A indústria do entretenimento em Macau tem enorme potencial de crescimento. Porém, alertam alguns especialistas, a cidade deve planear o desenvolvimento do setor de forma integrada
Desde grandes concertos a produções multidisciplinares, a indústria do entretenimento em Macau deve em breve dar um enorme salto quantitativo e qualitativo. Na base dessa revolução estão os novos casino-resorts em construção na zona do Cotai.
Porém, o desenvolvimento do setor não será linear, salientam vários analistas. Pelo contrário, vão existir falhanços, mas estes irão ajudar a indústria a afinar as suas estratégias, acrescentam.
“A construção de novas arenas e salas de espetáculos vai ser bastante positiva para o setor do entretenimento, mas apenas mais infraestrutura não é suficiente”, afirma Don Dioko, docente do Instituto de Formação Turística de Macau (IFT). É necessário igualmente atrair para Macau artistas e empresas de produção do exterior, acrescenta o académico. Porém, mais importante ainda, “para garantir a sustentabilidade” do setor, é promover o gosto pelas artes performativas junto da população local, diz Don Dioko.
Contudo, a atenção deve estar também focada nos bastidores, refere Jiji Tu, diretora da empresa de recursos humanos Macau HR. “Macau não tem trabalhadores qualificados em quantidade suficiente para satisfazer a procura que deverá existir no futuro por parte da indústria de entretenimento”, afirma.
A escassez de mão-de-obra pode mesmo ser um obstáculo ao desenvolvimento do setor. “A indústria do entretenimento é bastante especializada, o que significa que os artistas e o pessoal técnico têm que ser altamente qualificados para garantir a qualidade dos espetáculos”, sublinha Jiji Tu. “Este não é o tipo de indústria em que o know-how se desenvolva da noite para o dia”, acrescenta.
‘TENTATIVA E ERRO’
Todas as concessionárias de jogo em Macau estão atualmente a construir mega-projetos na zona do Cotai, previstos para abrir portas entre o próximo ano e 2017. Nos novos empreendimentos, está a ser colocado bastante ênfase na criação de espaços de entretenimento e na oferta de experiências de lazer únicas.
Porém, não é garantido que qualquer tipo de oferta no campo do entretenimento possa ter sucesso em Macau, sublinha Glenn McCartney, professor na área de turismo, eventos e entretenimento na Universidade de Macau.
“Como é óbvio, os próximos shows que venham para Macau têm que incluir características que sejam apelativas para um público maioritariamente chinês”, realça o académico.
Dos mais de 29 milhões de turistas que visitaram Macau no ano passado, mais de 18 milhões (63,5%) vieram da China Continental, segundo dados oficiais.
“As operadoras de jogo devem estar atualmente – ou deveriam estar – a viajar pela China Continental, para perceber qual a melhor solução” para Macau no campo do entretenimento, acrescenta Glenn McCartney.
A ideia é partilhada por Don Dioko, que salienta que o desenvolvimento da indústria nos próximos anos será baseado numa lógica de “tentativa e erro”. A dimensão do mercado da China Continental e a sua estratificação vão permitir encontrar diferentes públicos-alvo, diz o académico. Porém, refere, a dimensão da procura irá depender de como a oferta é apresentada e promovida junto dos diferentes públicos.
Segundo Glenn McCartney, as empresas têm duas soluções para o mercado de Macau. Uma primeira opção – a que oferece mais garantias – passa pela aposta num tipo de entretenimento de créditos já firmados, seguindo o exemplo de alguns shows residentes de sucesso já existentes no território. A segunda hipótese, mais arrojada, inclui estimular a procura por um tipo de entretenimento inovador no mercado.
“Não é por acaso que a aposta da Sands China no boxe é feita com atletas chineses ou da Ásia. O mercado existe, mas tem que ser estimulado”, realça o docente da Universidade de Macau.
O académico acrescenta que mesmo as fórmulas de sucesso têm que se reinventar regularmente.
“Ao fim de alguns anos, os modelos estão esgotados – por melhor que seja, qualquer show tem que ser renovado, seja ao nível das coreografias, produção ou música”, diz Glenn McCartney.
ECONOMICAMENTE VIÁVEL?
Para os grandes casino-resorts em Macau, a oferta na área do entretenimento “não tem que ser lucrativa”, explica Glenn McCartney. “Este tipo de indústria é complementar ao setor do jogo, de onde provém a maior parte das receitas” destes empreendimentos, acrescenta.
O desenvolvimento do setor do entretenimento vai ao encontro da política do Governo de Macau de promoção da diversificação económica. É também uma das fórmulas para transformar a cidade num centro internacional de turismo e lazer, lembra Ricardo Siu, professor de economia na Universidade de Macau. Porém, o sucesso da estratégia depende de fatores externos, como o crescimento económico ao nível regional, frisa Ricardo Siu. Ainda assim, a aposta no setor do entretenimento terá sempre efeitos positivos no tecido económico da cidade, acrescenta.
“Com base na composição do produto interno bruto de Macau em 2012, e tendo em conta o valor acrescentado bruto, pode-se antecipar que o setor do entretenimento terá reflexos noutras indústrias, nomeadamente comércio, hotéis, restaurantes e atividades similares”, afirma o académico.
Contudo, para se poder obter um contributo efetivo para a economia local por parte do setor do entretenimento, é necessário desenvolver um plano estratégico integrado para a indústria, salientam os especialistas.
“Penso que é altura de se olhar para o setor como um todo e não apenas como um agregado de iniciativas individuais”, diz Glenn McCartney, denotando que “há uma lacuna” nesse aspeto. O académico defende uma avaliação dos eventos organizados ao longo do ano, não apenas do ponto de vista operacional, mas também no que toca ao seu papel de promoção da cidade enquanto destino internacional.
Macau, porém, está ainda a dar os primeiros passos a nível internacional no que toca ao entretenimento e vai encontrar pela frente forte concorrência, afirma Don Dioko. “Terá que haver diversidade suficiente nos primeiros anos de forma a testar o mercado”, diz o docente do IFT, acrescentando que a oferta terá que ser diferente daquela que já existe na região, nomeadamente em Hong Kong.
Para além de grandes eventos culturais, Hong Kong é também regularmente palco de eventos desportivos internacionais, que atraem milhares de pessoas. Entre os destaques, incluem-se o torneio de Sevens de Hong Kong, que coloca frente-a-frente as melhores seleções mundiais de râguebi, e um torneio de futebol anual patrocinado pela Barclays, que traz ao território vizinho algumas das principais equipas inglesas.
“Hong Kong tem desempenhado um papel formidável na área do entretenimento – portanto, é estrategicamente imperativo ser diferente”, realça Don Dioko.
Para que tal aconteça, é necessário estudar o mercado e perceber qual o tipo de oferta que poderá funcionar em Macau, envolvendo parceiros públicos e privados, sintetiza Glenn McCartney. Os eventos têm que ser planeados de forma estratégica ao longo ano, acrescenta, de forma a atrair mais turistas em épocas baixas.
Tiago Azevedo
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