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Assembleia Legislativa “distante da opinião pública”

Mei Mei Wong, Guilherme Rego e Johnson Chao

A taxa de abstenção nas eleições para a Assembleia Legislativa (AL) atingiu um número recorde desde o retorno de Macau à China. Os votos brancos e nulos ultrapassaram os cinco mil, algo que nunca tinha acontecido. Contactados pelo PLATAFORMA, analistas políticos afirmam que os resultados refletem o descontentamento da população na desqualificação dos candidatos pró-democratas, e expressam preocupação com o facto desta nova Assembleia Legislativa estar, possivelmente, “distante da opinião pública”. Relativamente à identidade política da Assembleia Legislativa, o movimento patriota cresce, tendo menor oposição e mais força para impor os seus ideais.  

Abstenção expressa o descontentamento  

Nestas eleições, participaram 137,279 eleitores. A percentagem de voto foi cerca de 42,4 por cento, bastante inferior à observada em 2017 (57,2 por cento) – menos 14,8 por cento de votos – ou de 2013 (cerca de 55 por cento).   

“É a pior taxa de voto desde o retorno de Macau à China”, observa Éric Sautedé, referindo ainda que desde 2017, o número de eleitores subiu 20 por cento. O professor de ciência política acredita que a maior diferença nas eleições de 2021 passa pela desqualificação dos candidatos pró-democratas. “A ausência de democratas, a abstenção, o triplo dos votos em branco (em comparação com 2017) e os votos inválidos – muitos sob forma de protesto, exigindo sufrágio universal ou escrevendo Sulu Sou, entre outros – marcam estas eleições”, afirma.  

Eilo Yu: A perda de votos por Agnes Lam reflete a grande dificuldade da população de Macau em assumir um rumo centrista, daqui para a frente poderá até seguir a tendência da polarização, com cada vez menos votos ao centro.  

“Não esperava que fosse assim tão alta”, confessa Eilo Yu, referindo-se à taxa de abstenção. O professor associado do Departamento de Governo e Administração Pública da Universidade de Macau explica que “já se esperava que metade dos apoiantes do movimento democrata não votassem” e que a opinião geral é de que a desqualificação dos candidatos pró-democratas teve impacto sobre a taxa de voto. No entanto, esclarece que a abstenção não parece dizer respeito apenas aos apoiantes pró-democratas. Um total de cinco mil votos brancos e nulos, com apenas 132 mil a serem contabilizados para eleger deputados, demonstra que a taxa de voto real ficou apenas nos 40 por cento. “No passado, as taxas de voto rondaram os 50 por cento. A mais alta chegou a 57 por cento (2017). A diferença entre este valor e o atual é de quase 15 por cento, portanto, podemos concluir que o incidente vai além da desqualificação”, aponta.   

Eilo Yu, professor associado de Departamento de Governo e Administração Pública da Universidade de Macau.

A chave está na mobilização de voto  

Com o fim das eleições, a maior parte dos lugares na Assembleia Legislativa continuarão a ser ocupados pelos deputados pró-Pequim nos próximos quatro anos. Dos 14 lugares disponíveis, 11 serão ocupados por patriotas (ver caixa). Em 2017, apenas nove cadeiras eram deste campo político. Sonny Lo, cientista político, explica que “a mobilização foi altamente importante nestas eleições”. Quando se fala de eleger deputados, a campanha eleitoral continua a ser o factor mais relevante, pois “desde que se consiga mobilizar os apoiantes a ir votar, é possível garantir lugares”, remata. Éric Sautedé acrescenta, explicando que estes candidatos dependem largamente do seu “banco de votos” – termo utilizado em ciência política. “As associações tradicionais conseguem mobilizar grandes grupos de eleitores, que votam em quem a associação decidir. A cidade é pequena e existe uma enorme pressão para se manter leal a quem financia e ajuda”, sublinha.   

Sonny Lo: Os membros eleitos por sufrágio indireto vêm da classe média e alta, enquanto os membros eleitos por sufrágio direto são maioritariamente das classes média e baixa. Assim sendo, a discussão na Assembleia poderá não ser tão acesa como dantes, mas em alguns assuntos, ainda existem divergências dentro do campo pró-Pequim.  

Éric Sautedé admite surpresa no número de votos conquistados pela Aliança de Bom Lar. “Receberam mais do que aquilo que esperava”, comenta. Na sua opinião, deve-se ao facto da campanha da União Geral das Mulheres de Macau estar em consonância com o contexto atual da sociedade da RAEM, bem como a presidente da União ser a irmã do Chefe do Executivo, Ho Teng Iat. “Por um lado, podemos dizer que a União compreende melhor a sociedade de Macau; por outro, não se pode ignorar o poder tradicional da lealdade à autoridade”, refere. “O número de votos da União para o Desenvolvimento também aumentou significativamente. Com a pandemia, várias pessoas perderam o emprego ou rendimento, e esta lista recebeu apoio por se alinhar com as preocupações atuais da população”, explica.   

Éric Sautedé, analista político com foco nas regiões de Macau e Hong Kong.

