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Gás a ajudar empresas nacionais

Poucas semanas antes das eleições, foi submetida junto do Conselho de Ministros moçambicano a proposta de lei de conteúdo local. É uma das legislações que mais curiosidade suscita junto dos empresários. As grandes oportunidades criadas pelo gás estão aí e o presidente moçambicano já alertou as empresas moçambicanas: “Não queremos ser periféricos”.

A discussão sobre uma lei de conteúdo local já dura há pelo menos uma década em Moçambique. O objetivo é simples, à semelhança do que já aconteceu noutros países: tirar partido dos grandes investimentos em setores extrativos como o gás natural e minérios para impulsionar as empresas moçambicanas. Por um lado, determina-se que esses megaprojetos tenham de adquirir bens e serviços moçambicanos, em vez de investir a 100 por cento na importação – e assim, incrementa-se a riqueza que fica em Moçambique. Por outro, especifica-se que parte do capital social destes grandes projetos deva ser aberto a moçambicanos. Com estas duas abordagens espera-se estimular a economia, fomentar oportunidades de negócio para as empresas nacionais, promover a industrialização, a formação profissional e outras áreas. 

Neste ano de 2019 houve avanços: Governo e patrões, através da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), chegaram a acordo sobre uma nova proposta de lei, submetida em setembro junto do Conselho de Ministros e que aguarda pela nomeação do novo Governo, em janeiro – após as eleições gerais de outubro, que confirmaram a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) no poder. 

O esboço da lei não entra em detalhes quanto às quotas mínimas de aquisição ou quanto ao mínimo admissível de participação nacional no capital social de um megaprojeto. Tudo isso dependerá de “regulamentação própria para cada setor” (como já aconteceu com leis anteriores relativas ao setor mineiro ou petrolífero), refere Vasco Nhambinde, director nacional de Estudos Económicos e Financeiros do Ministério da Economia e Finanças. 

O Conselho de Ministros deverá analisar e aprovar a proposta de lei, que seguirá depois para a Assembleia da República e deverá ficar nas mãos de uma ou mais comissões parlamentares onde muita coisa pode ainda mudar. Só depois se chegará ao corpo definitivo para eventual aprovação, promulgação e publicação. E poderá então avançar-se para a regulamentação, detalha o responsável.

Os números

A proposta, a caminho da aprovação é uma lei geral, mas tem dois números à vista. Estabelece que os bens e serviços moçambicanos são os que incorporam dez por cento de fatores de produção nacional, sujeitos a certificação de uma entidade a designar. Quantos produtos destes é que um megaprojeto tem de usar ou adquirir, vai depender do setor de atividade em que vai operar.

A proposta de lei indica ainda que os grandes projetos terão de dispersar 15 por cento do capital na Bolsa de Valores de Moçambique (BVM). Este ponto tem gerado discórdia entre Governo e CTA, uma vez que os patrões dizem faltar leis em Moçambique que previnam o branqueamento de capitais e que garantam ‘due dilligence’ [devidas garantias] às empresas que dispersem capital. 

O Ministério da Economia e Finanças vê as coisas de outra maneira, considerando a medida uma ação inovadora e de importante abertura à participação de moçambicanos. Se há obstáculos, “que se trabalhe na sua resolução”, defende Vasco Nhambinde. 

O alerta do presidente

“A lei por si só pode sair amanhã, ou no próximo semestre, o importante é nós os moçambicanos estarmos preparados” para fornecer grandes empresas, com qualidade, alertou o presidente moçambicano Filipe Nyusi, há poucos dias, em Maputo. O chefe de Estado discursava na abertura da 6ª Cimeira de Gás de Moçambique, evento anual que junta empresas do setor, numa altura em que o país está a três anos de iniciar a produção e exportação de gás natural liquefeito (GNL).

“Queremos ser o epicentro deste processo de assistência às cadeias de valor. Não queremos ser periféricos”, referiu. Pede que os homens de negócios do país sejam “atores relevantes” no fornecimento de bens e prestação de serviços. Filipe Nyusi recomendou uma aposta no “associativismo e cooperação empresarial”, com um argumento simples: “a experiência mostra que a união faz força”. 

“É uma estratégia simples, mas eficaz” e que permitirá “certificar a qualidade” das empresas, para que possam obter aprovação para concorrer e participar em negócios relacionados com os investimentos na exploração de gás natural. “Os nossos empresários devem preparar-se para os desafios que se impõem nesta indústria para explorarmos ao máximo os benefícios”, acrescentou.

Ou seja, haverá legislação a regular, promover e a estabelecer a participação mínima de mão-de-obra e produtos moçambicanos nos megaprojetos, mas isso não bastará se os empresários não se capacitarem. 

Experiências com conteúdo local

Os resultados da cura aplicada pelo legislador variam de país para país. Analistas e consultores dividem-se acerca dos riscos e virtudes desta forma de abordar o desenvolvimento da economia de um país. Em Angola, as obrigações de conteúdo local têm estado espalhadas por diversos instrumentos. Os resultados ficam aquém das expectativas quanto à transferência de competências, formação ou crescimento do setor privado. Uma única lei sobre conteúdo local está em consultas e pode mudar o cenário. No Brasil, as cláusulas de conteúdo local estão nos contratos de concessão de petróleo e gás há 20 anos, com percentagens obrigatórias há 16 e benefícios mensuráveis para o país. No entanto, queixas sobre burocracia e rácios desfasados da realidade têm gerado inúmeros pedidos de exceção e revisão. Trinidad e Tobago costuma ser apontado como um caso com virtudes: numa parceria local, a petrolífera BP construiu uma plataforma no país, em vez de a importar. A companhia obteve um grande desconto no preço final e Trinidad e Tobago conquistou capacitação e transferência de competências. A BP voltou a contratar o mesmo parceiro local para construir mais duas plataformas de gás. O país tem uma Câmara de Conteúdo Local, independente, financiada pelas grandes empresas internacionais de petróleo para fornecer formação e assistência técnica aos fornecedores locais.

Não há milagres, sem capital humano

O retrato atual dos recursos extrativos de Moçambique “como a solução milagrosa para desenvolver a capacidade industrial interna pode ser demasiado promissor, pelo menos nas próximas duas décadas”, alerta um estudo de 2018 do Instituto Mundial de Investigação em Economia do Desenvolvimento da Universidade das Nações Unidas (UNU-WIDER) sobre estratégias viradas para o conteúdo local em Moçambique. O documento refere que falta “o tão necessário capital humano”. 

Os megaprojetos de exploração de GNL vão arrancar em 2022 e devem colocar Moçambique entre os maiores produtores mundiais nos dez anos seguintes, prevendo o Fundo Monetário Internacional (FMI) que a economia do país possa chegar a crescer mais de 10 por cento ao ano. Os investimentos da ordem dos 50 mil milhões de dólares são feitos por dois consórcios que operam nas áreas 1 e 4 da bacia do Rovuma, ao largo da costa Norte de Moçambique, e que são liderados pelas petrolíferas Total, Exxon Mobil e Eni. 

Luís Fonseca 22.11.2019

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