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“Macau é para Cabo Verde um parceiro de desenvolvimento”

António Bilrero

Nuno Furtado, delegado de Cabo Verde no Fórum Macau, nasceu em 1976, ano em que o país africano estabeleceu relações diplomáticas com a China. Estudou em Pequim, fala mandarim, e esteve à conversa com o PLATAFORMA à volta de uma viagem que acaba de cumprir 45 anos

PLATAFORMA Cabo Verde e a República Popular da China assinalaram no passado domingo 45 anos de relações de diplomáticas. Qual o significado desta data para Cabo Verde?
Nuno Furtado – Esta data revela-se de grande significado para os dois países, tomando como ponto de partida as relações históricas de amizade e cooperação que datam 25 de abril de 1976, com a assinatura do Acordo de Cooperação e Amizade. O percurso entre os dois países tem sido enaltecido ao longo da história das relações diplomáticas como exemplar e profícuo. Penso que nestes 45 anos que ora comemorarmos devemos não só olhar para os governos, mas destacar que neste percurso, os Presidentes, os governos, as missões diplomáticas na China e em Cabo Verde, os empresários, as associações representativas, a AMICACHI, o Instituto Confúcio-Cabo Verde, a sociedade civil, e as nossas comunidades residentes e estudantil, todos fazem parte desta caminhada, a qual auguramos continuar a fortalecer. Obviamente, que esta análise está sustentada nas intervenções de altos dirigentes de ambos os Estados, com maior capacidade de avaliação, com repetidas manifestações de reconhecimento de que as nossas relações de cooperação são positivas e benéficas e, efetivamente acredito não haver margens para dúvidas acerca do significado que representam esses 45 anos.

– Neste percurso que se aproxima de meio século quais são as marcas mais significativas nesse relacionamento?
N.F. – Permita-me aqui fazer a distinção de dois momentos. Primeiro, destacar que as visitas mútuas de alto nível que tem acontecido ao longo desse percurso revelam-se de capital importância na consolidação das relações entre os dois Estados e, segundo, referir que a República Popular da China, ao longo deste percurso tem sido um verdadeiro parceiro de desenvolvimento de Cabo Verde, apoiando vários projetos estruturantes e setores chaves para o desenvolvimento do país. Podemos fazer referências a vários projetos emblemáticos como o Palácio de Assembleia Nacional, o Palácio do Governo, o Auditório Nacional, a Biblioteca Nacional, a barragem de Poilão, habitações sociais, construção de escolas, o Estádio Nacional, etc.

– Na relação entre um pequeno Estado insular e um gigante continental há, obviamente diferenças de escala. A cooperação tem sido uma constante ao longo destes anos. Qual, quando e onde foi aplicado o primeiro projeto de cooperação lançado por Pequim em Cabo Verde?
N.F. – Tanto quanto sei, o primeiro projeto de cooperação aconteceu nos anos 80 com a construção do Palácio da Assembleia Nacional, na capital, cidade da Praia. Este projeto é considerado pelos cabo-verdianos como um dos projetos mais importantes entre muitos outros, porque representa a casa do povo. É a partir dali que se exerce o poder que emana da nação e tem, igualmente contribuído para o desenvolvimento e amadurecimento da política em Cabo Verde.

– Neste percurso, em que sentido evolui a cooperação entre os dois países. Por onde começou, o que fez, qual o próximo passo?
N.F. – Como já tive oportunidade de referir, a nossa cooperação evolui para uma perspetiva muito positiva e desafiante. Acredito que ela começou a nível político, durante o período de libertação colonial, tendo-se depois, na pós-independência, desenvolvido para um nível mais económico-comercial, e que se caracteriza por ser o modelo tradicional na relação com a China. Temos desenvolvido ações em várias áreas, a nível das infraestruturas, da educação, da saúde, do comércio, das telecomunicações, das energias, da habitação, do desporto, etc. e o próximo passo acredito que será através de uma forte aposta na economia azul, área que a China tem um grande know-how e está disposta a apoiar Cabo Verde nesse processo.

