Início Entrevista “Em casa tinhamos um pouco de tudo”

“Em casa tinhamos um pouco de tudo”

Guilherme Rego

Sónia Palmer é proprietária e ex-chef do Riquexó, um restaurante especializado em comida macaense e que, em tempos, foi palco dos ensaios do Dóci Papiaçám di Macau, um grupo que tenta manter viva a língua Patuá, nativa de Macau. Pode dizer-se que Sónia Palmer não tenta manter apenas as tradições culinárias locais, mas também toda a cultura adjacente, sendo que a chef é uma das fundadoras do grupo.

“O Riquexó era um estabelecimento de comida que pertencia a uma amiga. Entretanto, foi viver para Portugal. O meu marido disse-me que devíamos assumir a responsabilidade. Ele não percebe nada de cozinha, portanto tive de acarretar esse departamento. A minha mãe também me ajudava. Foi assim que comecei esta aventura”, lembra.

Na família, a cultura gastronómica era rica. “Em casa tinhamos um pouco de tudo, a comida macaense e portuguesa eram as mais presentes, mas também entrava um pouco da chinesa. O meu avô era natural de Viseu, daí a comida portuguesa ser tão influente na familiar”, explica.

A cozinha entrou na vida de Sónia por necessidade. “Nem ligava muito à cozinha. Só quando fui viver para Inglaterra, onde não tinha empregados, é que comecei a cozinhar para a família. Era muito interessante praticar as receitas da minha mãe. Quando era nova ela repetia vezes sem conta que eu tinha de aprender, mas nunca lhe ligava”, recorda.

Relativamente a competições, Sónia Palmer participou em várias por todo mundo. “Já estive envolvida nesse tipo de eventos, mas sempre com a minha mãe. Estive em Portugal, Malásia e Singapura. Foram iniciativas promovidas pelo Governo da RAEM. A receção foi sempre boa. Fiquei com a sensação de que as pessoas, antes das competições, não conheciam a nossa gastronomia. Em Portugal, especificamente, os pratos principais correram bem. Nas sobremesas nem tanto. Lá, os doces têm muito açúcar. Uma vez, alguém perguntou à minha mãe se se tinha esquecido de pôr açúcar”, graceja.

“As diferenças entre a gastronomia portuguesa, chinesa e macaense são várias. Em síntese, em Portugal não se utiliza molho de soja nem pasta de camarão, ingredientes típicos nas outras duas. Na macaense, usamos azeite e chouriço português, que não se encontra na chinesa”, distingue.

A chef não gosta de grandes complicações quando cozinha. “Gosto de fazer pratos simples. Receitas complexas, que demorem muito tempo, não vão de acordo com a minha personalidade. Não tenho pratos de assinatura, mas gosto de confecionar Porco Balichão Tamarinho, Minchi e o Tacho. Este último resulta melhor no Inverno, porque no Verão é muito pesado”, remata. 

Quais são os pratos que mais vendem no restaurante? “O prato mais apreciado no Riquexó é o minchi e depois o caril de frango. O minchi é sempre único, todas as famílias têm a própria receita. Uns gostam com molho de ostras, outros acrescentam ervilhas, enfim. O formato mais tradicional tem duas espécies de molho de soja e um pouco de melaço. O caril de frango macaense é diferente do indiano. As pessoas têm a perceção de que o caril tem obrigatoriamente origens na Índia. Não é verdade. Na gastronomia macaense não leva gordura ghee. Nós cozinhamos com àgua de côco. 

“Ultimamente temos introduzido alguns pratos chineses, como o Peixe em Banho Maria, vegetais salteados à moda chinesa, entre outros. Fizemos essas adições para oferecer maior variedade ao cliente, que pode não gostar particularmente das escolhas tradicionais do restaurante. Assim temos sempre hipóteses diferentes”, diz.

São conhecidas as dificuldades que a gastronomia local enfrenta, no entanto, Sónia sente que há um progresso contínuo na expansão da marca macaense. “Há uns anos atrás a nossa gastronomia era pouco conhecida. Com o passar do tempo foram abrindo mais restaurantes focados em dar a conhecer a cultura culinária de Macau. Gente nova começou a interessar-se pelos pratos e a divulgação ficou mais forte. Adiciona-se a estes componentes os restaurantes estarem bem situados e organizados”, diz.

“Há muitos jovens a cozinhar bem, mas a indústria está complicada. As rendas são muito altas, a despesa em staff, a compra dos produtos, etc. Não é nada fácil. Macau não convida muito à abertura de novos restaurantes por parte dos mais novos”, acrescenta.

As instituições governamentais assumem um papel preponderante no crescimento do panorama culinário local. Palmer reafirma a importância das entidades oficiais na divulgação, mas lança um apelo à reorganização das estratégias executadas até agora. “O Governo também procurou promover a comida macaense, mas não concordo com os métodos. Foram angariar clientes no exterior. Tentaram em Itália, por exemplo. Na minha opinião, devia haver uma promoção mais focada no interior. Sustentar o negócio com clientes locais é a solução”, conclui. 

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