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Novo Governo sem direito a estado de graça

No segundo dia em funções, a 26 de abril, o novo Governo de Cabo Verde, saído das eleições de 20 de março, foi confrontado com aquele que que é já considerado dos mais trágicos momentos em 40 anos de independência do país e que poderá bem vir a ser um dos piores da legislatura de cinco anos que agora começa: a descoberta de 11 mortos – oito militares e três civis, incluindo dois espanhóis – num posto militar no interior da maior ilha cabo-verdiana.

A tragédia, que manchará por largo tempo a imagem de tranquilidade da localidade de Rui Vaz, no concelho de São Domingos, interior da ilha de Santiago, teve motivações pessoais e o suspeito, um soldado do mesmo posto militar, foi detido menos de 24 horas depois da descoberta dos corpos e aguarda julgamento no Estabelecimento Prisional Militar, na capital cabo-verdiana.

Mas, apesar de todos os indícios apontarem para um acontecimento isolado, fruto de um “ato tresloucado” de um único indivíduo, o caso trouxe para a ordem do dia de forma mais urgente as questões de segurança no país e suscitou um debate aceso sobre os critérios de recrutamento, as condições de funcionamento e as fragilidades das Forças Armadas cabo-verdianas.

As questões da segurança e a criminalidade, a que o executivo liderado por Ulisses Correia e Silva já declarou “tolerância zero”, são, a par com a criação de emprego, os principais desafios do país, onde os dados mais recentes avançados pela Polícia Nacional (2014) apontam para um aumento da criminalidade na ordem dos 1,74 por cento, com uma média diária de ocorrências superior a 60.

O Governo assegura que o programa assume todos os compromissos da campanha eleitoral, onde se inclui a estimativa de um crescimento económico de 7% em média ao ano e de criação de 45 mil empregos.

Juntamente com o programa, que deverá ser discutido e aprovado até ao final do mês pela Assembleia Nacional, será também debatida e votada uma moção de confiança ao Governo, de acordo com a legislação cabo-verdiana.

A partir da aprovação do programa, o Governo irá trabalhar no Orçamento do Estado para os anos de 2016 e 2017, já que o país está a funcionar em regime de duodécimos desde o início do ano.

Tensão marca início 

do Governo MdP

Depois de 15 anos de governação do Partido Africado da Independência de Cabo Verde (PAICV), num contexto em que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) se tem situado no 1,5 a 2 por cento e com o desemprego acima dos 15 por cento, a fasquia é muito elevada e, como assinalou o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, durante a tomada de posse, “muito dificilmente” este Governo “poderá desfrutar do tradicional período de graça”.

Para o analista político João Silvestre Alvarenga, o novo Executivo irá seguramente enfrentar “algumas tensões entre as exigências de resolução de determinados problemas e a capacidade de sua satisfação pelo Governo”.

“O desempregado quer trabalho ou, pelo menos, sinais claros de que em pouco tempo poderá ser contemplado com uma vaga de emprego, por isso, tem pressa; o pobre quer sair dessa condição e ter uma vida digna, também tem pressa; aquele que está sendo mal atendido na justiça, na saúde e em outros serviços também tem pressa. Enfim, os resultados prometidos pela mudança precisam aparecer já nos primeiros meses da governação sob pena de desapontamento e desilusão do eleitorado”, considerou.

O primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, está consciente da expectativa gerada em torno do seu Governo e garante respostas rápidas para os problemas, mas avisa que não há milagres e que o compromisso é para cinco anos.

“Vamos trabalhar com um programa e os cabo-verdianos sabem e entendem que há coisas que não são milagrosas, exigem trabalho e produção de resultados. Temos um compromisso de cinco anos”, adianta o primeiro-ministro.

“Não vou governar para 100 dias, não estou preocupado com os 100 dias, vou governar para cinco anos. Não vamos ter nenhuma contabilidade de 100 dias, nem fazer nenhuma avaliação de 100 dias. É cinco anos e são muitos dias e, na base disso, vamos ter tranquilidade suficiente para executar o programa”, assegurou.

Ulisses Correia e Silva ouviu já do Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que é da mesma área política, a promessa de “um acompanhamento crítico da governação”, algo que o líder do MpD entende como natural.

“Deve ter. É a função do Presidente da República”, disse, sublinhando que o mesmo tipo de acompanhamento deve ser feito pela sociedade cabo-verdiana.

