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Doação (a)normal

donativo no valor de 120 milhões de patacas aprovado pelo Chefe do Executivo para a Universidade de Jinan, em Cantão, onde Chui Sai On é vice-presidente do Conselho Geral, está a gerar forte contestação em Macau. Nas redes sociais multiplicam-se protestos contra a “falta de transparência” na utilização dos dinheiros públicos e mesmo suspeitas de “corrupção”, passando pela denúncia de “favores políticos” para garantir as boas graças da elite do Continente.

A doação atribuída pela Fundação Macau a Jinan não se compara, por exemplo, com a astronómica e muito polémica doação feita por Steve Wynn à Universidade de Macau (1,1 mil milhões), mas aproxima-se do último subsídio atribuído pela mesma Fundação à Universidade Cidade de Macau (125 milhões), detida por Chan Meng Kam, e mais do que dobra os 50 milhões arrecadados pela Universidade de Ciência e Tecnologia, conhecida pela sua veia continental. Já face ao fundo recentemente anunciado pelo Gabinete para o Ensino Superior para a promoção da língua portuguesa (2,5 milhões) a distância é enorme. “Não se pode é comparar o patrocínio atribuído a uma universidade local, mesmo que nos pareça exagerado, com dinheiros públicos transferidos para o lado de lá da fronteira, sem debate nem explicações a ninguém”, critica um jurista português. “Para além da questão da transparência”, conclui, levanta-se o problema dos “canais de escoamento do dinheiro que é da Região Autónoma, de forma a que beneficia sempre uns, em detrimento de outros”.

Nas redes sociais surgem fotomontagens a gozar com o Chefe do Executivo; uma delas ostentando Chui Sai On a atribuir a si próprio uma medalha de mérito. As reações não são todas críticas, surgindo mesmo quem defenda esta doação como exemplo de uma “boa ação”, apontando a “falta de comunicação entre as instituições” como um dos fatores que conduz a “falsas acusações”. Mas o que vinga é mesmo o ataque à “falta de transparência” e ao “jogo de interesses”, sendo comuns as insinuações de corrupção: “٪‮*$‬قك@ّ‮)$‬ق”; que é como quem diz: a mão esquerda entrega à mão direta.

Não houve resposta às perguntas enviadas por este jornal à Universidade de Jinan, quer sobre a nomeação Chui Sai On quer sobre o que se espera do seu cargo, aparentemente honorífico. O Governo esclareceu entretanto que o cargo não é remunerado, respondendo assim às acusações de compadrio e benefício em causa própria. A propósito dos “rumores e acusações no seio da sociedade”, a nota oficial explica que Chui Sai On foi convidado a desempenhar as funções de vice-presidente do Conselho Geral da Universidade de Jinan, não recebendo qualquer remuneração ou interesses, pelo que não existe tráfico de influências, tal como tem sido acusado”.

Guanxi

A universidade reconhece que esta “boa vontade” é inédita e nunca vista na história de Jinan, que comemora o seu 110º aniversário. Trata-se de uma universidade pública, gerida por um departamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o que reforça especulações sobre o “jogo de influências políticas na região”, comenta fonte governamental sob anonimato, concluindo: “Nem sempre é fácil perceber, a cada momento, quem é quem no Partido Comunista Chinês, mas não há dúvidas de que as estruturas políticas de Guangdong “são tradicionalmente influentes a nível nacional”. A Fundação Macau, onde a voz de Chui Sai On “é sempre soberana”, na expressão de um dos seus membros, confirmou entretanto que a transferência das verbas em duas tranches de 60 milhões; uma em 2016 e outra em 2017. 

A Fundação Macau destaca o “grande contributo” de Jinan para a formação de talentos de Macau”: 20 mil alunos da região já lá se diplomaram, tratando-se aparentemente de um destino comum para os alunos de Hong Kong e de Macau que, com resultados modestos no ensino secundário, não conseguem melhores opções, assume um deputado de Macau citado pelo South China Morning Post.

