as taxas para as empresas que não implementam essa agenda. Os bancos são grandes indutores da transformação das empresas”.
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Comparando o setor privado brasileiro com o europeu, António Bernardo evidencia a clara aposta do Continente na sustentabilidade e transição energética para os próximos 20 anos. Não obstante, “a União Europeia tem ficado um pouco atrás dos Estados Unidos da América e da China, mas agora decidiu que é o momento de liderar em alguma coisa”, especifica.

António Bernardo aponta para Portugal que, em conjunto com Espanha e Itália, vão investir aproximadamente 400 mil milhões de euros em programas de transformação económica e social nos próximos três anos.
“O Brasil está numa fase inicial. Nós vemos algumas empresas mais avançadas e conscientes desses aspetos, mas há um grande gap [lacuna] em relação ao resto das companhias”, conclui.