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Dialeto (língua) de ternura

“Uma língua é um dialeto com um exército”. A expressão é atribuída ao sociólogo e linguista russo Max Weinreich, que terá ouvido o comentário entre a audiência de uma das suas conferências. A relação entre línguas e dialetos tem gerado um aceso debate entre especialistas. Por um lado, de um ponto de vista sócio-político as línguas são tipicamente de uso oficial, formal com sofisticação e consistência na sua forma escrita, ao passo que os dialetos são eminentemente informais e de uso sobretudo oral. Segundo um outro critério, o da inteligibilidade mútua, se duas pessoas conversam em “falas” diferentes, mas conseguem, basicamente, entender-se, então é provável estarmos perante dois dialetos de uma mesma língua. É claro que a questão é muito mais complexa e esta definição não se aplica a inúmeras situações.

Em todo o caso, quando falamos do cantonês e do mandarim em Macau, Hong Kong (e de certo modo também ainda em Guangdong), estamos sobretudo a lidar com questões de identidade, autonomia e sentimento de pertença, tal como é salientado na reportagem de fundo que publicamos na edição de hoje. Uma identidade cantonense, obviamente chinesa. Crê-se que foi por muito pouco que o cantonês não se tornou norma oficial da República da China em 1912, quando terá perdido por uma pequena margem para o mandarim, que era na verdade o dialeto da zona de Pequim e de uma parte do norte da China, sendo visto, por alguns especialistas, como uma forma ‘impura’ do Chinês. Já o cantonês, os mesmos argumentam, é bem mais próximo do Chinês clássico, não apenas em termos de pronúncia, como até gramaticalmente. Diz quem sabe que é em cantonês que se deve ler poesia clássica chinesa, uma vez que muitos poemas antigos rimam em cantonês, mas não em mandarim. 

Certo é que fruto do processo histórico, a pujança do mandarim tornou-se inelutável, quer interna, quer externamente, pelo que não faz sentido – muito menos em território chinês – uma atitude de recusa ou hostilidade. Pelo contrário: a melhoria da proficiência em mandarim é uma mais-valia crucial para as novas gerações. Todavia, há que ter em atenção a importância de promover e valorizar o cantonês. Sem complexos. As autoridades têm um papel importante a desempenhar e os chineses falantes de outros dialetos e estrangeiros que vivem aqui têm muito a ganhar em aprender cantonês.

A sua plasticidade, ritmo, humor e versatilidade literária fazem com que seja das “falas” mais fascinantes do mundo. É também a banda sonora do nosso quotidiano que nos embala nesta cidade especial. É Um dialeto (língua) de ternura e afetos. 

José Carlos Matias  22.06.2018

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