Sonny Lo salienta que, apesar do movimento pró-Pequim parecer uma frente unida, a realidade não é tão simples, pois existem disputas internas relacionadas com interesses. “Os membros eleitos por sufrágio indireto vêm da classe média e alta, enquanto que os membros eleitos por sufrágio direto são maioritariamente das classes média e baixa. A discussão poderá não ser tão acesa como dantes, mas em alguns assuntos, incluindo legislação da indústria do jogo, diversificação económica e cooperação entre Henqgin e Macau, há muito espaço para diálogo. Em relação ao emprego, existem vários conflitos internos no movimento pró-Pequim”, aponta.   

Centro perde votos. Polarização pode agravar  

O Observatório Cívico, representado por Agnes Lam, candidata classificada como sendo de “centro”, perdeu 5861 votos em comparação com 2017. Nas eleições de 2021, foi a única candidata a perder o lugar na Assembleia Legislativa. Para Sonny Lo, é o resultado da abstenção dos eleitores liberais: “Agnes Lam é uma democrata independente que perdeu grande parte dos seus votos, provando que os eleitores que apoiam a democracia e a liberdade escolheram abster-se nestas eleições”.  

Eilo Yu: Se se diz diferente dos tradicionais pró-Pequim, qual a atitude que irá assumir nos assuntos mais importantes? Acho que este mandato poderá provar se o centro é de facto ou não uma “bolha”.  

Eilo Yu também acredita que a perda de votos de Agnes Lam reflete a grande dificuldade da população de Macau em assumir um “rumo centrista”. Daqui para a frente, “a tendência pode passar pela polarização dos votos”, segundo o professor da Universidade de Macau. “Parece-me que a população não apoia quem pretende assumir uma posição de equilíbrio entre os pró-Pequim e os pró-democratas. Com a desqualificação de alguns candidatos, os eleitores centristas podem estar desiludidos com Agnes Lam, esperando uma posição mais rígida”, reflete.    

Sonny Lo, cientista político.

A posição de Agnes Lam na AL foi ocupada por Ron Lam U Tou. Eilo Yu explica que é de conhecimento geral a inexperiência do candidato, mas que quem o elegeu acredita na capacidade do mesmo de equilibrar a Assembleia. Contudo, Eilo Yu diz estar curioso para ver como o deputado irá lidar com os interesses de ambos os lados, enquanto assume uma posição central nos próximos quatro anos. “Vai ser um grande desafio. Se se diz diferente dos tradicionais pró-Pequim, qual a atitude que irá assumir nos assuntos mais importantes?”, questiona, acrescentando que “este mandato poderá provar se o centro é ou não uma bolha”.   

Desequilíbrio numa AL “distante da opinião pública”  

Eilo Yu salienta que 40 por cento dos votos em 2017 foram para as listas democratas, incluindo Agnes Lam, Ron Lam U Tou e Pereira Coutinho. “Se 40 por cento dos eleitores querem que exista maior oposição ao governo na AL, então estas eleições estão distantes da opinião publica, essa é a minha grande preocupação”, diz ao PLATAFORMA.   

Éric Sautedé: A Aliança de Bom Lar recebeu mais votos do que aquilo que esperava (…) Por um lado, podemos dizer que a União Geral das Mulheres de Macau compreende melhor a sociedade de Macau, por outro, não podemos ignorar o poder da tradicional lealdade à autoridade.   

Sonny Lo também menciona que os observadores políticos em Macau têm ignorado as listas de deputados eleitos. Este explica que, antes do retorno de Macau à China, o governador de Macau escolhia chineses para integrar a AL, de maneira a equilibrar o número avassalador de portugueses eleitos por sufrágio direto. “Desde o retorno de Macau à China há cada vez menos portugueses a integrar o Governo. Porém, o Chefe do Executivo não fez nenhuma retificação para equilibrar a situação. Atualmente, o único membro português na Assembleia é José Maria Pereira Coutinho. Não existem também quaisquer legisladores, académicos ou democratas moderados. Se as escolhas do Chefe do Executivo fossem mais alargadas, talvez a AL pudesse ser mais equilibrada”, observa.  

“A Assembleia Legislativa de Macau tem sido altamente subserviente, e só estão aos gritos. Já não espero que resulte em nada de novo”, conclui Éric Sautedé.  

Este ano, o “rei dos votos” – expressão utilizada por Éric Sautedé – foi a Associação dos Cidadãos Unidos de Macau. O cabeça de lista, Si Ka Lon, foi reeleito, acompanhado de Song Pek Kei (2) e, pela primeira vez, um terceiro membro, Lei Leong Wong. A cabeça de lista eleita pela União para o Desenvolvimento, Lei Cheng I, foi reeleita em conjunto com Leong Sun Iok, com o apoio da Federação das Associações dos Operários de Macau. A União Promotora para o Progresso, com o apoio da União Geral das Associações dos Moradores de Macau, elegeu pela primeira vez dois deputados, Leong Hong Sai e Ngan Iek Hang. A Aliança de Bom Lar elegeu Wong Kit Cheng e, pela primeira vez, Ma Io Fong, através da Associação Geral das Mulheres de Macau. A lista da União de Macau-Guangdong, com o apoio da Associação dos Conterrâneos de Kong Mun de Macau, reelegeu Zheng Na Ting e elegeu pela primeira vez Lo Choi In. Já a Nova Esperança, reelegeu Pereira Coutinho e, pela primeira vez, Che Sai Wang. Na sua segunda candidatura, o Poder da Sinergia elegeu pela primeira vez Ron Lam U Tou.  

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