Um homem com um avental azul carrega às costas um cesto de bambu. Ano após ano, entre o céu claro e os campos verdes de arroz, muitos residentes em aldeias levam os filhos consigo para a apanha do pimento.
No sudoeste chinês, nas zonas montanhosas e silenciosas, a paisagem rural está envolta em mistério. Ao longo de milhares de anos, caravanas de cavalos transportaram chá através da Antiga Rota do Chá, fluxo de pessoas e de mercadorias que não só desenvolveu as redes de transportes como também promoveu várias trocas culturais.
A vila de Shaxi – entre Lijiang e Dali – assumiu um papel importante nesta rota comercial, embora a dificuldade de acesso ao local tenha sempre constituído uma barreira. Mesmo não sendo agora isoladas e perigosas, a lentidão de deslocamento não é atrativa no atual contexto de viagens “fast food”. A verdade é que é essa mesma lentidão dá valor à vila, onde a Antiga Rota do Chá sobrevive ao desgaste do tempo.
Na rua Sideng está situado o único mercado restante da antiga rota comercial que ligava o Tibete ao Sudeste Asiático. Em comparação com o espírito de festa de Lijiang e o caos de Dali, a tranquilidade de Shaxi vai ao encontro do que imaginamos quando pensamos na Antiga Rota do Chá. Em 2002, o Governo Popular do Município de Jianchuan cooperou com o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETHZ) num projeto de restauro para proteger a cultura local e garantir um desenvolvimento sustentável, transformando Shaxi num modelo de planeamento para proteção de localidades históricas na China.
No entanto, o país tem vindo a sofrer uma grande expansão ao nível das infraestruturas. E em 2019 começou a ser construído o Projeto de Shaxi da autoestrada Hejianlian, com um total de 19,8 quilómetros. Muitos acreditam que a construção deste projeto irá reescrever a História de Shaxi, marcada por difíceis acessos, e encurtar em grande parte o tempo de viagem entre Shaxi e as localidades vizinhas, reconstruindo uma importante ligação turística na região oeste de Yunnan. Todavia, a construção traz também preocupações. Muitos receiam que, apesar dos benefícios económicos, a autoestrada aumentará também a distância para a atmosfera antiga e calma da localidade.
Uma carrinha de sete lugares atravessa as curvas das estradas que cortam as montanhas; o condutor agarra o volante com calma e confiança. Chama-se Xiao Chen, de 36 anos de idade, e desde o ano passado que trabalha como motorista entre Dali e Shaxi, na senda de uma indústria que tem vindo a crescer ao longo dos últimos anos. Xiao Chen não tem nenhuma opinião particular em relação à autoestrada. O impacto da sua construção não se compara ao da pandemia. “A viagem foi encurtada em meia hora, pois as estradas são mais acessíveis. Talvez agora os meus clientes estejam dispostos a conduzir eles próprios, e só terão de pagar 20 RMB pela portagem.” Já como nativo de Shaxi, acredita que caso a autoestrada impulsione a economia da localidade o seu impacto será positivo. Em relação à possibilidade de vir perturbar a calma de Shaxi, “faz parte do processo de desenvolvimento”, assume.
“Para mim não fará diferença e, se fizer, é porque a estrada atual é muito feia. Parece que dividiu a montanha a meio”, comenta Zhang, dono de um café numa aldeia vizinha de Shaxi. A dois quilómetros de distância, é o café mais procurado da região e um dos pontos turísticos mais atrativos. Zhang acredita que a autoestrada irá trazer mais pessoas a Shaxi; porém, como vive noutra aldeia, isso não terá grande impacto no seu quotidiano. “O negócio já corre bem, não consigo servir mais gente”, explica, mais preocupado com o impacto da autoestrada na montanha.
Parece que são as pessoas de fora quem pior reage ao impacto da construção sobre a paisagem. Uma pensão ao lado de um campo de arroz, enriquecida pela paisagem circundante, é gerida por uma residente de Hong Kong. A senhora Echo Zhang afirma que as pessoas que gostam de Shaxi apreciam o seu sossego e a proteção ambiental. Ao contrário de outros espaços de grande dimensão, para muitos dos gerentes de hotel importa mais recuperar o investimento. Contudo, no seu caso, o objetivo era viver em Shaxi – não era fazer dinheiro. Por isso sempre teve receio da autoestrada. “Antes abríamos a porta e víamos montanhas, cobertas de verde. Agora, em cada seção da autoestrada estão instaladas medidas de combate à erosão do solo, que destroem a beleza da paisagem.”
Echo Zhang reconhece que a autoestrada promove a mobilidade das pessoas; porém, diz, também aumenta o número de visitantes que regressa a casa no próprio dia. “Estima-se que haja um grande crescimento no número de autocarros de empresas turísticas. Embora Shaxi sempre tenha tido algum turismo, fazia parte de rotas menores, com muitos turistas individuais, sem grande afluência dos autocarros de agências turísticas.” Echo está agora mais preocupada com o impacto da autoestrada sobre a natureza do turismo local: “Receio que para atrair turistas sejam criadas mais atrações artificiais, para que valha a pena comprar bilhete.”