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Macau tem de ser marca distintiva

Guilherme RegoGuilherme Rego

Macau tem de resolver a falta de coordenação entre os setores público e privado para melhor potenciar o mercado chinês – a âncora da indústria turística. Mas tem também de atrair novas geografias. Glenn McCartney, professor associado da Universidade de Macau em Resorts Integrados e Gestão de Turismo explica que, apesar de ter infraestruturas “de grande nível” para os mercados MICE, Macau ainda não se conseguiu afirmar nessa indústria. Para além de problemas transfronteiriços, estruturas de transporte, e outras. 

O Turismo de Macau é alimentado pela China continental – isso não é segredo. Antes da pandemia assolar o Território, em 2019, cerca de 80 por cento dos visitantes daí vieram, ao passo que outros 18,7 por cento chegaram da região vizinha de Hong Kong. “A realidade é que não temos muitos visitantes internacionais”, começa por referir McCartney, explicando também que a tendência tem-se acentuado ao longo dos anos. Há 13 anos atrás, em 2008, os visitantes oriundos da China continental constituíram apenas metade das entradas em Macau (50,6%), de acordo com os dados disponibilizados pela Direcção dos Serviços de Turismo.  

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Tudo começou na década de 90. Quando a China começou a abrir, as regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong “foram as primeiras a ser beneficiadas”, comenta o académico, reforçando: “Estrategicamente, alimentámo-nos desse mercado e continuámos”.  

No entanto, a aposta no mercado único tem perigos associados. Como o próprio indica, “se acontecer alguma coisa, não há um plano B”. Apesar disso, não deixa de salientar a importância da China para Macau, evidenciando a bolha de viagens estabelecida no contexto pandémico. “Por vezes tivemos mais de 500 mil visitas num mês. Esse mercado [China], apesar de ser limitado para já, conseguiu trazer algum fluxo turístico a Macau, numa altura em que muitas jurisdições pelo mundo se fecharam em copas”, assinala.   

Vai demorar muito mais tempo do que era esperado para diversificar a economia

Glenn mccartney

E a verdade é que a China é um mercado enorme, com cerca de 1,4 mil milhões de habitantes. Não obstante a dependência mencionada anteriormente, o académico assegura que este é um mercado com grande potencial e que permanece inexplorado pela RAEM.  

Por outro lado, existe também a preocupação pela diversificação adequada da economia da cidade. A indústria do jogo representou 55,5 por cento do PIB de Macau e contribui em 80 por cento para a reserva fiscal do Governo local. Glenn McCartney enfatiza o progresso feito na construção de infraestruturas “de grande nível” além do jogo; porém, lamenta o impacto dramático que a pandemia teve neste setor de atividade. Devido ao contexto atual da cidade, o especialista diz que “vai demorar muito mais tempo do que era esperado para diversificar a economia”.  

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Mais importante no período pós-Covid, de forma a atrair novos mercados e consolidar o da China continental, será pintar “uma imagem muito clara de Macau”. Na sua opinião, este é um dos pontos fulcrais que tem falhado na promoção turística da cidade, tanto a nível internacional como regional. O académico explica que os departamentos públicos e as diversas empresas têm percorrido caminhos distintos nesta matéria e que para promover Macau como destino de viagem é extremamente importante haver “consolidação de ideias”. O que se tem feito até agora “não tem a mesma força”, refere, acrescentando que apesar de Macau ser palco de vários eventos, “temos de os ligar com a mesma mensagem”.  

Macau tem de sobressair numa indústria turística muito competitiva

glenn mccartney

Mais relevância ganha esta mensagem devido à evolução da tecnologia e, por conseguinte, “Macau tem de sobressair numa indústria turística muito competitiva”, afirma. Mesmo no mercado chinês, por exemplo, o académico realça que este “tem evoluído na última década em termos de comportamento do consumidor, tendências e viagens”. “Tornou-se mais sofisticado”, reforça. Como tal, o modelo utilizado por Macau para atrair visitantes tem de acompanhar as novas tendências. “Vejo ainda modelos muito tradicionais de publicidade. Devíamos olhar mais para o comércio eletrónico e para as redes sociais. Só assim é que conseguimos comunicar com os consumidores”, atira. Outro fator que menciona é o crescimento da classe média chinesa nos últimos anos, bem como a sua propensão para viajar. “Temos de cativar este grupo”, diz.  

