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“Atitude do Governo em relação à concertação social merece ser criticada”

Kwan Tsui Hang, histórica deputada da Federação das Associações de Operários de Macau (FAOM), deixa a Assembleia Legislativa ao cabo de 21 anos e sem ver implementado o salário mínimo universal. A dirigente deixa críticas ao Governo pela falta de intervenção no Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS). Diz também que os Operários continuam disponíveis para apoiar um projeto de lei sindical e defende novas reformas no método de eleição por  sufrágio indirecto. Sobre os quatro nomes que compõem agora a bancada dos Operários na Assembleia – EllA Lei, Leong Sun Iok, Lam Lon Wai e Lei Chan U -, manifesta confiança no desempenho que terão na nova legislatura.

– Na nova legislatura, Ella Lei da FAOM passou de deputada eleita pelo sufrágio indireto para eleita em sufrágio direto. Leong Sun Iok foi também eleito pelo sufrágio direto, e Lam Lon Wai e Lei Chan U entraram pelo sufrágio indireto. Tem confiança no desempenho dos novos deputados?

Kwan Tsui Hang – Depois de quatro anos de experiência [como deputada], tenho plena confiança em Ella Lei. Houve até alturas em que achei que a sua capacidade de debate me ultrapassava: ela é jovem, possui bons conhecimentos e competências, e é melhor do que eu no que diz respeito aos novos meios de comunicação, incluindo o uso e recolha de informações. Para além disso, acho que os jovens têm a capacidade e o espírito para se atreverem a pensar e a agir. Naturalmente, em alguns aspetos, em comparação com os meus 21 anos de experiência [na Assembleia Legislativa], ainda tem coisas a aprender, mas tenho plena confiança de que irá amadurecer cada vez mais. Quanto aos restantes deputados, são todos relativamente novos. Os primeiros dois anos serão certamente um período de aprendizagem. A capacidade de debate político não é determinada pelo desempenho em cargos anteriores – é realmente necessária experiência e aprendizagem.

– A lista Poder da Sinergia, encabeçada por Ron Lam U Tou, conseguiu um bom resultado na sua primeira candidatura independente, obtendo mais de sete mil votos. Ron Lam U Tou trabalhou na FAOM anteriormente, por um longo período, tendo desempenhado o cargo de seu assistente. Lamenta a sua saída?

K.T.H.  Não. No que diz respeito a Ron Lam – até hoje, somos ainda bons amigos –, respeito totalmente o caminho que tomou. Estamos claramente do lado dos trabalhadores, mas a posição dele está mais virada para a classe média. Ele tem competência política e acho que o seu lugar é na Assembleia. Independentemente de se tratar de uma questão de trabalho ou pessoal, ele decidiu sair e usar as suas próprias capacidades para avaliar a posição dos eleitores, e eu acho que isso é correto. Também incentivou os jovens a não contarem apenas com as grandes listas. A cultura eleitoral de Macau está atualmente em mudança. A meu ver, isto também constitui um motivo de esperança para o futuro da cultura política e eleitoral em Macau.

– Relativamente ao sistema político, manifestou na imprensa a sua opinião a respeito do sistema de nomeação de deputados e de sufrágio indireto. Disse que acha que o Chefe do Executivo deve nomear mais deputados do setor profissional, de áreas como a assistência social, a ciência e a tecnologia. Acha então que o sistema de nomeação de deputados é importante?

K.T.H.  Acho que sim. Macau não tem partidos, os deputados nomeados devem apoiar as políticas do Governo. Por isso, deve existir um certo número de nomeados para garantir a aprovação das leis. Dou um exemplo. Na lei laboral aprovada em 2009, os deputados nomeados desempenharam um papel crucial para que esta fosse aprovada. Os trabalhadores e as entidades patronais têm opiniões opostas, é assim a realidade. Mas se o Governo quiser por fim aprovar uma lei, depende dos deputados nomeados – e é assim que toma forma esta clara batalha de interesses. Precisamos de deputados nomeados porque não temos um sistema de partidos políticos, e neste contexto são evidenciados os interesses pelos quais cada deputado é eleito. Quem vai então equilibrar a balança? Isto é algo que deve ser considerado no sistema político de Macau.

– Sendo assim, entende que a atual composição de 14 lugares de sufrágio direto, 12 de sufrágio indireto e sete nomeados não necessita de ser alterada?

