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Maratona de imprevistos até às Olimpíadas

A poucos dias de receber o maior evento desportivo do mundo, o Brasil parece lamentar a candidatura para organizar os primeiros Jogos Olímpicos da América do Sul e esperar que passe rápido. O próprio presidente da Câmara do Rio de Janeiro, cidade que vai acolher o evento de 05 a 21 de agosto, falou este mês numa “oportunidade perdida”, porque “este não é o melhor momento para estar nos olhos do mundo”. 

O Brasil enfrenta uma longa recessão e um desemprego crescente que já afeta 11,4 milhões de pessoas. A crise política decorrente da aprovação do pedido de destituição da Presidente Dilma Rousseff, que só será finalizado após os Jogos, também está a atrasar o encarrilhamento do país sob um Governo com legitimidade para tomar medidas impopulares. O enfraquecimento da autoridade política tem ainda sido alimentado por sucessivos casos de corrupção, envolvendo dezenas de políticos. 

Uma sondagem realizada pelo instituto Datafolha, entre 14 e 15 de julho, com 2.792 entrevistas, mostrou que metade dos brasileiros está contra a realização dos Jogos no país, mais do que os 25% que se opunham em junho de 2013. O Datafolha apontou também que 63% acreditam que o espetáculo desportivo trará mais prejuízos do que benefícios para os brasileiros em geral, e que o entusiasmo quanto ao evento desceu para 16%, apesar de o Brasil concorrer com a sua maior delegação de sempre, com pelo menos 465 atletas.

São esperados 10.500 atletas de 206 países e meio milhão de turistas no Rio de Janeiro, cidade que já é um símbolo do turismo mundial.

O Rio foi eleito sede olímpica em 2009, quando o Brasil vivia um momento económico virtuoso, bem diferente do atual. Na apresentação da candidatura, calculou-se que o evento custaria 28,8 mil milhões de reais (8,84 mil milhões de dólares), mas o valor já chega aos 39,07 mil milhões de reais (11,99 mil milhões de dólares), impulsionado sobretudo pela inflação.

Em junho, o governo do Estado do Rio de Janeiro decretou estado de calamidade pública, devido à crise financeira. O Governo brasileiro respondeu com uma ajuda de emergência de 2,9 mil milhões de reais (890 milhões de dólares), destinada à segurança durante os Jogos e a pagar salários de funcionários públicos em atraso, numa altura em que polícias da região ameaçavam parar durante os Jogos. Alguns chegaram a manifestar-se no Aeroporto Internacional Tom Jobim, empunhando uma faixa onde se podia ler, em inglês: “Bem-vindos ao inferno. Polícias e bombeiros não são pagos. Qualquer pessoa que vier para o Rio não estará segura”.

Parte desse dinheiro foi entretanto direcionada para concluir a linha 4 do metropolitano, essencial para o acesso ao palco de grande parte das competições e que será inaugurada apenas quatro dias antes do início do evento, o que gera preocupações, devido ao curto período de testes.

A 11 de julho, o Comité Olímpico Internacional (COI) elogiou os organizadores “não apenas por entregarem todas as arenas e serviços que os Jogos requerem a tempo, mas também criando um legado que vai beneficiar os cidadãos locais e todo o país por décadas”. 

Contudo, a um mês do evento, além do metropolitano, estava ainda por terminar 3% do centro de ténis, a primeira obra a ser iniciada para os Jogos Olímpicos, há quase três anos, e que chegou a ser citada como exemplo a seguir.

A parte final da maratona de preparação teve mais obstáculos, com a autarquia do Rio a rescindir contratos com empresas responsáveis por obras essenciais a semanas do início da competição. Envolvidas em casos de corrupção e dificuldades financeiras, a par de greves dos trabalhadores e interdições temporárias por falta de segurança dos operários, várias empresas foram substituídas à pressa.

