Os indicadores e os impactos das alterações climáticas agravaram-se em 2020, um dos três anos mais quentes de sempre, e a pandemia de Covid-19 abrandou a economia mas não as concentrações de gases, alerta um relatório divulgado na passada segunda-feira
O documento, da responsabilidade da Organização Meteorológica Mundial (OMM), uma agência das Nações Unidas, foi divulgado pelo secretário-geral da ONU e pelo responsável da organização, Petteri Taalas, e deixa um aviso a todos os países.
“A tendência negativa do clima continuará durante as próximas décadas, independentemente do nosso sucesso na mitigação. Por conseguinte, é importante investir na adaptação. Uma das formas mais poderosas de adaptação é investir em serviços de alerta precoce e em redes de observação meteorológica”, alertou.
De acordo com os dados de 2020, a pandemia de Covid-19 e o consequente abrandamento económico fez diminuir temporariamente as emissões de gases com efeito de estufa, mas tal não teve um impacto percetível nas concentrações atmosféricas.
Nos últimos dois anos, refere o relatório, as concentrações de gases com efeito de estufa continuaram a aumentar e a concentração de dióxido de carbono (CO2) seguiu também os mesmos padrões de aumento. A Covid-19 só fez piorar a situação de milhões de pessoas já a braços com os riscos climáticos, pelas recessões económicas, pelas perturbações no setor agrícola, pelo aumento da insegurança alimentar e o atraso na prestação de ajuda humanitária.
Em resumo, diz a OMM, além da Covid-19, o ano 2020 foi marcado pelo aumento da temperatura da terra e dos oceanos, pela subida do nível do mar, pela continuação do derretimento do gelo permanente e recuo dos glaciares e pelas condições meteorológicas extremas. Tudo isso teve impacto no desenvolvimento económico, nas migrações, na segurança alimentar, e nos ecossistemas terrestres e marinhos.
O ano passado foi um dos três anos mais quentes da década 2011-2020, que foi também a mais quente de que há registo.
Petteri Taalas lembrou que foi há 28 anos que a OMM fez o primeiro relatório sobre o estado do clima (1993) para dizer a seguir que, apesar dos avanços de informação e tecnológicos, a mensagem continua a mesma, de preocupação com as alterações climáticas.
Todos os indicadores, sublinhou, “realçam uma mudança climática incessante e contínua, uma ocorrência e intensificação crescentes de eventos extremos, e perdas e danos severos, que afetam as pessoas, sociedades e economias”.
Para o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, o relatório agora apresentado mostra que não há tempo a perder, que o clima está a mudar e que os impactos já são demasiado pesados para as pessoas e para o planeta.
“Este é o ano para a ação”, disse, instando os países a comprometerem-se a serem neutros em emissões de CO2 até 2050, apresentando antes da próxima cimeira sobre o clima (COP26), em Glasgow, planos “ambiciosos” para que as emissões globais sejam reduzidas em 45%, comparando com 2010, até 2030.
“E precisam de agir agora para proteger as pessoas contra os efeitos desastrosos das alterações climáticas”, avisou António Guterres.
O relatório faz uma análise da situação em várias áreas, uma delas os oceanos, que absorvem cerca de 23% das emissões de CO2 emitidas pelos humanos, mas que devido a esse CO2 se acidificam e que também por isso perdem capacidade de absorção de CO2 da atmosfera. E esse processo continuou em 2020, afetando a vida marinha, os ecossistemas e a pesca.
“O oceano também absorve mais de 90% do excesso de calor das atividades humanas”. Mais de 80% da área oceânica sofreu pelo menos uma onda de calor em 2020. E o nível médio global do mar continuou a subir no ano passado, lê-se no documento.
Mas o ano passado deixou outras marcas, regista o relatório. Chuvas anormalmente fortes e inundações em grandes partes de África e Ásia, seca severa na América do Sul, temperaturas anormalmente altas na Sibéria, os maiores incêndios alguma vez registados nos EUA. Recordes de temperaturas nas Caraíbas, Austrália, Israel, Kuwait e Iraque, o Atlântico Norte a ter o maior número de furacões de sempre, etc.
No ano passado mais de 50 milhões de pessoas foram duplamente atingidas por catástrofes relacionadas com o clima e pela Covid-19, com as tempestades a provocarem desalojados e deslocados e a ajuda a ser dificultada devido à pandemia.
Como consequência das alterações climáticas, da pandemia ou de conflitos aumentou a insegurança alimentar e foram quebradas cadeias de abastecimento.
O FMI, citado no documento, admite que a recessão global provocada pela pandemia pode afetar as políticas de mitigação das alterações climáticas. Mas fala de oportunidades para “colocar a economia numa trajetória mais verde”, que pode apoiar o PIB e o emprego e ao mesmo tempo limitar o impacto das alterações climáticas.
O relatório antecede uma cimeira virtual de líderes mundiais sobre o clima, organizada pelo Presidente dos EUA, Joe Biden, para juntar esforços das principais economias no sentido da redução de gases com efeito de estufa e do cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris.