O Governo chinês, o Banco Mundial e a Organização Mundial de Saúde lançam oito recomendações para reformar um sistema de saúde onde se avolumam queixas e desperdício.
Nunca a China mobilizou tanto investimento para o sector da saúde, mas o sistema mantém-se ineficaz e motivo de crescente insatisfação para uma população mais idosa, mais sujeita a doenças não transmissíveis como a hipertensão, e hoje, também, com maior acesso a cuidados como a realização de check-ups ou acompanhamento pré-natal. Os custos dispararam, tal como as filas de espera, e o Governo Central, com o acompanhamento da Organização Mundial de Saúde e do Banco Mundial, pretende novas reformas e garantias de poupança, com mão firme sobre as administrações locais e provinciais que não cumprirem. O objetivo passa por poupar em gastos no valor de até 3 por cento do PIB chinês.
De acordo com os cálculos do Banco Mundial, as despesas com saúde na China deverão mais do que quadruplicar num período de 20 anos, projetando-se uma taxa de crescimento anual dos gastos de 9,4 por cento. Os dados mais recentes indicam que o país despende anualmente 3,5 biliões de yuan com cuidados de saúde, ou 5,6 por cento do PIB, valor que poderá escalar para 15,8 biliões de yuan em 2035 e representar então 9,1 por cento da produção económica nacional.
O perfil demográfico – um de forte envelhecimento – e o perfil epidemiológico – onde doenças cardiovasculares, cancro e outras patologias não-transmissíveis contribuem para 80 por cento das mortes no país – tornam inevitável a escalada de custos, à medida também que autoridades investem em novos equipamentos e na cobertura universal com seguros de saúde. Porém, o Banco Mundial estima um alto valor de desperdício de recursos, num sistema que investe cada vez mais em camas de hospital e negligencia os cuidados primários e um no qual os orçamentos das administrações de saúde dependem da quantidade de tratamentos prestados e fármacos vendidos.
“O sistema de saúde da China está centrado nos hospitais, é fragmentado e orientado para o volume. A prestação de serviços tende a favor de oferecer mais tratamento e não de melhorar os resultados de saúde para a população, e a servir mais pessoas nos hospitais do que a nível local”, diagnostica a instituição mundial num relatório apresentado na última sexta-feira em Pequim pelo presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, também ele um médico. O documento, intitulado “Healthy China”, consiste num relatório de orientação política subscrito conjuntamente pelo Banco Mundial, pela Organização Mundial de Saúde, pelo Ministério das Finanças, pelo Ministério dos Recursos Humanos e da Segurança Social, e pela Comissão Nacional para a Saúde e Planeamento Familiar.
Desde logo, a lista de subscritores evidencia a dispersão de atribuições no quadro da saúde nacional. Há na China dez agências governamentais com competências na gestão da saúde, e cada uma persegue os seus objectivos. O Banco Mundial recomenda concentração. Nomeadamente, uma mão forte por parte do Governo Central na direção de um conjunto de reformas pensadas para mobilizar recursos para os cuidados primários e comunitários, inverter incentivos na administração dos cuidados, envolver privados, garantir mais qualidade, e – em última análise – poupar.
“A China precisará em breve de desenvolver um novo modelo de produção, financiamento e prestação de saúde, que responda às necessidades e expectativas da sua população mas que ao mesmo tempo esteja fundado na realidade económica de hoje”, refere o relatório. A realidade é hoje uma em que as despesas de saúde crescem a um ritmo mais acelerado que a economia do país, colocando-se problemas de sustentabilidade no futuro. “Não fazer nada não é opção”, admitem o governo do país e as organizações internacionais envolvidas no estudo.
A prazo, o Governo Central deve instituir uma autoridade nacional de saúde. Por ora, a concentração de competências de coordenação pode ficar nas mãos no Grupo de Liderança da Reforma da Saúde do Conselho de Estado. A implementação vai implicar também a criação de grupos de coordenação próximos das administrações locais, celebração de acordos-tarefa, constituição de agrupamentos de prestadores de saúde, e monitorização de resultados.
O primeiro passo, e o mais importante na lista de recomendações, é o da integração e fortalecimento dos cuidados de saúde primários. O estudo do Banco Mundial avança que os hospitais são atualmente responsáveis por mais de metade das despesas na área da saúde, concentrando não só recursos financeiros como também os recursos humanos mais qualificados. Não há entre estes e os centros locais de saúde um sistema de referenciação de pacientes ou de partilha de dados. E, na verdade, o sistema de preços, comparticipação e reembolsos da saúde favorece a concorrência entre as diferentes unidades, que dependem da venda de medicamentos e tratamentos para a sua sobrevivência financeira.
O documento recomenda a criação de um relacionamento formal entre os diferentes níveis das unidades de saúde, apoiado em ferramentas electrónicas. Os cuidados primários devem ser dotados de equipas multidisciplinares, formadas nos hospitais.
Em segundo lugar, deve haver um estrutura de coordenação nacional que garanta a melhoria contínua nas unidades públicas e também privadas. É também recomendado um estudo profundo sobre a qualidade dos serviços prestados. O terceiro passo implica a melhoria da relação com os pacientes, com mais comunicação, numa altura em que se multiplicam na imprensa os relatos de conflitos entre utentes e profissionais de saúde.
Segue-se a reforma dos hospitais, a implicar legislação que enquadre um novo regime de administrações hospitalares, simultaneamente autónomas nas suas decisões e responsabilizáveis por eventuais fracassos. A gestão hospitalar deve ser profissionalizada e, inclusivamente, devem ser criados programas de carreira e académicos para assegurar este resultado.
Em quinto lugar, deve haver um regime de incentivos financeiros para a redução de custos, substituindo-se o sistema de contribuições por serviço prestado.
Em sexto lugar recomenda-se a valorização dos trabalhadores dos cuidados de saúde primários. Para tal, deve ser criada um sistema independente de licenciamento e desenvolvimento profissional, melhoradas as remunerações e a prática de clínica geral deve ser reconhecida como especialidade médica.
O envolvimento do sector privado é outra das preocupações. O documento do Banco Mundial entende que, até aqui, não tem havido uma orientação política clara quanto ao papel que as administrações privadas de saúde devem ter no país. Se é certo que estas devem atuar em igualdade de condições com o sector público – defende –, também é necessário que o façam de forma complementar e sob monitorização governamental.
Por fim, deve haver uma nova abordagem no planeamento do investimento de novos equipamentos de saúde – até aqui focado apenas nos números da população e de camas hospitalares por cada indivíduo. As decisões de construção ou expansão de novas unidades devem atender a aspectos como o perfil epidemiológico das populações, e o aumento da oferta de camas não deve ser a principal preocupação.
Até 2020, a China conta gastar anualmente 50 mil milhões de dólares em despesas de capital com saúde e há que “assegurar que não é criado excesso de capacidade que exacerbe ainda mais a ineficiência e a deficiente afectação de recursos.
Maria Caetano