A preparação da cidade para o evento custou, pelo menos, 11 vidas em acidentes de trabalho. Além disso, a queda de um trecho da ciclovia Tim Maia, construída para os Jogos Olímpicos, em abril, três meses após a inauguração, causou dois mortos.

O que já não ficará concluído a tempo dos Jogos será a limpeza da Baía de Guanabara. O secretário do Ambiente do estado do Rio de Janeiro, André Correa, fez saber este mês que seriam necessários, “pelo menos, 25 a 30 anos” para resolver o problema. Apesar de não descartar que haja problemas com o lixo flutuante durante as competições na água, o responsável mostrou-se, contudo,  otimista.

As maiores preocupações para o evento prendem-se com a segurança. O Brasil é o país com o maior número absoluto de homicídios no mundo, com 29,1 mortes por 100 mil habitantes, segundo o Atlas da Violência 2016 divulgado em março. Mortes por balas perdidas, impunidade entre agentes das forças de segurança – na última década a polícia do Rio de Janeiro matou 8.000 pessoas, segundo a organização Human Rights Watch -, bairros controlados por milícias, violações coletivas, entre outros crimes, enchem as manchetes dos jornais locais.

Os recentes assaltos a uma velejadora paralímpica australiana e roubos de equipamentos a uma televisão alemã despertaram a comunidade internacional para este cenário durante os Jogos.

A abertura da Vila Olímpica para atletas teve reclamações de delegações, como problemas elétricos, de canalizações e gás, e relatos de objetos furtados.

As autoridades brasileiras vêm repetindo que a criminalidade assusta mais do que o terrorismo, ainda que, com o reforço do policiamento, seja esperada uma retração da violência, à semelhança do que aconteceu no Campeonato do Mundo de Futebol em 2014 no Rio de Janeiro.

Ainda assim, na sequência do atentado de Nice, no sul de França, a 14 de julho, que fez 84 mortos e que foi reivindicado pelo Estado Islâmico (EI), o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, anunciou que as medidas de segurança para os Jogos iam ser revistas.

Os brasileiros veem agora o seu país, sem historial de atos terroristas, a saltar para as prioridades dos ´jihadistas’. O EI lançou este ano um grupo em português no serviço de troca de mensagens instantâneas Telegram e, de acordo com a especialista norte-americana em contra-terrorismo Rita Katz , os extremistas islâmicos divulgaram recomendações de 17 técnicas para ataques durante o espetáculo desportivo. A 21 de julho, foram emitidos 12 mandados de prisão temporária para homens suspeitos de prepararem atentados durante a competição, encontrando-se um deles ainda foragido.

O esquema de segurança para o evento contará com 85 mil efetivos e a participação de serviços de informações de 116 países.

Foram ainda implementadas novas práticas de segurança, como mais regras para embarque em voos domésticos, que continuarão em vigor após o evento. A sua efetivação, na terceira semana de julho, traduziu-se em longas filas e fez com que muitas pessoas perdessem os seus voos. No aeroporto Santos Dumont, do Rio de Janeiro, a fila era tão longa, que a segurança acabou por desistir de revistar os passageiros. 

O Brasil é ainda o país mais afetado pela atual epidemia do vírus Zika e o que contabiliza mais casos de microcefalia associados ao vírus. Os números de casos têm vindo a diminuir, com medidas do Governo e também com a chegada do inverno, e a Organização Mundial de Saúde concluiu que não havia necessidade de cancelar os Jogos devido à epidemia. Ainda assim, vários atletas desistiram de participar nesta edição do evento com receio do vírus e alguns tomaram medidas extremas, como o britânico Greg Rutherford, campeão olímpico de salto à distância, que congelou esperma por medo do vírus Zika. 

Alvo de piadas internacionais por tudo isto, o Brasil vem, contudo, fazendo derradeiros esforços de promoção do evento no Rio, tentando por fim a uma tempestade perfeita.

Andreia Nogueira -Exclusivo Lusa/Plataforma

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