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A crise política que nunca mais acaba

Depois de quase três anos de impasse político, o futuro imediato de Timor-Leste continua incerto, com o país à espera de uma decisão final que desbloqueie o Governo, o Orçamento Geral do Estado (OGE) e, consequentemente, a economia nacional.

O primeiro-ministro, Taur Matan Ruak, anunciou terça-feira ter apresentado a demissão ao Presidente da República, Francisco Guterres Lu-Olo, no dia anterior. Até ao fecho desta edição, o gabinete do Chefe de Estado, Francisco Guterres Lu-Olo, não tinha confirmado, oficialmente, a entrada do pedido de demissão.

Este ato, lembrou então Taur Matan Ruak, só é válido depois de decretado pelo Presidente da República.

Depois da estabilidade política e da bonança económica que o país viveu entre 2014 e 2016, a situação no país tem saltado de impasse em impasse político, com as instituições e a Constituição a serem testadas.

Quase no final de mais dois meses de duodécimos – o Governo é a principal fonte da economia e o regime duodecimal serve apenas para gestão limitada – e depois de o país viver assim quase todo o ano de 2018, permanecem as dúvidas sobre como a situação será solucionada.

Os problemas começaram depois da vitória por pouco mais de mil votos da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) nas eleições de 2017, pondo fim a um relacionamento estável entre o partido histórico e o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) de Xanana Gusmão.

A estabilidade tinha levado a anos de consenso parlamentar, inclusive em torno do orçamento, e tinha permitido a eleição do atual chefe de Estado Francisco Guterres Lu-Olo – ainda presidente da Fretilin, mas endossado na campanha por Xanana Gusmão.

Tensas negociações levaram, no limiar, a que a Fretilin acabasse por formar um Governo minoritário que desde logo enfrentou uma oposição maioritária que travou orçamento e programa do Governo.

Lu-Olo acabou por optar por eleições antecipadas e a coligação que nasceu no parlamento por oposição à Fretilin, apresentou-se com novo nome – Aliança de Mudança para o Progresso (AMP) – nas antecipadas de 2018.

Formada pelo CNRT, de Xanana Gusmão, pelo Partido Libertação Popular (PLP) de Taur Matan Ruak e pelo Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO), a AMP venceu o voto de 2018 com maioria absoluta. Mas essa maioria não trouxe estabilidade.

Lu-Olo recusou dar posse a grande parte dos membros indigitados por Taur Matan Ruak – o próprio Xanana Gusmão e outros membros do partido recusaram ser empossados em solidariedade – e o Governo acabou sem grande parte dos ministros e praticamente sem a presença do maior partido.

Os meses foram passando, Lu-Olo permaneceu intransigente e as tensões na coligação cresceram, com fortes críticas internas, problemas crescentes na relação entre CNRT e PLP, e fraturas no seio do próprio PLP.

A tensão aumentou, por uma sucessão de problemas na gestão do Governo e de vários Ministérios e tornou-se mais pública no debate do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2020.

Taur Matan Ruak foi forçado a retirar o OGE no segundo dia de debate na generalidade, perante forte contestação das próprias bancadas, e uma nova proposta, apresentada já este ano, acabou chumbada, com as abstenções e votos contra dos deputados do CNRT. Tudo isto levou mesmo o primeiro-ministro reconheceu que a AMP “já não existe”, mas, oficialmente, pelo menos, não apresentou a demissão, continuando em funções por enquanto. Pelo meio deste longo impasse, Lu-Olo foi repetindo apelos aos partidos com assento parlamentar para que solucionassem a crise. Até ver, em vão.

Conversar é preciso

Todos menos Xanana Gusmão defendem um diálogo e uma nova maioria, com o líder histórico timorense a afirmar que a solução “justa e democrática” seria novas eleições.

Ainda assim os partidos acabaram por dialogar e desses diálogos, no sábado passado, Xanana Gusmão anunciou nova maioria parlamentar, que integra 34 dos 65 deputados do Parlamento Nacional.

Além de contar com o apoio dos 21 deputados do CNRT, maior partido da atual coligação do Governo, a nova aliança inclui ainda os cinco deputados do KHUNTO e os cinco do Partido Democrático (PD), até aqui na oposição.

Fazem ainda parte da nova coligação, os três deputados dos partidos mais pequenos no parlamento, Partido Unidade e Desenvolvimento Democrático, Frente Mudança e União Democrática Timorense. De fora ficam apenas a Fretilin, maior partido no parlamento, com 23 deputados, e o PLP, com oito lugares.

Ainda assim, e apesar dessa maioria, continua a incerteza. Fontes partidárias da nova coligação admitem que a maioria deverá ser apresentada ao chefe de Estado ainda esta semana, mas permanecem as dúvidas sobre se Xanana Gusmão manterá na lista do futuro Executivo os nomes dos membros que Lu-Olo tem rejeitado.

Mas para isso poder acontecer, à luz da Constituição, o atual Governo tem de, formalmente, demitir-se ou ser demitido. Algo que, pelo menos do ponto de vista oficial, ainda não aconteceu. Deputados do CNRT e do PD garantiram que não há também para já a intenção de apresentar uma moção de censura ao primeiro-ministro.

Daí que, no limite, o país pode voltar novamente a votos, num processo que atrasaria ainda mais a aprovação do orçamento e que, em clima de tensão, tornaria difícil gerir as contas públicas.

Mesmo com ‘poupanças’ extremas, o dinheiro na conta do tesouro pode chegar até março. E reforçar os fundos obriga a recorrer ao Parlamento para levantamentos adicionais.

Algo que, com a atual tensão política e parlamentar, pode ser complicado. A decisão final depende agora de Francisco Guterres Lu-Olo.

António Sampaio 28.02.2020

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