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Líder na exportação de novos-ricos

Grande parte dos produtos contrafeitos até pode ser “made in China”, mas a Coco Wang, filha única de um abastado casal chinês, o uso de artigos falsos custou a exclusão pelo seu grupo de amigas.

A cena passa-se no episódio final do “reality show” Ultra Rich Asian Girls (“Raparigas Asiáticas Ultra Ricas”), que expõe o faustoso estilo de vida de quatro jovens chinesas a viver no Canadá.

Fazem parte da chamada “fuerdai” (segunda geração de ricos) da China pós-maoista: deslocam-se em carros topo de gama, vivem nos melhores complexos residenciais e viajam muito para aterrar sempre em lojas de luxo.

Os “milagres” da cirurgia plástica substituíram-lhes as típicas feições chinesas por olhos arredondados, nariz reto e seios grandes. E com vista a um dia se fixarem num país ocidental “seguro” e “estável”, as jovens frequentaram sempre instituições de ensino internacionais.

Na China, uma potência económica governada por um Estado autoritário, o êxodo de “novos-ricos” para o ocidente é bem real.

O trepidante crescimento económico das últimas três décadas – uma média de quase 10% ao ano – permitiu ao país superar os Estados Unidos da América em número de milionários. Estima-se que cerca de um terço da riqueza do “gigante” asiático esteja concentrada em apenas um por centro da população.

A corrupção, altos níveis de poluição e escândalos de saúde pública, porém, serão partilhados por todos. Nas principais cidades chinesas, hoje dotadas de modernas infraestruturas, a poluição é responsável por centenas de milhares de mortes prematuras todos os anos.

Fragilidades internas, expostas por escândalos como a recente descoberta de uma rede de venda ilegal de vacinas, parecem também obscurecer a ascensão internacional do país, patente em iniciativas como o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas.  Em 2008, ano em que Pequim acolheu uma memorável edição dos Jogos Olímpicos, por exemplo, a adulteração de leite infantil com melanina por 22 marcas locais resultou na morte de seis bebés e em 300 mil intoxicações.

Perante tantas contradições, a estagnação económica que afeta o ocidente parecerá um mal menor para as classes abastadas do país. Uma pesquisa recente do Banco da China revelou que 60% dos chineses com uma fortuna superior a 1,3 milhão de euros estão no processo de emigrar ou a considerar fazê-lo. Entres estes, 70% pondera mesmo abdicar da nacionalidade chinesa.

Portugal não é exceção

EUA e Canadá são de longe os principais destinos. No entanto, desde o espoletar da crise na zona euro vários países europeus entraram na competição por esta imigração “dourada”.

Os cidadãos chineses compõem 87% dos estrangeiros que investem no âmbito da Autorização de Residência para Investimento (ARI) – os vistos ‘gold’ – instituída em 2012.

“Querem levar os filhos para fora daqui”, explica o advogado português Tiago Mateus, que presta em Pequim serviços de consultoria para investidores chineses.

“Acima de tudo, procuram países sem poluição e com mais liberdades”, diz. No caso de Portugal, são também atraídos pela hospitalidade dos portugueses, o livre acesso ao Espaço Schengen e a segurança.

O abrandamento económico, a atual volatilidade no mercado de capitais e a campanha anticorrupção atualmente em curso na China estimularam ainda mais o desejo de adquirir ativos além-fronteiras. “Sentem-se agora mais seguros com o dinheiro na Europa”, realça Mateus.

No último ano e meio, o país asiático registou uma fuga de capitais privados recorde, estimada pela agência de ‘rating’ Fitch em um bilião de dólares. Pequim limita a quantia que pode ser transferida além-fronteiras, anualmente, por pessoa, a 50.000 dólares, mas existem formas (legais ou não) de contornar as restrições. Pedir a familiares ou amigos para transferirem parte do dinheiro será “a via mais utilizada”, segundo vários empresários.

Um outro esquema recorre ao sistema financeiro de Hong Kong, mais aberto e desregulado do que o da China continental. Através da sub-faturação de bens exportados a partir do território ou da subvalorização das importações, é possível obter dinheiro extra em moedas estrangeiras junto dos bancos chineses. O capital é depois depositado em contas ‘offshore’ registadas localmente, e a partir daí movimentado para qualquer parte do mundo.

A operação “Papéis do Panamá”, que revelou um alegado esquema gigantesco de evasão fiscal, evidenciou a dimensão deste fluxo financeiro ilegal. Quase um terço das empresas ‘offshore’ registadas pela Mossack Fonseca, a firma de advogados panamiana no centro do furacão, teve origem em Hong Kong e na China continental. No conjunto, os escritórios na China daquele grupo criaram 16.300 empresas de fachada, ou 29% do conjunto mundial.

O caso envolve familiares de nove líderes chineses, entre os quais Deng Jiagui, o marido da irmã mais velha do atual Presidente, Xi Jinping. Familiares de Zhao Gaoli e Liu Yunshan, atuais membros do Comité Permanente do Politburo Central do Partido Comunista da China (PCC), a cúpula do poder na China, ou o ex-primeiro-ministro Li Peng também constam dos documentos.

A criação de empresas “offshore” não constitui uma ilegalidade por si, mas visa frequentemente o branqueamento de capitais ou a evasão fiscal. Além disso, a disciplina interna do PCC proíbe esse tipo de atividades.

Da lista da Mossack Fonseca faz ainda parte Bo Xilai, uma figura em ascensão na política chinesa até ter caído em desgraça, na sequência da campanha anticorrupção lançada por Xi, em 2013.  A campanha já resultou na prisão de 130 quadros dirigentes com a categoria de vice-ministro ou superior. Por outro lado, Pequim aumentou a repressão sobre ativistas e dissidentes que exigem maior escrutínio aos titulares de cargos públicos.

O perigo da “influência ocidental”

O interesse das elites chinesas em emigrar para a Europa e EUA contrasta também com as críticas do regime ao que designa de “influência ocidental” no país.

Em abril passado, o Ministério dos Assuntos Civis chinês anunciou que vai eliminar os nomes estrangeiros atribuídos a edifícios e complexos residenciais na China, como “Manhattan”, “Provence” ou “Venice”.

A medida, que abrange nomes suscetíveis de “danificar a soberania e dignidade nacional” ou em “desacordo com importantes valores socialistas”, visa “preservar a cultura tradicional chinesa”.

Para muitos “fuerdai”, a “cultura tradicional chinesa” parecerá, de facto, longínqua. Pam Zhao, a única das protagonistas do Ultra Rich Asian Girls que trabalha, diz não ter a certeza se hoje encaixaria na sociedade chinesa.  

“Os ocidentais são claros e diretos. Mas quando se faz negócio na China, o que conta é o que fica por dizer, enquanto se sugere e esconde o que realmente se quer”, explicou à revista norte-americana The New Yorker, a quem confessou: “Na China, sou tratada como uma inocente e, por vezes, sinto-me uma extraterrestre”.

João Pimenta

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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