A fome pode matar mais gente no mundo que a covid-19, neste ano de 2020.
O povo diz: “não há fome que não dê em fartura”. Desta vez enfrentamos as duas coisas. Fome e fartura.
Projeções citadas pela agência Bloomberg, há poucos dias, indicam que a falta de alimentos vai provocar mais mortes, ainda este ano, do que a covid-19. No final do ano pode haver 12 mil pessoas a morrer à fome diariamente por causa dos efeitos da pandemia, mais do que as mortes provocadas diretamente pelo vírus.
O que é mais caricato é que isso acontece quando há excedentes globais de alimentos, que não se conseguem escoar. Ou porque os circuitos de escoamento não funcionam ou porque as rotas de abastecimento sofreram drásticas alterações. Basta pensar no número de restaurantes fechados para perceber melhor que quem cultiva tem menos a quem vender.
Claro que as pessoas continuam a consumir em casa, à exceção dos milhões de desempregados que a pandemia provocou. Esses estão hoje muito longe dos padrões de consumo a que estavam habituados.
Em 2020 haverá 132 milhões de pessoas a passar fome no mundo, mas, pelas previsões da ONU, a crise far-se-á sentir pelo menos até 2030, ano em que, estima-se, serão 909 milhões os subnutridos. Um número que no cenário pré-Covid se situava mais abaixo, nos 840 milhões.
A covid-19 expôs ainda mais as desigualdades definindo brutalmente quem tem e quem não tem direito a comer.
Esperemos que a vacina – pela qual todos aguardamos – não venha agravar o cenário para os que morrem sem alimentos. Até porque contra a fome…ninguém espera pela vacina.
P.S. – Há 5 anos, Alan Kurdi, com dois anos, fugiu da Síria com os seus pais e o seu irmão. Vestia uma camisola vermelha e uns calções azuis. Foi assim que o vimos vestido, quando deu à costa numa praia europeia do Mediterrâneo. A fotografia correu mundo…
Em cinco anos morreram mais de 10 mil pessoas que atravessaram o mesmo mar em busca de uma vida. Só este ano já morreram 558.
*Diretor do PLATAFORMA