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Cabo Delgado: Um ano após a primeira ocupação, o desejo de regressar a casa

Um ano depois de ter fugido da primeira ocupação de Mocímboa da Praia, em Cabo Delgado, norte de Moçambique, a vida de Maria Maulana, 52 anos, chegou a um beco sem saída onde reina a fome.

“É fome”, diz ao apontar para aquilo que tem para servir à família, sete pessoas, adultos e crianças, com que mora numa pequena casa precária em Pemba: “Levas cinco folhas de mandioca, cozinhas e comem”.

Houve dias em que vendia bolos à beira da estrada, mas largou o negócio por causa de desentendimentos com as autoridades e deixou de conseguir um centavo que seja para comprar comida.

Um ano depois da fuga, o que Maria Maulana quer é paz.

Diz que seria como ter um bilhete de regresso à vila, ao chão que lavrava para fazer crescer comida sem pensar nos centavos, um retorno a todos os cantos que conhece e a que chama sua terra.

“O que interessa é acabar com esta guerra e irmos comer mandioca em casa”, diz, determinada.

Maria Maluana deixou tudo para trás na noite de 22 para 23 de março de 2020, no ataque a Mocímboa da Praia, a primeira de uma série de ocupações armadas de vilas sedes de distrito de Cabo Delgado por rebeldes que deram origem à maior vaga de deslocados internos desde o início do conflito.

Até então havia 156.400 deslocados ao cabo de dois anos e meio de ataques, sobretudo contra povoações remotas, enquanto hoje rondam quase 700.000, quatro vezes mais.

Depois do ataque a Mocímboa, 2020 tornou-se no ano de grande escalada de conflito, em que metade das vítimas são crianças e jovens, reflexo da pirâmide etária do país.

A organização não-governamental (ONG) Save The Children acrescentou na terça-feira o detalhe dramático de Elsa, mãe de 28 anos, que viu o filho de 12 ser decapitado num ataque à aldeia onde vivia.

Na sexta-feira, representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) confessavam-se chocados ao ouvir ‘in loco’ “tragédias humanas inacreditáveis”.

No início do mês, a Amnistia Internacional reforçou com um relatório recheado de testemunhos a denúncia de violações dos direitos humanos por todos, incluindo forças moçambicanas e mercenários que combatem os rebeldes – acusações desmentidas pelas autoridades.

As forças moçambicanas mostram resultados: garantem estar a ganhar terreno e pelo menos, até agora, as incursões de rebeldes parecem estar abaixo daquilo que foi o registo de há um ano.

Omar Chingo, 30 anos, faz parte daqueles que em março de 2020 fugiram da vila para Pemba, a maioria por mar, em travessias que duraram dias, em barcos sobrelotados, sem condições nem dignidade.

Tal como Maria, hoje tenta esquecer a fuga e a violência e fala antes do pequeno negócio de venda de crédito para telemóvel com o qual a vida avançava, “pouco a pouco”, em Mocímboa da Praia.

“Agora, aqui… é difícil”, e assim resume a vida após a fuga.

Tem abrigo numa minúscula habitação precária alugada com dinheiro que na maior parte das vezes nenhum dos sete ocupantes consegue ganhar nem para comer: “Dinheiro? Hoje tem, amanhã não”.

“Estamos a pedir ao Governo para essa guerra acabar de vez, porque aqui é difícil” e é um lugar de sofrimento de cada vez que pensa “em todos os que perderam a vida” – e que já foram mais de dois mil desde 2017.

Maria Maluana conta que quando chegou a Pemba havia apoio alimentar, uma ajuda que “saciava”, que ajudava a “esquecer” as dificuldades, mas desde outubro a situação piorou: “Não estou a conseguir nada. Nem comida”.

As Nações Unidas têm alertado para um subfinanciamento das operações humanitárias em Cabo Delgado, com reflexo na distribuição de comida e outros itens essenciais, como roupa e abrigo.

Sem um reforço, a crise poderá prolongar-se, mesmo que as forças moçambicanas tenham sucesso na repressão dos grupos armados, alertam os especialistas no terreno.

“O Governo havia de nos libertar desta situação para voltarmos para casa”, diz Maria, até porque “não há de conseguir sustentar [todas] estas pessoas”.

Mas para já, tanto ela como Omar esperam por garantias de segurança para poder pelo menos sonhar com um regresso a Mocímboa da Praia.

Segundo o mais recente relatório da ONU sobre constrangimentos e insegurança na região, os distritos de Mocímboa da Praia e Muidumbe, bem como partes dos distritos de Palma, Macomia e Quissanga, “permanecem inacessíveis para parceiros humanitários devido à insegurança”.

No final de 2020, a proximidade de ataques fez com que a petrolífera Total retirasse o pessoal do recinto de construção do complexo de exploração de gás natural de Afungi, no distrito de Palma, o maior investimento privado em curso em África, da ordem dos 20 a 25 mil milhões de euros.

O ministro dos Recursos Minerais e Energia, Max Tonela, disse na quinta-feira à Lusa que o regresso ao trabalho está para breve.

Há um ano, em março de 2020, os insurgentes armados ocuparam Mocímboa durante um dia e 48 horas depois mais rebeldes invadiam outra sede de distrito, Quissanga, com a bandeira do grupo Estado Islâmico (EI).

Foi ali que um alegado militante ‘jihadista’ a falar português gravou uma mensagem em vídeo, distribuída nas redes sociais, em que justifica os ataques com o objetivo de impor uma lei islâmica na região.

Foi a primeira mensagem divulgada por autores dos ataques.

Tal como esta, outras incursões foram reivindicadas pelo EI, mas delimitadas entre junho de 2019 e novembro de 2020, deixando em aberto o debate sobre a real origem e motivações dos rebeldes.

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