– A igualdade, o respeito e a reciprocidade são princípios basilares no relacionamento entre estados. Todavia, sabe-se que a China tem tido um papel central na cooperação e na ajuda ao desenvolvimento de Cabo Verde. Em sentido contrário, o que tem e pode ainda oferecer Cabo Verde a um gigante como a China?
N.F. – Pessoalmente, e sem querer assumir nenhuma posição oficial, entendo que as relações de amizade e cooperação entre a China e Cabo Verde têm decorrido nessa base de igualdade, respeito e muita cooperação, e assim continuarão a ser. Isso, por si, já representa um grande ganho no quadro das relações diplomáticas. Entendo todavia essa questão mais num plano politico, mas obviamente, que a esse nível poderão haver compromissos, o que é natural na relação entre Estados. Não quero pronunciar-me mais do que isto.

– Neste momento, qual o grande projeto da China em curso em Cabo Verde?
N.F. – O projeto mais importante em curso na cooperação China-Cabo Verde é a construção do novo Campus da Universidade de Cabo Verde. Recentemente, foi anunciada a conclusão e a entrega a Cabo Verde está prevista ainda para este ano. Aproveito para enfatizar que o novo campus da Uni-CV é o maior projeto de assistência da China em Cabo Verde, e perspetiva-se que venha a desempenhar um papel importante na promoção do desenvolvimento do ensino superior em Cabo Verde, bem como, na atração de estudantes do continente africano.

– E ao nível da iniciativa chinesa Faixa e Rota?
N.F. – Pessoalmente, devo dizer que pelas orientações que recebemos do Governo de Cabo Verde relativamente à iniciativa “Faixa e Rota”, a missão é de reforçar a nossa participação junto da mesma e tirar vantagens estratégicas no quadro do nosso desenvolvimento. Recordo que em setembro de 2018, durante o Fórum de Cooperação China-África, os governos chinês e cabo-verdiano assinaram um memorando de entendimento sobre a cooperação do “Faixa e Rota”. Na altura, o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, avançou que a construção da Rota Marítima da Seda do século XXI está alinhada com o plano estratégico de Cabo Verde, relativamente ao desenvolvimento da economia marítima. É neste contexto que foi desenvolvido em cooperação com equipas chinesas estudos de viabilidade da construção da Zona Económica Especial Marítima em São Vicente, a qual, por sinal, está em fase avançada, tendo já o Governo de Cabo Verde aprovado legislação e criado a Autoridade que irá trabalhar na execução do projeto. Mas há ainda outros setores na Faixa e Rota em análise.

– O Nuno Furtado tem a idade das relações diplomáticas entre os dois países. Estudou na China, onde chegou em 1997, é fluente em mandarim e um conhecedor da realidade do gigante asiático. Neste momento é o delegado de Cabo Verde no Fórum de Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum Macau). Como olha e classifica a evolução do país que o acolheu há vai para 25 anos?
N.F. – De forma muito resumida, diria que a China de 1997 quando comparada com a de hoje, é totalmente diferente e para melhor. Quando cheguei em 1997 já era possível sentir o pulsar de um país em crescimento, focado em reduzir a pobreza e em melhorar os índices de desenvolvimento. Era possível observar toda uma dinâmica ao nível da criação de infraestruturas no país, para desenvolver as cidades, a economia, a mobilidade entre provinciais e o bem-estar das pessoas. Atualmente são bastante notórias as transformações nos centros urbanos, principalmente quando vemos antigas aldeias, vilas ou pequenas cidades transformadas em grandes urbes, tudo em 20 anos. É inacreditável. Um exemplo paradigmático foi quando visitei Macau pela primeira vez, em 1998, e tendo regressado em 2017, quase 20 anos depois, registar com muita satisfação a evolução e as transformações na cidade, constituindo-se num Centro Internacional de Turismo e Lazer de referência mundial. Em 1998 fiz a viagem de comboio entre Pequim a Guangzhou, a qual demorou 32 horas. Hoje, o comboio rápido demora oito horas a ligar as duas cidades. Isso é obra. Tudo isso com um impacto visível a nível das indústrias, das novas tecnologias e da inovação, o que faz a China estar numa posição de destaque a nível global.

– Quando chegou a Pequim, Macau ainda estava sob administração portuguesa. Hoje é uma região especial da República Popular da China. É aqui que exerce funções em representação de Cabo Verde. Como vê o papel da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) no futuro das relações entre a China e o seu país?
N.F. – De facto, Cabo Verde procura potenciar o desenvolvimento a partir das vantagens que a localização no oceano atlântico-médio, no cruzamento dos três continentes lhe proporciona. O país possui vantagens competitivas e comparativas únicas nessa região. Além disso, Cabo Verde procura dinamizar ativamente a relação com diversos parceiros de cooperação. Com isso quero dizer que Macau é para Cabo Verde um parceiro de desenvolvimento. E é nesta base que a China e os Países de Língua Portuguesa (PLP) decidiram e bem aproveitar das vantagens que Macau oferece para não só potenciar o respetivo desenvolvimento, através da Plataforma estabelecida, mas também para a partir da RAEM, os PLP reforçarem a ação no sul da China, que por sinal, é onde estão concentradas grandes oportunidades de comércio e investimento. A construção do projeto Complexo de Entretenimento na cidade da Praia, do Grupo Legend de Macau, é um exemplo para os empresários de Macau explorarem as potencialidades nos nossos países. Mas, honestamente falando, é minha opinião que Macau precisa de dar um novo impulso na Plataforma, criando mecanismos que facilitem o estabelecimento de empresas dos PLP em Macau, e apoiar por sua vez as respetivas empresas na internacionalização junto dos PLP. Há muitas diretrizes que estão nos documentos estratégicos que precisam de ser atualizadas e postas em execução, para que Macau tire maior proveito das relações entre a China e Cabo Verde, ou outro PLP. Costumo dizer que nada funciona sem uma estratégia definida, e Macau tem todas as condições para se posicionar dentro da Grande Baia e arrastar os PLP neste grande projeto. Para Cabo Verde, Macau é importante a diversos níveis, além da cooperação político-diplomática, destaca-se a formação de quadros, não deixando igualmente de destacar a existência de uma comunidade residente, que embora pequena, tem uma capacidade de influência e intervenção muito expressiva.

– O que é que o Fórum pode trazer nesse relacionamento, o que já foi feito e qual o papel que está reservado para a instituição para o futuro?
N.F. – O Fórum Macau é um mecanismo que não funciona só por impulso, mas dentro de uma estratégia delineada pelos governos que criaram o mecanismo multilateral, e neste contexto Cabo Verde deverá posicionar-se no quadro dessa diversidade. Apesar de o Fórum de Macau ter já feito um percurso de 18 anos, a verdade é que os desafios para apresentar melhores resultados continuam. Neste momento continuamos a trabalhar dentro de um Plano de Ação 2017-2019, que já não se adapta aos novos desafios, nem da RAEM, nem da China, nem dos PLP. O Fórum Macau continuará sempre a desempenhar um papel fundamental no quadro da cooperação intergovernamental focado nas ações de promoção, atração e complementaridade, aliás condição sine qua non para a respetiva afirmação e vocação. Portanto, a abordagem para os próximos anos deve ser repensada no contexto da situação pandémica e na pós-pandemia. Significa que na próxima Conferencia Ministerial, que esperamos se realiza tão cedo quanto possível, possa dotar o Fórum Macau de novos instrumentos de intervenção para impulsionar a sua missão e os desafios futuros.

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