Regionalização até final do ano

A regionalização administrativa do país é outro dos compromissos eleitorais assumidos por Ulisses Correia e Silva, que quer dar imediato início ao processo com a apresentação na Assembleia Nacional, até final do ano, de uma proposta de lei sobre a matéria.

 “Não vai ser uma regionalização política, não vamos criar parlamentos nem dar competências aos governos regionais para fazerem leis. Vamos ter uma regionalização administrativa com competências, com governos que possam gerir as ilhas de uma forma integrada, desde a prestação de serviços de proximidade, à gestão e planeamento do território, aos serviços da economia ou da cultura”, explicou. 

O novo chefe do Executivo, que terá na orgânica do Governo a tutela da regionalização e da descentralização, sustentou que, em termos de execução, há muitas funções do Estado que “podem ser descentralizadas”, nomeadamente alguns serviços e delegações dos ministérios.

“As funções do Estado são as funções de soberania: relações externas, segurança, justiça, e defesa. Depois o Estado tem outras funções como a de criar uma boa base de regulação económica e financeira, as políticas públicas de educação e saúde. Na execução, muitas destas funções podem ser descentralizadas”, acrescentou.

Na frente externa, a aposta será no reforço da diplomacia económica, para ganhar o desafio de atrair investimento e reduzir a dependência da ajuda externa, e no fortalecimento das “relações privilegiadas” que o país mantém com os seus tradicionais parceiros como a União Europeia, os Estados Unidos, a China, o Brasil e Portugal.

Dívida pública recorde e crise nos TACV

 “Estamos a falar de uma dívida de 120 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). Muita dessa dívida é concessional, com taxas de juros baixas e prazos de pagamento muito largos, mas o problema da dívida excessiva é um problema de risco do país. E quando o risco é elevado, transporta-se para a economia e, é por isso, que temos os bancos a concederem crédito com taxas de juro mais elevadas e com mais custos”, entende.

O primeiro-ministro considera que, no final, quem acaba por pagar esta dívida excessiva são as famílias e as empresas. Segundo os dados mais recentes do FMI sobre Cabo Verde a dívida pública está estimada em 121% do PIB e o défice público deve chegar a 4,5% em 2015.

Parte dessa dívida pertence a empresas públicas como a companhia de aviação Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV), outro dos desafios urgentes para o novo governo.

Com problemas financeiros e uma imagem fortemente degradada pelo arresto de um avião por dívidas e pelos sucessivos atrasos e cancelamento de voos, a TACV conta já com um novo conselho de administração liderado pelo antigo delegado da empresa no Brasil, José Luís Sá Nogueira.

O ministro da Economia, José Gonçalves, anunciou a realização de uma auditoria técnica e financeira à empresa, que acumulou, desde 2012, uma dívida de mais de 10 milhões de euros.

Esta é a primeira de cinco medidas que o executivo pretende executar de imediato para “responder à atual conjuntura da TACV. Outras medidas passam por nomear “órgãos sociais idóneos e competentes”, em que se inclui o novo Conselho de Administração, criar um conselho consultivo constituído com pessoas “experientes em áreas relevantes para os transportes aéreos”, atualizar os estudos, avaliação e planos de ação da companhia e encontrar “soluções inovadoras de reestruturação e privatização da TACV”.

“Este elevado montante é dinheiro que o Estado não tem” disse o ministro, assinalando a “avultada dívida acumulada da empresa”, que só entre 2012 e 2016 somou quase 13 milhões de dólares.

Por seu lado, o novo Presidente do Conselho de Administração da TACV, José Luís Sá Nogueira, sublinhou a necessidade de executar de imediato um plano de emergência para garantir o funcionamento da companhia.

“Temos que ter um plano de emergência imediato para garantir o funcionamento normal da TACV ao mesmo tempo que vamos preparando um plano para o relançamento”, disse, adiantando que a necessidade de redução de pessoal avançada pelo anterior Conselho de Administração “é uma questão que ainda terá que ser ponderada”.

Admitiu que com o aproximar do verão e a chegada de emigrantes a companhia irá enfrentar “um período crítico” durante os meses de julho, agosto e setembro.

“Não há solução mágica, mas sabemos o caminho”, disse, garantindo “muito trabalho” para salvar uma companhia com “excelentes quadros” com os quais disse querer contar para “levar a bom porto a missão” de recuperar a empresa.

Cristina Fernandes Ferreira 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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