Os resultados das eleições presidenciais no Brasil não deverão influenciar as relações sino-brasileiras, defende Chen Duqing, antigo embaixador da República Popular da China no Brasil. “As relações económicas, técnicas e de investimento são tão intensas que não podem ser ignoradas por quem quer que seja eleito”, diz, advertindo porém que na hora de entrar no mercado chinês ainda falta agressividade ao empresário brasileiro.Em entrevista ao Plataforma Macau, o atual diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Academia Chinesa de Ciências Sociais fala da experiência diplomática que o levou a estar mais de uma década no Brasil. Macau, realça Chen, não serve de ponte de passagem para chegar à China continental. Brasília “já tem muito boas relações com a China e não precisa de passar por essa plataforma”, justifica.
PLATAFORMA MACAU – Teve uma longa experiência diplomática no Brasil. Como vê o país hoje em relação ao que foi encontrar há mais de trinta anos?
CHEN DUQING – Prefiro falar do Brasil que conheci em 1974 ou depois em 1981. Não há uma grande diferença entre esses dois períodos, porque a economia do Brasil, ainda sob regime militar, estava em ascensão.
Deu-se o chamado milagre económico brasileiro e toda a rede rodoviária, de infraestruturas e telecomunicações estava muito acima da China. Em 1985, a minha sensação era que tudo aquilo que eu via estava mais avançado que na China. Já em 2006, quando regressei ao Brasil como Embaixador, disse aos meus amigos brasileiros: `Agora, vocês estão atrasados´. Eles ficaram espantados, eu respondi: `Vocês podem ir lá [China] ver, as coisas estão mudando, os ventos mudam de direção´.
Em 1985, o regime militar saiu de cena e o governo civil subiu ao poder. Até este momento – e quase 30 anos depois – houve vários governos civis, vários partidos que exerceram a sua administração, só que infelizmente, há muito que está ainda aquém do que se esperava.
P.M. – E estamos à porta de mais uma mudança do cenário político brasileiro com a corrida de Marina Silva?
C.D.Q. – Ainda é cedo para avaliar. Depois do súbito falecimento de Eduardo Campos, que aliás era meu amigo pessoal, a situação eleitoral mudou bastante. Para mim, sempre houve a chance de haver um segundo turno. Dilma, por um lado, Aécio Neves , por outro. Agora, um mês depois da morte de Eduardo Campos, a situação mudou radicalmente. Tudo indica que Aécio Neves esteja fora e a luta se faça entre duas mulheres distintas, Dilma e Marina. Há um empate técnico, as duas mulheres estão praticamente na mesma situação, cada uma com trinta e poucos por cento de intenção de votos, como mostra a Datafolha. Mas Aécio tem cerca de 15%, o que quer dizer que ainda existe 10 ou 15% de indecisos. Se Aécio sair da disputa, talvez haja apenas um turno, mas ele não o vai fazer porque esta é uma oportunidade de afirmação política.
O que é estranho perceber é que, quando Fernando Henrique Cardoso era presidente, o PSDB estava no auge. Mas trata-se de um partido de elite, por isso está um pouco afastado das massas. Nesse sentido, o PT, [está mais virado para as massas] sobretudo depois de Lula. E Marina também, ela começou de baixo, era operária e cortava seringa. Parece-me que neste momento o quadro está meio confuso.
P.M. – O que seria mais vantajoso para Pequim?
C.D.Q. – Como estou aposentado, já não represento ninguém. Mas, a nossa posição seria esta: primeiro, este é um assunto interno do Brasil e, como tal, não diz respeito à China. Pequim não deve interferir, isso não vai acontecer. Agora, na minha opinião, para a China não fará qualquer diferença quem vai ao segundo turno ou quem vai vencer as eleições. Isto porque as relações económicas, técnicas e de investimento são tão intensas que não podem ser ignoradas por quem quer que seja eleito.
O comércio [bilateral] já ultrapassa os 90 mil milhões de dólares, o investimento direto está acima dos 20 mil milhões de dólares. Esse vai-vém é muito intenso e eu até diria que o Brasil agora dá mais atenção e mais importância à situação económica chinesa do que à americana. Sabe porquê? A China foi a responsável pelo crescimento [brasileiro] nos primeiros 10 anos deste século, porque a China é um grande consumidor de commodities brasileiros. A China era o maior comprador. Desde 2009 até agora, a China tem sido o maior parceiro comercial. Então, ninguém pode ignorar isso.
P.M. – Mas na atividade comercial houve durante alguns anos questões pendentes, como foi o caso do embargo feito à carne bovina brasileira.
C.D.Q. – Durante a visita do Presidente Xi Jinping ao Brasil em julho, o nosso ministério anunciou a suspensão do embargo à carne bovina até 30 meses. Mas, na realidade, houve suspeitas no Brasil da doença da vaca louca (Encefalopatia Espongiforme Bovina) e havia áreas contaminadas em certas regiões.
