Início » Demolir mas com jeitinho

Demolir mas com jeitinho

Ainda não é oficial, mas Alexis Tam já decidiu. A piscina do Tap Seac vai sobreviver à remodelação do antigo Hotel Estoril; e o painel de Oseo Aconchi, que adorna a fachada, também vai ser salvo. Cedendo em pontos importantes, em busca de alguns consensos, o secretário parece procurar espaço à decisão central: deixar demolir o edifício para se construir de novo 

Quando chegar a Macau, em Outubro, para discutir com o governo e as equipas que acompanham Alexis Tam na gestão técnica e política da renovação do antigo Hotel Estoril, o arquiteto Siza Vieira será condicionado por três vetores dominantes: um de ordem urbanística, que protege a relação visual com a Colina e o Farol da Guia, que é a de não exceder a altura do atual edifício; outra é a manutenção da piscina do Tap Seac, por detrás do edifício, decisão em parte motivada pela beleza do espaço, mas sobretudo vincada pela sua função de serviço público; finalmente, o painel em azulejo pintado por Oseo Aconchi será também salvaguardado.

Se a primeira restrição nunca foi posta em causa pelo secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, as outras estiveram sempre nas mãos do dono da obra que, para além de questões urbanísticas, estéticas e funcionais, vai também gerindo em consultas e debates públicos o melindre político de uma intervenção em espaço nobre, apontado como a nova centralidade de Macau.

O PLATAFORMA confirmou junto de fonte ligada à gestão do processo que essas decisões estão tomadas e formatam o trabalho de Siza Vieira. Por um lado, porque a piscina está num lote de dimensão relevante, que no caso de ir abaixo abriria espaço a um projeto bem mais ambicioso para a casa das artes que ali se projeta; por outro, porque a preservação do painel implica cuidados especiais e custos acrescidos, sendo ainda necessário decidir onde expô-lo, “eventualmente, de outra forma” revela a mesma fonte, admitindo a hipótese de o painel não vir a ser reposto na nova fachada.

“Na cultura popular chinesa, contam a este jornal, a mulher semi-nua não será propriamente a menina dos olhos mais tradicionais”

Moeda de troca 

O gabinete de Alexis Tam prefere nesta altura “não comentar as decisões intercalares que possam ir sendo tomadas, no respeito pela consulta pública e pelo debate que ainda está em curso”; embora tenha sido perceptível nesse contacto a correção da informação em causa. O secretário continua publicamente a manter a opção em aberto; mas estas duas decisões dar-lhe-ão eventualmente mais margem para a que falta e é mais sensível: deixar – ou não – a traça cair, erguendo-se a obra que Siza imagina.

Sabendo-se da intenção de Siza Vieira em demolir o edifício e construir a de novo, com liberdade criativa e funcional, o painel de Aconchi transformou-se num dos centros da discussão. Não tendo o edifício valor patrimonial reconhecido, nem por Siza Vieira nem pela maioria dos arquitetos que vão sendo ouvidos, o painel tem sido apontado em sessões públicas de esclarecimento como obra de valor, seja por motivos estéticos seja por questões de memória coletiva daquele espaço e do tempo em que foi concebido. Carlos Marreiros e Rui Leão, arquitetos que neste jornal já defenderam a hipótese de demolição, sobretudo pela mão de uma estrela mundial da arquitetura, como é o caso, não escondem a inclinação pelo painel: “Gosto do painel”, confessou Marreiros, embora frisando que “não se pode querer tudo” e que “há outras prioridades a salvaguardar na obra de Aconchi, nomeadamente os edifícios naquele tempo construídos nas avenidas novas: Coronel Mesquita, Ouvidor Arriaga, entre outras.” Já Rui Leão ressalvava o valor artístico do painel, sobretudo visto à luz da época. “Não era comum, muito menos em Macau, aquela atitude vanguardista”. Por isso o desenho projeta-se na praça com caráter “extraordinário”.

Painel para quem gosta 

Oseo Aconchi não é um pintor reconhecido, nem uma referência artística da época. Aliás, apesar do estudo das artes, que lhe dá um estatuto diferente, “até mais como escultor”, na memória de Marreiros, é na construção que ganha a vida; conjugação, essa, que faz nascer a obra. Stanley Ho quis empurrar o negócio, que não estaria assim tão bem, e acrescenta a encomenda, chamando pela sorte e projetando o choque visual.

O Instituto Cultural tem compilado as teses em confronto durante este debate e, sabe o PLATAFORMA, também recolheu várias críticas ao seu alegado valor artístico e simbólico do painel. Na cultura popular chinesa, contam a este jornal, a mulher semi-nua não será propriamente a menina dos olhos mais tradicionais, fazendo até lembrar os tempos da prostituição no hotel.

Entre os argumentos contrários à preservação do painel há ainda curiosidades menos relevantes para a decisão, tais como a superstição segundo a qual “não se deve passar por baixo de uma mulher nua”, ou a semiótica do gesto em azul no canto superior direito que, visto na vertical, fará lembrar uma ave, mas que na horizontal “faz lembrar a foice comunista”, explica fonte que pede anonimato, protegendo a sua responsabilidades institucional no processo.

A decisão de Alexis Tam não terá por isso contornos primariamente artísticos, estéticos ou culturais, mas sim políticos. Ou seja, sendo possível preservar, assume o custo e satisfaz quem o defende o painel

 

Paulo Rego

21 DE AGOSTO 2015

1112

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!