Depois de denunciar restrições à liberdade de imprensa em Macau, a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) prevê uma deterioração das condições de trabalho dos media locais. Em entrevista ao Plataforma Macau, a representante da FIJ para as Regiões Administrativas Especiais, Serenade Woo, responde ainda a críticas de associações locais e defende que a organização “não encoraja” o jornalismo como ativismo.
PLATAFORMA MACAU – Quais as principais preocupações da FIJ relativamente a Macau?
SERENADE WOO – Estamos um pouco preocupados com a situação da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, porque no último ano verificámos que ela se deteriorou. Pareceu-nos que alguns meios de comunicação foram alvo do Governo por várias razões e vimos jornalistas de meios de comunicação eletrónicos acusados ou detidos porque não tinham autorização da polícia para publicar o seu logótipo. Jornalistas de Macau disseram-nos que era normal a publicação do logótipo da polícia nos jornais e mesmo nos media eletrónicos e que nunca houve queixas da polícia. Mas no último ano, porque um artigo publicado por um meio de comunicação eletrónico estava relacionado com o chamado referendo, então a polícia contactou imediatamente os jornalistas em causa e deteve-os na rua. Isso foi para nós alarmante.
Outra questão que nos preocupa muito, está relacionada com a liberdade de expressão. No nosso relatório referimos o caso de, pelo menos, dois académicos que trabalhavam para duas universidades em Macau e perderam o emprego. As pessoas envolvidas disseram-nos acreditar que estes casos, em certa medida, estavam associados com algum tipo de repressão. Isso foi outra questão que chamou a nossa atenção para o que se passava em Macau, pois é, de certo modo, raro termos conhecimento deste tipo de casos em que académicos foram reprimidos pelo exercício da sua liberdade de expressão.
Outra situação que se tem verificado nos últimos anos é o facto de várias pessoas, incluindo jornalistas, terem sido barradas à entrada em Macau por as autoridades considerarem que representavam algum tipo de ameaça à segurança do território. Infelizmente não conseguiram apresentar provas. Por isso, esperamos que o Governo de Macau possa dar a conhecer os critérios segundo os quais são aplicadas estas medidas e possa melhorar as condições de trabalho dos jornalistas, particularmente no campo da liberdade de imprensa, defendendo-a.
JORNALISMO E ATIVISMO
P.M. – A maior parte dos casos que referiu dizem respeito a académicos e a ‘cidadãos-jornalistas’…
S.W. – Antes de mais gostaria de salientar que os meios de comunicação eletrónicos a que me referi estão registados e recebem subsídios do Governo, então partimos do princípio de que não há diferença entre eles e os meios de comunicação tradicionais.
P.M. – Refere-se ao Macau Concealers?
S.W. – Sim. Também gostaria de clarificar que quando falamos em ‘cidadãos-jornalistas’ e os chamados jornalistas profissionais, a nós só nos importa que o indivíduo esteja a exercer a profissão de jornalista.
P.M. – E as pessoas envolvidas nesses casos exercem a profissão de jornalistas? Pelo menos um dos casos que apontou envolve indivíduos publicamente associados a ativismo político…
S.W. – Não sabemos muito sobre essas questões em particular. Quando tivemos conhecimento de que jornalistas foram detidos pela polícia focámo-nos neste incidente.
P.M. – E como é que têm a certeza de que essas pessoas são jornalistas profissionais?
S.W. – Tive oportunidade de falar com elas e disseram-me que estavam a exercer a profissão de jornalista. Claro que apelamos aos jornalistas para se focarem no seu trabalho e não encorajamos qualquer meio de comunicação a misturar o seu trabalho com outras coisas, pois isso iria passar uma imagem negativa ao público de que jornalismo é ativismo. Não encorajamos este tipo de situação. No entanto, não nos intrometemos no caminho escolhido por cada meio de comunicação ou jornalista. Apenas nos focamos no trabalho que fazem.
P.M. – Admite que alguns casos possam estar relacionados com ativismo?
S.W. – Gostaria de enfatizar que quando falamos da situação de Macau baseamo-nos nas informações que nos chegam dos próprios jornalistas. No entanto, muitos não têm tempo para nos enviar informações, portanto, em certa medida, não é fácil sabermos mais sobre a situação na indústria. Mas a liberdade de imprensa também está relacionada com a liberdade de expressão, que é também uma das áreas que nos preocupa, independentemente de envolver ou não jornalistas.
Queria deixar claro que alguns casos poderão caber na categoria de ativismo, mas temos de perceber a que tipo de ativismo se referem e se estiverem relacionados com a liberdade de expressão, incluímo-los no nosso relatório anual.
P.M. – As vossas conclusões são, portanto, baseadas em queixas que recebem?
S.W. – Sim. Em alguns casos falei diretamente com as pessoas envolvidas e noutros falei com colegas seus. Também nos baseámos em notícias da imprensa e alguma informação chegou-nos da Associação de Jornalistas de Macau.
P.M. – E contactaram outras associações locais?
S.W. – Infelizmente não tenho os contactos de outras associações. Chegámos a reunir-nos no passado com a Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau, mas peço desculpa, perdi o seu contacto. A Associação de Jornalistas de Macau forneceu-nos informação de forma voluntária. Não acho que seja assim tão simples que tenhamos de ser nós a contactar as associações, elas também nos devem contactar a nós.
P.M. – O relatório apresenta recomendações para a China continental e Hong Kong, mas não para Macau. Porquê?
S.W. – Temos recomendações que gostaríamos de fazer ao Governo de Macau, mas ainda não as incluímos, talvez o façamos no próximo relatório. Consideramos que o Governo de Macau tem um papel chave na defesa da liberdade de imprensa e as autoridades devem manter a neutralidade. Com base em informações dos jornalistas, pensamos que, de forma geral, os Governos de Macau e Hong Kong podem fazer muito mais pela liberdade de expressão e de imprensa.
E também apelamos aos gestores dos media para que defendam os seus direitos, a liberdade de expressão e sejam neutros, pois, caso contrário, isso iria contribuir para uma perda de credibilidade. E encorajamos todos os jornalistas de Macau a se manterem em alerta e firmes. Compreendemos que as condições de trabalho não serão tão fáceis no futuro e congratulamo-nos com o facto de vários jornalistas terem exercido os seus direitos ao reportarem casos sensíveis.
P.M. – Que desafios acha que os media em Macau vão enfrentar no futuro?
S.W. – A liberdade de imprensa não é algo oferecido, é preciso lutar por ela e quando falamos em Hong Kong e Macau, por causa do seu contexto, sabemos que o futuro será mais complicado do que o ano passado.
P.M. – E porquê?
S.W. – Porque são parte da China e porque as populações reivindicam o sufrágio universal.
Patrícia Neves