Nesse sentido, o brasileiro talvez ache que a China é uma barreira não tarifária, mas, vendo de um outro ângulo, falta agressividade ao brasileiro no mercado chinês. Veja bem, os australianos vendem, os neozelandeses vendem, os argentinos e até os uruguaios vendem. Por que não o Brasil? A China não tem nenhuma razão para embargar os produtos brasileiros, não existe fundamento, o problema são as questões técnicas. Para a importação de carne, tem primeiro de se credenciar os frigoríficos, há uma série de regras para serem cumpridas e o Brasil tem de se mexer com maior rapidez para satisfazer as solicitações da China. O Brasil vende muito para Hong Kong e há uma parte da carne que é contrabandeada para o continente. É um fato estranho, o mercado existe, a China precisa dessa carne e a carne brasileira chega, mas não de forma regular. Por isso, para todos, é bom regularizar isso. Mas, como disse, têm de se cumprir as regras que o mercado exige, que a economia impõe.
P.M. – Além de parceiros comerciais privilegiados, como estão as relações entre os dois países?
C.D.Q. – Eu faço sempre esse paralelo voltando ao comércio. Em 1974, o comércio bilateral era de 17.420 milhões o ano inteiro. Agora, diariamente, este número está acima de 300 milhões. O volume aumentou muito. Em segundo, durante a década de 1990, estabelecemos uma parceria estratégica, no ano de 2012, quando o primeiro-ministro Wen Jiabao foi visitar o Brasil, a relação foi elevada para parceria estratégica global. Agora, nesta visita de Estado, Xi Jinping, disse: nós queremos promover as relações a um patamar mais alto, a um nível mais alto, num palco mais amplo. Isto para dizer que, realmente, as relações estão em boa situação e não podem ser melhores. São excelentes, extrapolam as fronteiras bilaterais e têm um importante significado no cenário internacional.
BRASIL NÃO PRECISA DE PLATAFORMA
P.M. – Enquanto esteve no Brasil, Macau já constava deste dicionário diplomático entre os dois países?
C.D.Q. – Pelos contactos que eu tinha com Macau, sempre achei que a cidade podia ser uma ponte e podia ter um papel importante. E uma das razões é que Macau tem muito dinheiro. Mas precisa de procurar oportunidades de investimento. A Macau, falta um espírito empreendedor porque vive-se muito bem, não é necessário fazer esforço.
P.M. – Mas como olha o Brasil para Macau?
C.D.Q. – Acho que Macau para a maioria dos brasileiros é uma cidade de casinos. O brasileiro conhece pouco a China em geral, sabe um pouco de Hong Kong.
Macau teve um papel importante na divulgação da cultura chinesa no Brasil. No Estado de Minas Gerais, ainda se veem casas de estilo arquitetónico com traço oriental. Foram macaenses ou portugueses que levaram daqui para lá. Conheci o antigo dono da construtora Camargo Correia, que me confessou que, cinco gerações atrás na sua família havia comerciantes de joias que tinham chegado de Macau. Houve essas ligações, mas depois parou. Também o primeiro grupo de plantadores de chá saíram por aqui vindos da província de Hubei. Macau podia ser [a plataforma] agora com o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, mas o Brasil não está muito interessado, e sabe porquê? Porque já tem muito boas relações com a China e não precisa de passar por essa plataforma.
P.M. – O Brasil já expressou inclusivamente dúvidas quanto ao novo Fundo da Cooperação para o Desenvolvimento entre a China e os Países de Língua Portuguesa.
C.D.Q. – Na verdade, o Brasil não deve ser o mais favorecido por esse fundo. O fundo está mais inclinado para os países mais necessitados. Até Portugal… Recentemente, em Pequim, fui convidado pelo Ministério do Comércio para dar aulas num curso que treina oficiais de negócios oriundos dos países lusófonos. Encontrei não só moçambicanos, como cabo verdianos, são-tomenses, angolanos, até da Guiné Bissau e de Portugal. Do Brasil, não encontrei ninguém. Eles acham que não precisam.
Sinceramente, sinto que a maioria dos brasileiros tem simpatia pela China, mas ainda falta muito para conhecer. Um empresário brasileiro disse-me uma vez: `Você conhece a palavra xenofobia? Aqui no Brasil, nós temos a palavra chinofobia, temos medo dos chineses´. Mas a verdade é que a concorrência não pode ser evitada neste processo de globalização económica mundial, quem é que vai fugir desse processo? Ninguém foge. Então, na minha opinião, o problema é o seguinte: A China o Brasil são elementos dessa economia, só que talvez a China esteja mais a jusante e o Brasil mais a montante.
Nessa cadeia de produção, as coisas estão mudando. Antigamente, a China importava tudo do Brasil, agora, a China começa a produzir tudo o que importava, e em grandes quantidades. O Brasil continua com a sua quantidade de produção de carros de três milhões, a China quase 20 milhões. Então a China o que compra? Mercedes, BMW e o Brasil não tem isso. Nós importamos Chevrolet do Brasil. Só que agora a produção de carros na China é tão elevada, por isso eu digo, as coisas mudam, os ventos mudam e você não tem como conter o avanço do vento.
O empresário ainda me disse: `Se você não consegue mudar o seu vento, tem de mudar a sua vela´. Você tem de saber adequar-se à nova situação. Uma maior integração, uma cooperação mais intensa entre a China e o Brasil só dá frutos que beneficiam os dois lados.
Catarina Domingues