E tudo volta ao mesmo ponto: estabelecer uma mensagem comum. “Macau tem de assumir uma posição. Podemos dizer que temos este e aquele festival, mas dentro dessa comunicação tem de se dizer que a cidade é um destino de viagens bastante acessível, rápido de chegar, etc. Isso tem de ser prioritário e temos de espalhar essa mensagem a nível regional e internacional”, clarifica.  

A título de exemplo, McCartney aponta para o Grande Prémio que, a seu ver, foi financiado pelo Governo por duas razões: mostrar que Macau é uma cidade segura; e que não promove apenas a indústria do jogo. “É uma boa mensagem”, comenta, “mas dentro dessa ideia tem de haver a parte funcional também”; ou seja, “tem de se dizer que Macau é fácil de aceder e é conveniente”.  

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O docente da Universidade de Macau evidencia ainda Singapura como um exemplo de sucesso. A chave? “Baseia-se muito na análise de dados, como indicadores de desempenho e retorno sobre o investimento. Sou um académico, mas também faço consultoria para a indústria. Se me fazem perguntas, tenho de responder com base em dados estatísticos para que possam tomar decisões estratégicos conforme os números”, exemplifica. 

McCartney enfatiza a necessidade de apostar na ideia da conveniência. O conforto passou a ter um papel fulcral na atração de visitantes e “as pessoas não querem filas, querem conveniência”. Por isso, “Macau tem de rever as suas práticas”. Nessa ótica, aponta para a importância da Área da Grande Baía em facilitar as viagens para o Território. Macau tem várias limitações terrestres, e esse contexto incontornável “torna difícil a construção de um grande aeroporto”, reconhece, mas não acredita que os voos diretos sejam impeditivos na atração de novos mercados. “Macau não tem ligações diretas, mas tem laços e possibilidades de estabelecer relações. Temos aglomerados de aeroportos em Zhuhai, Shenzhen e Hong Kong. Podemos aproveitar esta vantagem de vizinhança. Até com Hong Kong podemos fazer mais. Para cada desafio há soluções, desde que trabalhemos para isso”. 

Quanto ao Plano Geral do Desenvolvimento da Indústria do Turismo de Macau, divulgado em 2017 e que estabelece as bases e orientações para o desenvolvimento da indústria até 2030, o professor revela que foi “um documento muito bem feito”, mas que a pandemia foi um obstáculo à sua execução. 

No entanto, acredita que “deveria ser revisto e adaptado à nova realidade da indústria”. Uma visão partilhada pelo Governo, que iniciou a revisão do documento no fim do ano passado.  

Até porque, entretanto, surgiram novas políticas e planos nacionais, nomeadamente a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin. McCartney assegura que será “indiscutivelmente uma plataforma para a diversificação económica e desenvolvimento da indústria turística”. Não obstante, apela novamente ao consenso e planeamento conjunto entre os diversos setores ligados ao projeto. “Já vi autoridades regionais a promoverem com sucesso este tipo de iniciativas. Deve haver esta colaboração na Área da Grande Baía. Mesmo a nível regional, Macau tem de estar bem posicionado, tem de ser distinto e competitivo. Temos um grande potencial”, responde ao PLATAFORMA. 

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Embora não tenha uma bola de cristal, como o próprio indica, não deixa de acautelar as consequências de um mau planeamento. “Se as pessoas estão em Hengqin e vêm ao Cotai Strip, queremos que fiquem nos hotéis locais por algumas noites. Mas Hengqin é muito perto e temos de perceber como vamos trabalhar em conjunto para cada parte tirar benefício. O turista tem de chegar aqui à região e ter uma experiência em vários níveis. Em Hengqin, que é uma ilha enorme, poderão participar em atividades além do jogo, ver paisagens verdes, entre outros. E depois temos o Cotai Strip. Se estiver tudo ligado, com uma mensagem, vai correr bem”, conclui.  

Dependência da China é relativa 

Rob Law, especialista em Turismo Inteligente, defende uma abordagem diferente. Em declarações ao PLATAFORMA explica que; por um lado, Macau já é hoje em dia um centro internacional de turismo e lazer; por outro, a dependência do mercado chinês é relativa: “Um dos fatores mais importantes na escolhas dos destinos de viagem é a localização, por ser mais fácil para os turistas visitarem um sítio mais próximo do que um mais longe”.  

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Sendo na sua tese a proximidade sempre um fator de atração, o académico propõe a qualidade como verdadeiro fator de afirmação: “Se um destino de viagem é bom, então os turistas internacionais virão”, relata; reforçando que para que tal aconteça também importa “continuar a promover as boas razões” para se visitar Macau, para isso “fazendo uso das tecnologias disponíveis, como as redes sociais”. 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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