A notícia surgiu primeiro na imprensa chinesa de Guangdong, tendo de imediato saltado para a capa do South China, circunstância que acelerou a visibilidade e o tom crítico nas redes sociais, tendo como alvo não só o Chefe do Executivo como também os vogais e o Conselho de Curadores da Fundação Macau. De acordo com Estrutura Orgânica da Fundação Macau, compete ao Conselho de Curadores garantir que os fundos distribuídos cumpram os fins para os quais a instituição foi criada, sendo este mesmo órgão responsável pelos relatórios financeiros, plano de atividades e orçamentos. O mesmo Conselho aprova todos os subsídios superiores a 500 mil patacas e pronuncia-se sobre os assuntos que lhe sejam apresentados pelo Conselho de Administração. Curiosamente – ou talvez não – surgem no Conselho de Administração da Universidade de Jinan vários membros do Conselho de Curadores da Fundação Macau, tais como Liu Chak Wan, Lei Pui Lam e Ma Iao Hang, o que adensa suspeitas sobre “oferta de vantagens”. 

Associação Novo Macau lidera o protesto político, tendo lançado uma petição a exigir a demissão do Chefe do Executivo e convocado uma manifestação de protesto para o próximo domingo. Cheang Meng Hin acredita que ainda é possível abortar a doação, feita “sem conhecimento público” e apanhando Chui Sai On, formalmente, no duplo papel de doador e, simultaneamente, receptor da doação. O caso serve ainda para um pedido de revisão da lei, no sentido de garantir que a Assembleia Legislativa possa “discutir todos os projetos públicos que ultrapassem um determinado montante”.

No reino das doações

Em nota enviada às redações, a Fundação Macau garante que esta doação, como muitas outras, é uma prática para manter e que “serve os interesses” de Macau. “Até Novembro de 2015, havia 1976 alunos de Macau que estudavam na Universidade, o que representa 33,7% do total dos alunos de Macau no ensino superior do interior da China. Desde 1999, a Universidade de Jinan realizou um total de 27 cursos de formação no território, tendo formado mais de dois mil alunos locais. A Universidade tem vindo a aplicar uma política de preferência de apoio aos alunos de Macau, tendo isentado, até meados dos anos de 90, o pagamento de propinas. Hoje em dia, as propinas pagas pelos alunos de Macau são iguais aos alunos do interior da China, o que é diferente dos outros alunos do exterior. Dos alunos oriundos do exterior que beneficiam das bolsas de estudo da Universidade de Jinan, 30% são alunos de Macau”, descreve, acrescentando que tanto a universidade, como a Fundação “são ambas instituições públicas que prosseguem o interesse público, pelo que nunca se pode dizer que existe a chamada transferência de interesses”. Acrescenta ainda o comunicado que desde 1999 “tem prestado, de uma forma adequada, apoio financeiro às zonas menos desenvolvidas do interior da China (…) para ajudar a construção das suas infraestruturas, luta contra a miséria e desenvolvimento educativo”.

Para além do dinheiro

O Macau Concealers, website dirigido por Jason Chao, da Associação Novo Macau, publicou a lista de vários diretores e funcionários da Administração graduados na Universidade de Jinan: a Chefe de Gabinete de Chui Sai On, O Lam; bem como vários assessores do Palácio, tais como Lei Ngan Leng, Kou Chin Hung, Lei Peng Si, Lo Lai Heng e Wu Kan. Na lista de ex-estudantes encontram-se ainda Leong Heng Teng, porta-voz do Conselho Executivo, Kou Peng Kuan, diretor dos Serviços de Administração e Função Pública, o chefe do Gabinete de Estudo das Políticas, Lao Pun Lap, o diretor dos Serviços de Saúde, Lei Chin Ion – e os subdirectores, Kuok Cheong U e Cheang Seng Ip – ou o chefe do Gabinete de Protocolo, Relações Públicas e Assuntos Externos, Fung Sio Weng.

O Governo admite que “os alunos de Macau formados pela Universidade de Jinan estão dispersos pelos vários setores do mercado local e é natural que muitos deles tenham ingressado na Função Pública para servir a sociedade.”

A Associação de Estudantes de Jinan e a divisão de estudantes de Macau emitiram um comunicado a apoiar a doação, estando já a circular rumores de que terão sido forçados a fazê-lo. 

Paulo Rego *Com Catarina Cambóias e Nuno Wu

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