A redução do preço do petróleo e a desvalorização do kwanza abriram a porta à crise em Angola, consubstanciada no pedido formal de assistência financeira ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Para contornar o facto de não conseguirem fazer chegar a Portugal o salário de vários meses, problema que afeta milhares de emigrantes, cada vez mais portugueses estão a usar kwanzas para comprar diamantes no território africano, que trazem clandestinamente para Portugal, para obter uma compensação em euros.
Os valores de venda podem variar muito, oscilam entre os 1500 e os 5000 euros. Como estão a cometer uma ilegalidade (tráfico de pedras preciosas), os emigrantes são aconselhados a trazer diamantes pequenos, dissimulados no corpo ou incrustados em relógios ou anéis baratos, no sentido de não serem detetados no aeroporto de partida e no de chegada.
“É um diamante, mulher! Estou a dar-te um anel com um diamante!”, disse, na noite de Natal, António, carpinteiro de Vila Verde a trabalhar em Angola há nove anos. A esposa nem queria acreditar que, aos 54 anos, sem nunca ter visto uma pedra preciosa na vida, tinha agora uma no dedo. “Trabalhava para uma empresa de Braga e, nos primeiros anos, correu tudo muito bem. Tinha casa e comida em Luanda e 1500 euros por mês no banco, em Portugal”, recorda.
“Quase há um ano que eu e os meu colegas não recebíamos salário. A empresa tinha dinheiro para pagar, mas só nos podia pagar em kwanzas”, afirmou. Pronto para regressar a casa, António tinha duas possibilidades: “Ou vinha sem nada, porque a moeda angolana não tem cotação em Portugal, ou fazia como os meus colegas e comprava diamantes”. Optou pela segunda hipótese.
Como ele, também Fátima, administrativa de Braga, na hora de regressar a Portugal, foi ter com os “intermediários das Lundas (região de exploração diamantífera)” e comprou “todas as pedras que pôde”. “O que nos dizem é para comprar diamantes pequenos para evitar licenças e autorizações e, sempre que possível, incrustar as pedras em relógios ou anéis baratos para que, no aeroporto, ninguém dê por nada… Mas sem as lapidar”, afirmou.
Uns dias após a chegada a Braga, contactou “uma joalharia na zona do Porto” e vendeu os diamantes em bruto. “Tenho a certeza de que não fiz um bom negócio mas, entre deixar o fruto do meu trabalho em Angola ou poder recuperar algum dinheiro, claro que optei por arriscar”. O “risco” fez com que conseguisse recuperar “perto de cinco mil euros”.
A dificuldade de transferir dinheiro para bancos nacionais criou a necessidade de arranjar formas de, “com maior ou menor dificuldade”, fazer chegar o dinheiro às famílias em Portugal. “Durante algum tempo, pagava a um angolano para ir diariamente a uma casa de câmbio transferir 50 mil kwanzas. Depois, comecei a comprar objetos valiosos para investir o dinheiro. Ou isso ou pegava nas notas e fazia uma fogueira”, referiu Francisco, eletricista residente em Espinho, há sete anos emigrado em Angola.
Porta de entrada para “diamantes de sangue”
Apesar de existir um esquema de certificação de diamantes internacional – chamado Processo de Kimberley -, a verdade é que em Portugal as autoridades estão ainda a “leste do paraíso” e ninguém controla efectivamente o negócio destas pedras preciosas.
A maioria dos diamantes chega a Portugal através de malas diplomáticas que, segundo a legislação, não podem ser abertas pelas autoridades, nem sequer passar pelos sistemas de controlo existentes nos aeroportos ou portos marítimos que, para o efeito, porque importam, já que são completamente ineficazes para detectar as pedras preciosas, sobretudo se ainda estiverem em estado bruto.
Empresas perdem milhões
Os trabalhadores portugueses deixaram de conseguir receber os salários cá e não conseguem mandar dinheiro às famílias. Os dólares que se conseguem arranjar no mercado negro são altamente especulados. Já há “mulas” de dinheiro que vêm à Europa vender artigos valiosos para levar dólares ou euros para alimentar o negócio de rua.
O Banco de Angola assegura que continua a vender euros e até fez saber, em janeiro, que o país estava novamente “desbloqueado” para comprar dólares à Reserva Federal norteamericana. Na prática, as transferências de dinheiro para fora de Angola continuam a não funcionar.
“As empresas não falam porque não querem alertar o mercado cá, para não criar desconfiança entre os clientes. Ao mesmo tempo, ninguém quer ficar exposto em Angola, com receio de ter ainda mais problemas”, explicou fonte ligada a algumas das maiores empresas portuguesas presentes em Angola. “Muitas estão a aceitar uma desvalorização de 30% a 40% do dinheiro para conseguirem tirar de lá algum”, lamenta. Nas ruas, onde um dólar custava 100 kwanzas, em 2014, ontem bateram-se recordes: 450 kwanzas. A taxa oficial ronda 161 kwanzas.
Em pior situação estará a maioria dos 200 mil portugueses que se estima trabalharem em Angola (os números do consulado são inferiores). Além de a desvalorização do kwanza lhes ter feito minguar o salário em cerca de 30%, a compra de divisas pode fazer desaparecer outros 40% e o que resta não chega para viver ou regressar, como tem denunciado o Sindicato da Construção Civil, que estima haver ainda 80 mil com salários em atraso.
A culpa, diz-se, é do preço do petróleo, que desvalorizou 65% num ano, deixando de fazer entrar dólares na economia e no sistema financeiro angolano. Mas, aponta o FMI, o petróleo recuperou valor nos últimos meses sem que tal tenha produzido, em Angola, quaisquer sinais de recuperação.