K.T.H.   Muitos dizem que podem ser adicionados mais lugares de sufrágio direto, mas eu acho que o aumento de lugares do sufrágio direto já é uma tendência – algo que ocorrerá necessariamente no futuro. O que é prioritário na fase atual não é o aumento dos lugares de sufrágio direto, mas a alteração do sufrágio indireto. No sufrágio indireto a seleção é feita partir do voto de cada colégio eleitoral, o que significa que é muito fácil haver um controlo absoluto por quem assume as posições de liderança. Porque é que não alteramos o sistema de forma a que todos os membros dos colégios eleitorais possam receber um cartão de eleitor e selecionar o candidato do seu colégio? O sufrágio indireto, isto é, a representação dos interesses dos setores, é algo necessário. Atualmente, Hong Kong tem colégios eleitorais em que todos votam, existindo um sistema de dois votos por pessoa. Mas isso não acontece hoje em Macau, existindo um pequeno número selecionado pelos colégios. E quem são estes selecionados? São pessoas de poder, e a desigualdade é aceite pelos membros dos colégios.

– No que diz respeito aos direitos dos trabalhadores, a lei sindical tem vindo a ser repetidamente chumbada…

K.T.H.  A questão da lei sindical foi inicialmente levantada no tempo da Administração portuguesa, tendo começado a surgir na década de 1980. Nós [da FAOM] levantámos a questão, e depois nada avançou. Levantei a questão juntamente com Jorge Fão, e mais tarde com José Pereira Coutinho. Foi levantada mais uma vez [na última legislatura], e também foi chumbada. Já foram ao todo sete ou oito as tentativas, todas sem sucesso. Da última vez tivemos 11 votos a favor, mas eram necessários 17 para passar. Isto depende realmente da composição da Assembleia Legislativa, pois das últimas vezes os deputados nomeados tinham uma inclinação mais comercial – e esta inclinação domina mais de metade da Assembleia. Mas, como elementos de uma organização de trabalhadores, vamos continuar a levantar a questão independentemente do resultado – é o nosso dever.

– Na conferência de imprensa sobre a sua saída da Assembleia Legislativa referiu que os objetivos da política de emprego e dos direitos laborais ainda têm muitos aspetos a concretizar. A que aspetos se refere?

K.T.H.  Na lei de bases da política de emprego e dos direitos laborais existe algo muito importante, o salário mínimo. Mas na recém-concluída legislatura só foi implementado o salário mínimo em dois setores. O Governo prometeu implementar um salário mínimo geral dentro de três anos, mas não sei se o irá cumprir. Como representantes do setor do trabalho, achamos que é importante lutar por isto. Naturalmente, para além disso, a lei de bases da política de emprego e dos direitos laborais possui muitos artigos, sobretudo sobre o cumprimento dos direitos do trabalho e contratação coletiva, que exigem algum tempo para serem postos em prática.

– O facto de estes direitos não terem sido implementados, em particular o salário mínimo, deixa-lhe algum sentimento de desilusão?

K.T.H.  É óbvio que para mim é uma desilusão, pois é algo que não consegui concretizar nestes 21 anos. Mas ao mesmo tempo também sei bem que a luta pela lei laboral foi um processo de mais de uma década. Assim como o sistema de segurança social, que avançou do antigo nível inferior para o sistema atual. É um processo muito longo.

– O debate de assuntos como a segurança social, fundos de reserva ou outros assuntos laborais, exige primeiro uma decisão por parte do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS), passando-se depois para os procedimentos legislativos na Assembleia. O CPCS é constituído por membros da FAOM, da Associação Comercial de Macau, e depois junta-se ainda o Governo. Esta estrutura pode ser melhorada?

K.T.H.-Esta estrutura tripartida representa os trabalhadores, as entidades patronais e o Governo. Qual a sua eficácia? O importante é a atitude do Governo. Os trabalhadores e as empresas têm cada um a sua posição, e os problemas do CPCS surgem da falta de mediação dos conflitos entre os dois lados. No tempo da Administração portuguesa trabalhei no CPCS. Acho que depois do 25 de Abril o Governo português passou a dar bastante importância aos direitos laborais, por isso nós também levantámos diversas questões, incluindo o sistema da segurança social – embora o nível fosse muito baixo, já que as reformas eram de apenas 300 patacas. O Governo da altura esteve disposto a criar um sistema, e acho que é algo de louvar. Fizeram muito em termos legislativos. A atitude atual do Governo em relação ao CPCS merece ser criticada. Se quer que o CPCS tenha algum efeito, deve desempenhar bem a função de concertação, e não ficar apenas por uma disputa entre os trabalhadores e as entidades patronais. 

Shao Hua

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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