O presidente do Peru, Martín Vizcarra, foi salvo nesta sexta-feira (18) de ser destituído pelo Congresso ao encerramento de um julgamento político, após a oposição não conseguir angariar os votos necessários para tirar o mandatário do poder.
Após um debate no plenário de 10 horas, somente 32 legisladores votaram a favor do impeachment, 78 foram contra e 15 se abstiveram, resultando no arquivamento do caso.
Os adversários de Vizcarra precisavam de 87 votos (dois terços do Congresso) do total de 130 para derrubar o atual presidente.
“Não foi aprovado o pedido de destituição e, por consequência, foi arquivado”, declarou após a votação o chefe de Congresso, o opositor Manuel Merino, que teria assumido o poder caso o julgamento contra Vizcarra tivesse prosperado.
O resultado da votação não foi uma surpresa. A imprensa peruana antecipava durante o dia que a oposição radical não tinha os votos necessários para tirar do poder o popular presidente, que carece de partido e bancada legislativa.
“Quero agradecer a todos os senhores congressistas, porque sobrepuseram seu espírito democrático e apostaram na estabilidade e no povo”, declarou o chefe do gabinete ministerial, Walter Martos, à rádio RPP.
Vizcarra foi ao Congresso -embora não fosse obrigado por lei- ao lado do advogado, Roberto Pereira, para apresentar sua defesa.
“Não fujo, nunca o fiz e não o farei agora”, declarou ao plenário Vizcarra, um engenheiro provinciano de 57 anos e sem laços com a elite política e econômica de Lima.
Em seguida, o presidente foi embora e deixou seu advogado fazer a defesa em uma sessão plenária acompanhada via videoconferência pela maioria dos parlamentares devido à pandemia da covid-19.
“É evidente que este caso sofre de uma classificação elementar mínima dos fatos”, afirmou Pereira em sua argumentação.
Contudo, a legisladora conservadora María Teresa Céspedes declarou apoiar a destituição porque “o presidente mentiu para o povo”.
Mais de 70 parlamentares discursaram durante o debate prévio à votação.
Vizcarra corria o risco de ser destituído pelo Congresso a 10 meses do término de seu mandato e ter um destino semelhante ao de seu antecessor, Pedro Pablo Kuczysnki (2016-2018), que também foi forçado a renunciar sob pressão do Parlamento. Vizcarra foi seu vice-presidente e o substituiu em março de 2018.
O atual presidente foi acusado de incitar duas assessoras a mentir em uma investigação sobre os contratos de um cantor, de acordo com áudios vazados.
Oito dias
Enquanto o processo que conduziu ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016 demorou oito meses para se concretizar, Vizcarra foi julgado pelo Congresso oito dias após o surgimento dos áudios.
“A rapidez com que este processo está sendo realizado reflete uma crise das instituições, o que desacredita ainda mais o sistema democrático perante o povo”, disse à AFP o analista político Augusto Álvarez Rodrich.
O Tribunal Constitucional rejeitou na quinta-feira a suspensão do julgamento, mas concordou em esclarecer – em cerca de dez semanas – os requisitos para o Congresso declarar a “incapacidade moral” de um presidente, não especificados pela Carta Magna.
O Congresso decidiu há uma semana julgar Vizcarra por 65 votos a favor e 36 contra, além de 24 abstinências, no dia seguinte ao vazamento dos áudios.
Nessa luta não há diferenças ideológicas, já que tanto o presidente quanto a maioria parlamentar são de centro-direita, e o manejo dos grandes problemas do Peru não está em discussão: a pandemia e a recessão.
Tudo parece ser uma mera disputa pelo poder quem tem o contrato do cantor como pretexto, segundo analistas e cidadãos comuns.
“O grosso da população basicamente gostaria de virar a página sobre este incidente”, disse o analista político José Carlos Requena à AFP.
“Ninguém ganha
Após se manifestar no Congresso, Vizcarra empreendeu uma visita de trabalho à cidade de Trujillo, no norte do Peru, enquanto os parlamentares decidiam seu destino.
Em Trujillo, urgiu os parlamentares a “pensar nas deficiências da região para trabalharmos juntos para forjar o desenvolvimento”.
Apesar dos áudios comprometedores, oito em cada dez peruanos queria a permanência de Vizcarra no cargo e, embora 41% das pessoas considerem “incorreta” a conduta do presidente, não a definem como “grave”, segundo uma pesquisa realizada pela consultoria Ipsos.
“Aqui ninguém ganha, o Executivo e o Congresso perdem porque as pessoas percebem que há dois poderes do Estado na disputa política enquanto há uma pandemia que mata peruanos e um desemprego assustador que só vai se recuperar em cinco anos”, disse Álvarez Rodrich